Visitei um local que desejava há décadas, o museu da USAF, a Força Aérea dos Estados Unidos, em Dayton, no estado de Ohio. São três edificios em forma de hangar, mais um quarto que será aberto no dia 08 de junho próximo, a terceira ampliação desde que o museu foi aberto nesse local, em 1971.
Antes, já em 1923, iniciou-se a coleção de itens relativos à força militar aérea norte-americana, aquela que viria a se chamar USAF apenas após a Segunda Guerra Mundial.
Nos dias em que passei lá constatei que apenas para ver os aviões são necessários dois dias inteiros, isso feito da forma correta, com calma, olhando detalhes e lendo algumas descrições em placas e cartazes. Fotografar significa bem mais tempo. Se formos considerar todo material disponível, será preciso um período maior, pois há muitos painéis com fotos e explicações sobre fatos ocorridos durante e fora de conflitos armados, peças de aeronaves, armas de todo tipo, uniformes de tripulações, quadros com montagens sobre eventos importantes de todos os grandes conflitos em que a USAF participou, além de exposições sobre o Holocausto, a Ponte Aérea de Berlim, o showman Bob Hope, o piloto John Gillespie Magee Jr – autor da mais famosa poesia sobre aviação, “High Flight”, que morreu aos 19 anos – simuladores de aviões destinados principalmente às crianças que custam algum dinheiro, (estacionamento e entrada são grátis), e muito mais. Acredito que só nesse acervo “extra-aviões”, pode-se gastar mais um dia inteiro sem ver tudo.
O museu está localizado na área da base aérea Wright-Patterson, em Dayton, a cerca de 350 km de Detroit, e não deve ser deixado de lado por quem gosta de aviões de forma alguma, principalmente a partir da sua nova ampliação.
Essa novidade do National Air Force Museum é o quarto edifício ou hangar, que será inaugurado e aberto ao público em 8 de junho, data em que se completa os cinquenta anos do acidente fatal que resultou na queda de um protótipo do North American XB-70 Valkyrie, bombardeiro que voava a três vezes a velocidade do som. O acidente ocorreu quando um dos dois protótipos que foram construídos prestava serviços de pesquisa sob a coordenação da NASA, já que o programa de utilizar o avião como bombardeiro de alta velocidade e grande penetração em território inimigo havia sido cancelado em 1961 pelo presidente John F. Kennedy, fortemente influenciado pelo Secretário da Defesa, Robert McNamara, um defensor dos mísseis balísticos intercontinentais para defesa contra o bloco comunista. O XB-70 entrou para a história sem nunca ter sido produzido em série. Depois da queda, o outro avião foi transferido para o museu e lá está, para deleite dos entusiastas.
Como estava na região no começo de maio para outras atividades além da visita ao museu, não poderia ver de perto esse avião e todos os outros experimentais alojados na nova construção, mas mesmo assim, resolvi arriscar uma tentativa. No domingo cedo, quando havia pouca gente presente, abordei bem próximo de onde sabia haver um acesso para o novo hangar uma senhora que trabalha voluntariamente, e expliquei meu problema, dizendo que era do Brasil e não estaria lá na data da inauguração. Esta prontamente chamou um funcionário, que estava saindo justamente dessa passagem trancada a chave.
Depois de ouvir minha breve explicação sobre o que eu estava fazendo lá (registrando o museu para o AUTOentusiastas), ele prontamente abriu a porta e me levou a um mezanino que foi estendido para acesso e visão superior da nova área. Esse mezanino já existe hoje parcialmente aberto ao público, sendo o andar superior da galeria dos mísseis, onde alguns arrepios percorrem a espinha ao vermos de perto essas máquinas de destruição em massa.
E dali, no domingo Dia das Mães, antes das 10 horas da manhã, tirei algumas fotos que dão a ideia do que será a nova área desse museu de visita obrigatória a quem for para a região nordeste americana. Não foi perfeito pois não pude ver todos os aviões, e foi de longe, mas posso dizer que fui privilegiado com essa deferência.
As fotos dessa nova área estão a seguir, e há aviões que não são visíveis nelas, tornando meu retorno algo certo mas ainda não planejado. Note que a iluminação é diferente das dos outros hangares, com todas as luminárias na mesma altura em relação ao piso, tornando muito mais agradável ver e fotografar do que nos hangares já abertos, onde as luminárias estão fixadas junto ao teto em arco, fazendo com que existam muitas áreas na penumbra.
Os pontos criticáveis no geral do USAF Museum são dois. O primeiro é a iluminação, que no novo edifício foi solucionado. Esperamos que os outros três hangares, mas antigos, recebam modernização nesse sentido. O outro é o espaço disponível para os aviões, que não é suficiente para que todos estejam no piso, e há vários suspensos por cabos. Pessoalmente não gosto disso, já que se perde muito a noção de tamanho, e não se fica próximo o suficiente da aeronave. Para aproveitar melhor o espaço, há vários aviões que estão em pedestais elevados, livrando espaço abaixo deles para painéis com fotos, descrições, telas com vídeos explicativos e outros fins. Se anula a noção exata da altura do avião por não estar com as rodas no piso, ao menos não está tão longe quanto os elevados por cabos de aço.
O restante é perfeito. Desde o acesso fácil até o estacionamento, passando pelo restaurante de preço justo e bom número de opções, o acervo absolutamente fantástico e também a imperdível loja, que conta com muitos itens para crianças e adultos. De especial, os livros, cuja quantidade de títulos disponíveis é enorme, e podem ser comprados também pelo website do museu — mas atenção com os preços: podem ser encontrados mais baratos na Amazon vários dos títulos que estão nas prateleiras da loja, que tem mais opções do que aparece no site. Não contei quantos livros diferentes vi, mas passei uma hora olhando, e há pelo menos uns trezentos títulos distintos.
Acervo
Na sequência dos edifícios, a coleção do museu é dividida basicamente em aeronaves dos anos iniciais, com o primeiro avião militar americano, o Wright Military Flyer de 1909, passando pela Primeira Guerra Mundial, o período entre guerras, Segunda Guerra Mundial, os conflitos da Coreia e Vietnã, a Guerra Fria, a Era Moderna, a Galeria dos Mísseis, os aviões presidenciais, cargueiros, experimentais e protótipos.
Há também poucos aviões do lado de fora, quando estive lá apenas um C-17, um Boeing EC-135 ARIA, que é um 707 de uso militar, um Hercules C-130 Spectre sem os canhões e metralhadoras e um Northrop Raider, um trimotor bem esquisito e interessante. Deveriam estar todos em área coberta, mas falta espaço.
Mas vamos a algumas aeronaves mais especificas, sem desejar cobrir aqui todo o museu, mas apenas colocando água na boca dos fanáticos radicais pela aviação como eu. Enfatizo: se puder, vá, assim como no Museu da Aviação Naval em Pensacola, Flórida, que publiquei em junho de 2014.
Da Primeira Guerra Mundial, os principais aviões estão presentes, como dois modelos de Spad, caças franceses, o britânico Sopwith Camel, O Fokker DR.I triplano, modelo usado pelo mítico Manfred Von Richthofen (o Barão Vermelho), o bombardeiro Caproni CA 36, o Nieuport 28, outro caça francês de desenho magnífico, e mais o Fokker D.VII. Antes da Segunda Guerra Mundial há vários aviões americanos de caça, ataque ao solo e treinamento, alguns deles como o Boeing P-26 que foi o primeiro caça monoplano de metal, e o Curtiss Hawk, biplano de 1925 com um desenho bastante parrudo e atraente.
Na área dedicada à pior de todas as guerras, que terminou com o lançamento de duas bombas atômicas sobre o Japão, a prata da casa é o Boeing B-29 apelidado pela tripulação de Bockscar. Esse é o avião que lançou a segunda bomba, em Nagasaki, em 9 de agosto de 1945, e se encontra impecável, como todas as outras aeronaves do museu. Seguindo um padrão, há uma réplica da bomba Fat Man idêntica à que foi lançada, inclusive com uma pintura colorida que se parece fora de contexto, está explicada como sendo de vedação de frestas entre as peças.
O P-51 Mustang não poderia faltar, e o exemplar sem pintura e polido é de tirar o fôlego. Está ao lado do seu mais poderoso oponente, a versão final do caça alemão Focke-Wulf 190, o D-9, com motor Jumo de 2.240 hp. Ele está em frente ao primeiro jato operacional da história, o Messerschmitt Me-262, que tem inclusive junto dele um motor em corte. Isso mostra que houve preocupação em montar um acervo também com aviões de nações que eram inimigas na época dos conflitos, para se se possa apreciar as capacidades de culturas diferentes em desenvolver suas armas.
Dessa forma também há caças japoneses, um deles sendo o mais famoso de todos, o Mitsubishi A6M Zero, além do caça movido a foguete Me-163 Komet, também com um motor extra colocado junto do avião.
Há também aeronaves de países aliados, como o inglês Supermarine Spitfire e um De Havilland Mosquito, o bombardeiro leve com estrutura em madeira, de desenho simples e belíssimo.
Estão também dois aviões muito importantes de transporte, o Curtiss C-46 Commando e o Douglas C-47 Dakota, ambos mundialmente utilizados, tendo inclusive feito parte da Força Aérea Brasileira, que é lembrada em um painel com fotos e explicações junto do Republic P-47 Thunderbolt, desenhado pelo russo Alexander Kartveli, avião usado pelo esquadrão brasileiro que lutou contra os alemães na Itália. O predecessor do P-47 é o Seversky P-35, avião construído pela empresa do russo emigrado para os Estados Unidos, Alexander Seversky. Essa empresa se tornaria depois a Republic Aviation, extinta em 1965 ao ser englobada pela Fairchild.
O centro maior das atenções nessa área não poderia deixar de ser o Boeing B-17, a Fortaleza Voadora, o avião que deu o rumo ao fim do governo nacional-socialista de Adolf Hitler, causando grandes danos às indústrias de base alemãs. O exemplar é o apelidado de Shoo Shoo Shoo Baby, e tem o nose art de uma bela garota, algo comum naquela fase complicada da vida de tantos soldados de terra, mar e ar.
Mais antigo e de menos eficiência que o B-17, o Consolidated B-24 Liberator voava mais baixo e era mais lento, tendo sofrido pesadas perdas enquanto não havia número suficiente de B-17 para equipar os esquadrões na Europa. As histórias dessas missões com os B-24 estão no livro “Azul sem Fim”, publicado no Brasil, de autoria de Stephen Ambrose, mais um que vale muito a leitura. Ao lado do B-24 há um canhão alemão de calibre 88 mm que foi o terror dos aliados ao voar sobre território alemão. Interessante ver arma e alvo juntos, na paz, dentro de um lugar incrível como esse museu.
O Lockheed P-38 Lightning, caça bimotor de cauda dupla é outra visão esplêndida, mas que pela falta de espaço do museu, não se pode ver a cauda de maneira correta, já que não há como chegar atrás do avião. Uma pena. O apelido desse avião, dado pelos alemães, explica bem sua eficiência em combate: Gabelschwanz teufel (demônio de cauda bifurcada).
Uma raridade entre várias é o Bell P-63E Kingcobra, versão desenvolvida do muito similar P-39 Airacobra. A característica mais diferente desse avião é o motor atrás da cabine, com a árvore da hélice passando por baixo do banco do piloto. Na frente, havia um canhão de 37 mm que atirava pelo centro do spinner da hélice, e havia mais quatro metralhadoras nas asas. Fato interessante também é o acesso por uma porta lateral para a cabine, ao invés do canopy (capota) abrindo.
Passando para a área das guerras da Coreia e Vietnã, de cara o assustador McDonnell Douglas C-124 Globemaster II, um quadrimotor de transporte com uma fuselagem alta como um prédio de uns três andares. Os quatro motores produzem uma potência ao redor de 27.200 hp, e foi o último cargueiro pesado da USAF movido a pistão.
Não poderia deixar de estar presente o F-86 Sabre e seu oponente soviético, o MiG-15. Os dois estão juntos para deliciosa comparação, e há mais outras versões do Sabre expostas, um deles sem os painéis da fuselagem e asas, vendo-se toda a estrutura e sistemas internos. Maravilhoso é pouco para tal item da exposição. Leia mais sobre esses aviões nesta matéria.
Nos salvamentos de pilotos abatidos era muito usado o Sikorsky Dragongly, que está no museu na cor que era usado no conflito, amarelo vivo, para deixar claro que não portava nenhum armamento, destinando-se apenas a salvamento, que em inglês é rescue, palavra erroneamente aportuguesada como resgate, substantivo que significa ato ou efeito de resgatar(-se) mediante pagamento de determinada quantia. Estava suspenso no teto, mas como não estava muito alto, dava para ver bem.
Em frente ao C-124, o Boeing B-52, bombardeiro que deverá ser o mais longevo aparelho militar em operação. Entrou em serviço na força aérea em 1955, e através de vários programas de modernização se mantém atendendo as necessidades. Está previsto para ser retirado de serviço ativo apenas na década de 2040, algo sem precedentes na história da aviação. Há tripulações hoje que tem netos dos militares que os operaram quando eram novidade absoluta e poderosa, voando permanentemente para evitar um ataque nuclear russo. Entrou em operação no Vietnã, e dali passou por todas as fases tensas de relações entre EUA e outros países. O B-52 é show à parte, estando sobre suportes que tornam possível adentrar por baixo o compartimento de bombas, e ver também seu trem de pouso formado por quatro pernas iguais com duas rodas cada, todas esterçantes, para permitir corridas de pouso e decolagem com fortes ventos de través, onde o avião voa de lado (caranguejado), e dessa forma, pode decolar e pousar com muito mais segurança. É de se imaginar porque todos os aviões de hoje não tem um sistema como esse. Também notável são os oito motores a jato, trazendo uma redundância enorme em caso de problemas nestes.
Bombardeiro menor é o North American B-45 Tornado, que voou em 1947 pela primeira vez e combateu na Coreia, além de ter operado também na Europa já no período de inicio da Guerra Fria. Foi o primeiro bombardeiro a jato de quatro motores, primeiro bombardeiro a jato capaz de carregar uma bomba atômica, primeiro bombardeiro a jato de produção, e na versão de reconhecimento, o RB-45, primeiro multijato dessa função a ser reabastecido em voo.
O Tornado foi bastante utilizado, mas o Boeing B-47 é muito mais famoso e muitas vezes confundido como sendo o primeiro bombardeiro a jato operacional. Muito mais elegante e delicado, o B-47 tem seis motores a jato e uma carlinga que encobre três tripulante um atrás do outro (tandem), com uma cobertura transparente que faz imaginar a delícia de voar num avião grande com uma visibilidade tão ampla.
Mas aqui já estamos adentrando ao período da Guerra Fria, e antes convém ainda lembrar o Republic F-105 Thunderchief, avião de caça e bombardeio que levava mais armamentos que o B-17 de apenas 15 anos antes, e voava a duas vezes a velocidade do som. Poucos aviões podem ser classificados de mais belos que o F-105, e foi o primeiro kit plástico que montei. Significa para mim um dos mais perfeitos desenhos de avião de combate, mesmo tendo muitos problemas e sendo complicado de manter. Vejam as fotos e façam seu julgamento.
De frente para ele há um MiG-21, seu principal inimigo nos céus do Vietnã. Os combates entre esses dois impressionantes projetos tão diferentes geraram vários heróis em seus países, e digno de nota é saber que o MiG-21 ainda é operado em três países do antigo bloco comunista, Romênia, Croácia e Sérvia, enquanto que o F-105 foi aposentado em 1984, mostrando que a simplicidade do MiG-21 ante a complexidade do Thunderchief resultou em uma vida operacional bem diferente entre eles.
A dupla Lockheed F-80 e T-33 Shooting Star são basicamente o mesmo avião, o segundo na versão de treinamento, com dois lugares. Projeto conceitual de Clarence “Kelly” Johnson, tem desenho puro e simples, inclusive patenteado. O T-33 também foi usado na FAB por muito tempo. Infelizmente não estão juntos no museu, seria mais interessante vê-los lado a lado.
Outro avião impressionante é o F-111, que já escrevi a respeito. Muito maior do que em fotos, e mais soturno do que eu imaginava, apesar de esguio e elegante. Grande demais também é o B-66 Destroyer, versão terrestre do bombardeiro naval A-3 Skywarrior. O B-66 é pouco conhecido e divulgado no panorama do Vietnã fora dos EUA, e tem uma história de missões perigosas, que requeria cobertura e proteção de caças, já que não tinha velocidade nem agilidade para escapar dos MiGs.
Com as perdas cada vez maiores do F-105, chegava ao teatro de operações no Vietnã o muito conhecido McDonnell Douglas F-4 Phantom, um monstro de dois motores que voava a Mach 2,2. Combateu os MiG-21 e bombardeava alvos a baixa altura, sendo difícil de abater pela manobrabilidade melhor do que seu tamanho e peso faziam supor. Há também a versão de reconhecimento RF-4 exposta, com nariz diferente para acomodar câmeras fotográficas.
O Rockwell OV-10 Bronco é um bimotor de ataque ao solo e observação. Tem a carlinga de área enorme, com as janelas laterais abauladas para fora, permitindo olhar bem abaixo do aparelho. Decolava e pousava curto, em pistas de terra, com seus dois motores turbo-hélice de 1.430 hp de potência na árvore da hélice. Sem o segundo tripulante, o espaço adicional permite levar duas macas e um enfermeiro, que entram no avião por uma porta na traseira da fuselagem, já que a cauda dupla livra espaço útil nessa área. Versátil ao extremo, ainda é usado nos EUA e outros países.
Passando para a área da Cold War (Guerra Fria), logo na entrada duas aeronaves de categorias diferentes e notáveis. O lado esquerdo tem um Northrop F-89 Scorpion, um interceptador de alcance médio que se destinava a abater bombardeiros russos na região do Alasca, o local onde ele mais foi empregado. O Scorpion foi meu segundo kit plástico, e até hoje é um avião de desenho estranho, impressionando pela posição dos dois motores, muito próximos ao solo, e pelos enormes lança-foguetes nas pontas das asas.
Do outro lado, e foi por aí que comecei a percorrer esse hangar, está o Convair B-36, cujo texto detalhando esse gigante está aqui. Eu fazia minhas orações para conseguir visitar esse museu em grande parte por esse avião, além de outro, que veremos em seguida. O B-36 tem tudo de impressionante no exagero de “mais bombas, mais longe” que dominaram a cena do Comando Estratégico Aéreo na década de 1950. De perto, é um absurdo imaginar que aquilo voava, e o compartimento de bombas está aberto e iluminado, podendo ser visto de dentro, mas pisando no solo, claro. Só estando lá para captar o tamanho da “encrenca”.
Ao lado dele, um trem de pouso que foi projetado e usado no primeiro protótipo, com apenas uma roda e pneu. Foi motivo de um incidente pelo tamanho exagerado, e substituído pelo operacional, uma perna mais bem elaborada com quatro rodas de tamanho mais normal.
Bem ao lado está o interceptador Lockheed F-94C Starfire, versão de uma linha de F-94s cuja único modelo a ter nome de batismo foi justamente esse. Sua característica mais marcante são os 24 foguetes FFAR de 70 mm de diâmetro carregados ao redor do nariz. Tinha uma capa descartável para diminuir o arrasto até o momento de serem lançados, mas na foto aparecem cobertos por uma peça de acrílico transparente, tornando os foguetes visíveis e evitando que pequenos pássaros construam ninhos nas cavidades. Os edifícios são bem vedados, mas mesmo assim vi um pássaro pequeno voando lá dentro. Já deve ter sido abatido no momento que escrevo.
Os interceptadores que substituíram a geração antiga, do Scorpion e da família F-94 são os Convair F-102 Delta Dagger, de desempenho ainda insuficiente, e sua evolução, o F-106 Delta Dart. Ambos estão presentes, com suas asas em delta e os mísseis AIM-4 Super Falcon, que eram embutidos dentro de um compartimento na barriga do Dart. O Delta Dart era visto no seriado sobre objetos voadores não-identificados, Projeto “Livro Azul”, exibido pela Rede Globo no começo dos anos 1980, sendo sempre o avião que decolava para perseguir discos voadores.
Quando escrevi o texto sobre o Convair B-58 Hustler, havia dito que um dia visitaria esse museu e iria presenciar a beleza desse avião, e que provavelmente iria chorar de emoção. Não aconteceu, consegui me controlar bem, pois estava bastante ocupado tentando driblar a pouca luz que ilumina tamanho valor dessa coleção. As fotos jamais farão jus à presença e beleza do Hustler, coisa de emocionar. O que está explicado no post mas ainda é duro de engolir é o tamanho diminuto das rodas do trem de pouso principal, minúsculas pelo tamanho do avião. Mas os detalhes são de encher os olhos e fazer gastar um bom tempo ao redor dele. Positiva é a posição em que ele se encontra, podendo ser fotografado do mezanino da galeria dos mísseis, onde há um pequeno bar para molhar a garganta e comer alguma coisa.
O apogeu da tecnologia aeronáutica da Guerra Fria foi o Lockheed SR-71 Blackbird, o avião de reconhecimento que operava a três vezes a velocidade do som e 25.000 metros de altitude. É outro impressionante e difícil de fotografar, pela cor negra e fosca, mas vê-lo de perto ainda é insubstituível. Não é permitido tocar nos aviões, mas não pude deixar de esticar o braço e sentir seu revestimento.
Passando para a área da aviação moderna, temos vários elementos que ainda compõe as frotas operacionais, como o F-15 Eagle, elegante e veloz mesmo parado, o B-2 , bombardeiro stealth (furtivo) de conceito asa voadora, o bombardeiro leve F-117 Stealth que foi o avião que fez os primeiros ataques a Bagdá durante a Guerra do Golfo, o AC-130 Spectre, um Hércules em versão tanque de guerra voador, com metralhadoras e canhões de grosso calibre instalados na lateral esquerda, para ataque ao solo. A técnica é interessante. O avião passa voando a alturas baixas e médias, em curva de grande inclinação, com os artilheiros mirando o alvo. Por estar de lado para o inimigo, a área de asa que é bem grande fica protegida, e nas laterais há blindagem para proteger a fuselagem em áreas sensíveis. Uma coisa de dar medo só de olhar. Procurem por vídeos dele no YouTube para entender o que digo.
O Rockwell B-1B Lancer é outro avião espetacular e de história atribulada. Inicialmente B-1, foi cancelado e ficou latente por quase dez anos, até ser retomado como B-1B, já muito melhorado, podendo voar a Mach 2 com seus quatro motores de geração mais evoluída e uma aerodinâmica limpa, auxiliada pelas asas de geometria variável. Seu desenho é tão visivelmente espetacular, com cintura afilada e concordâncias lisas e suaves, que foi livremente copiado pelos russos, resultando no Tupolev Tu-160 “Blackjack”.
Mais novo ainda é o Lockheed Martin F-22 Raptor, conhecido da criançada por ser o Decepticon Starscream dos filmes da série “Transformers”. É um caça furtivo de quinta geração, com formas e pintura que evitam a detecção por radares. Apesar de ter voado pela primeira vez em 1997, só entrou em operação em dezembro de 2005, sendo muito moderno ainda, e voando a até 2.400 km/h. Esse avião é a maior prova da dinâmica desse museu, que tem um avião plenamente operacional e com muitos anos de vida pela frente, exposto dentro de suas dependências. Também é o único Raptor a estar exposto em local público. Seu custo para os cofres públicos americanos é de US$ 150 milhões a unidade. De outro planeta!
E chego à galeria dos mísseis, área em forma de cilindro para combinar com os foguetões, como diriam em Portugal. A entrada mostra algumas maquetes de modelos de pesquisa avançadíssimos, como o X-20 Dyna Soar, um projeto de avião-foguete que voaria fora da atmosfera e seria usado para fins militares, como reentrar numa área alvo, lançar seu armamento e planar até território americano, sendo impossível de ser abatido. O programa foi sendo desenvolvido de 1957 a 1963, e foi cancelado depois de gastos US$ 660 milhões naquela data. Foi o mais importante ajuntador de dados para o projeto do Space Shuttle, o ônibus espacial da NASA.
Há cápsulas reais dos projetos Mercury, Gemini e Apollo. Esta última é da Apollo 15, da derradeira missão à lua, bastante chamuscada pela queima na reentrada à atmosfera. Me lembrou de outro excelente livro “Last Man on the Moon”, de Eugene Cernan, o último humano a pisar no nosso satélite natural. As cápsulas estavam sendo reposicionadas, por isso as fotos não mostram tudo que deveriam.
Os mísseis balísticos intercontinentais são as armas mais amedrontadoras já criadas, e aterrorizaram muita gente quando foram divulgados popularmente no filme catástrofe “The Day After” (O Dia Seguinte), que mostra ataques nucleares entre americanos e soviéticos. A visão do foguete saindo de dentro de seu silo em campos aprazíveis do interior dos Estados Unidos era a visão do contraste entre vida e morte. Na exposição do museu pode-se ver os mísseis, ogivas (desarmadas, claro), motores, vídeos e painéis mostrando todo o sistema de guarda e funcionamento dos silos, que se concentravam nos estados do centro-norte americano, Nebraska, Montana, Dakota do Norte e do Sul, Wyoming, Missouri e Colorado. Muito ilustrativo é uma maquete do silo e de seus anexos de comando, manutenção e controle, feita em um corte do solo. Uma loucura armamentista típica dos exageros gigantescos da Guerra Fria, época de medo mas de muita criatividade e tecnologia desenvolvida em altíssima velocidade.
Também está nessa área uma gôndola do balão usada no projeto Excelsior, que em 1960 levou o coronel Joe Kittinger a 31.300 metros de altitude, de onde ele saltou, atingiu 988 km/h, abriu o paraquedas a 5.500 m e pousou em segurança. Isso com apenas cerca de 20 saltos anteriores de menores altitudes. Tudo isso está contado pelo próprio Kittinger no livro “Come up and get me”, outra sugestão de leitura fascinante.
E cheguei então ao quarto edifício, com o XB-70 já comentado, o North American X-15, ainda a aeronave tripulada mais veloz de todos os tempos dentro da atmosfera, com recorde de 6.165 km/h e altitude de 107,8 km, com seus pilotos sendo agraciados com o título de astronautas, um deles, Neil Armstrong, que depois iria à Lua. Há também outros aviões de testes, experimentais, e que são exemplares únicos. No mesmo hangar estão aviões usados pelos presidentes americanos, desde pequenos bimotores até um Boeing 707. Provavelmente depois que um dos 747 ainda usados for aposentado, arrumarão um jeito de colocá-lo no museu.
Há também alguns aviões de carga que pude ver, como o C-141 Starlifter, que foi substituído pelos C-17, e um C-119 Packet, de cauda dupla, que foi também operado pela FAB muito tempo atrás.
Restaurações
É possível fazer um tour pela área de restauração do USAF Museum, que fica em hangares separados da área pública. É necessário se inscrever pelo website, mas também é grátis. O detalhe é que são apenas um ou dois por mês, portanto, quem for visitar deve pesquisar as datas e horários antes de planejar a viagem. Por pura sorte eu estaria lá em um dia desses, e cheguei ao museu em cima da hora para as instruções pré-tour, que são dadas por voluntários militares reformados. Um cabedal de histórias ótimas. Um ônibus leva os interessados até o local dos trabalhos, e foram formados cinco grupos de cinco pessoas cada, que circularam por esse paraíso de quem gosta de história e aviões.
Pude ver o B-17 batizado de “Memphis Belle”, nome de filme de Hollywood (“A Fortaleza Voadora”, no Brasil), um pouco fantasioso, mas interessante mesmo assim. O voluntário que nos guiava lembrou do filme original com esse título, um documentário rodado ainda durante a Segunda Guerra Mundial, que não tem nada similar ao filme moderno. Esse avião e sua tripulação foram os primeiros a completar 25 missões na Europa, dando o direito de retorno aos EUA e finalização do serviço militar dos mesmos. O avião voltou ao solo pátrio, fez um tour promocional, para mostrar que era possível ir ao combate e retornar vivo e inteiro, deixou de voar e foi exposto em alguns lugares onde foi muito danificado com o passar do tempo. Já há alguns anos o museu trabalha para deixá-lo em condição de exposição, e estar ali junto dessa lenda foi algo impressionante. Muito já está feito, e há bastante por fazer, mas não há pressa, e sim, perfeição.
São 17 funcionários pagos e 40 voluntários no trabalho nesse e em outros aviões, que compreende uma área de tapeçaria, necessária para aeronaves mais antigas, que tinha entelamento de tecido sobre estrutura de madeira. Também trabalham especialistas em madeira, alumínio, fabricantes de moldes de metal, de madeira, e até borracha, fazendo peças dobradas, prensadas, marteladas à mão, fundidas ou qualquer outro processo necessário para reproduzir ou apenas reparar peças danificadas ou apenas gastas.
Com desenhos da época que o avião foi projetado, conseguidos com os fabricantes ou outros museus e colecionadores, a equipe não para, aumentando nos meses de verão, quando estudantes vêm participar do trabalho e aprender a arte e técnica dessas máquinas maravilhosas.
Há itens mais novos que o B-17, como um MiG-25 que foi confiscado do Iraque, mas que não tem as asas, já que o avião estava semidesmontado e enterrado na areia, e elas não foram encontradas. Mesmo incompleto, é outro avião de meter medo de verdade. O guia que os acompanhou informou que se não forem conseguidas as asas, um par será construído para que o avião fique completo e seja exposto em alguns anos.
O V-22 Osprey, um convertiplano, avião com motores pivotantes e grande hélices, funciona como helicóptero e avião, e precisa de pouco trabalho para ficar em condições de exposição. Difícil mesmo vai ser arrumar um lugar para ele, pois ocupa muito espaço com os rotores gigantescos.
Em resumo, o National Air Force Museum é local de visita a ser feita com calma, preferencialmente mais de uma vez com um intervalo de alguns anos, para que as novidades que vão sendo restauradas sejam melhor apreciadas.
Quem sabe um dia montamos um grupo de “aeroentusiastas” de tamanho médio para viajarmos juntos e olharmos de novo esse museu, junto com outras atrações imperdíveis que por lá são em grande número.
JJ