Prevenir acidentes não é tarefa para amadores. Em nenhum âmbito. Tem gente que estuda durante anos uma carreira universitária de cinco anos e ainda faz mais um par de anos de especialização em Gerenciamento de Riscos. Normalmente lembramos deles quando há um acidente numa refinaria de petróleo ou, como algum tempo atrás, um vazamento num armazém no porto e são entrevistados na televisão e falam do que deu errado.
É coisa seríssima, mas, como sempre, também tem um monte de amadores que acha que entendem do assunto e saem decretando medidas a torto e direito sem nenhum embasamento técnico.
Parece óbvio, mas poucos fazem a lição de casa. Antes de sair colocando passarelas precisa analisar se elas serão usadas. Onde serão colocadas? É a falta delas que provoca acidentes? Mas, que tipo de acidentes acontecem num determinado trecho da estrada? Do lado das autoridades deveria ser a mesma coisa. Faz sentido diminuir o limite de velocidade num determinado trecho? É isso o que provoca acidentes? E a sinalização no local, é adequada?
Encontrei um estudo da Arteris recém-divulgado. Ela é uma concessionária que administra 21 rodovias no Brasil, entre as quais a Régis Bittencourt que passa por São Paulo e Paraná e é tristemente conhecida pelo elevadíssimo volume de acidentes de todo tipo. O interessante do estudo é que não foram feitas entrevistas, nas quais muitas vezes a subjetividade turva resultados. Eles analisaram 19.164 acidentes registrados entre janeiro e julho deste ano e nos quais foram registradas 361 mortes.
A conclusão que mais me chamou a atenção é que 32% dos acidentes com vítimas em todas as estradas administradas pela Arteris nos estados de Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais foram atropelamentos. Ou seja, uma em cada três vítimas. Proporcionalmente, eles foram “apenas” 1% das ocorrências mas 32% dos acidentes com vítimas, portanto mais graves. As principais vítimas em rodovias foram pedestres (28%) e ciclistas (4%) que não estão montados na bicicleta na hora da colisão — se estiverem pedalando, a ocorrência passa a ser classificada como “colisão traseira” — aliás, o segundo tipo de acidente mais letal, com 16% das mortes. De acordo com a pesquisa, 22% dos mortos por atropelamento são andarilhos — o que parece bastante lógico.
Daí alguém conclui que são necessárias mais passarelas. Mas, será que todos os atropelados queriam atravessar? Ou eles apenas andavam pelo acostamento? Ou pela pista? Canso de ver passarelas nas estradas e pessoas atravessando pela pista logo embaixo, especialmente nos trechos urbanos da Raposo Tavares tanto em São Paulo capital quanto no interior. A maioria alega que é mais rápido (hein????) ou que tem medo de ser assaltado. Por isso apenas analisar os números não nos permite concluir que mais passarelas resolveriam a questão.
A questão dos ciclistas também é polêmica. Diversas concessionárias dizem que “rodovia é uma via constituída para o tráfego de veículos, não se mostrando local adequado para o treinamento de ciclistas”. Normalmente elas se apegam àqueles que treinam nas rodovias e não mencionam aqueles que pedalam usando a via como meio de transportes. Dizem que o uso desportivo no ambiente rodoviário é regulamentado pelo Código de Trânsito Brasileiro, em seus artigos 67 e 95, e prescindem da autorização prévia e expressa da autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via. É fato que os acostamentos são destinados a paradas emergenciais e, na teoria, não ao trânsito de veículos, ainda que a tração humana. O Artigo 67 menciona provas ou competições desportivas, inclusive seus ensaios — o que incluiria os treinos. O texto, entretanto, não faz distinção entre o ensaio e o uso normal da rodovia, também permitido e regulamentado pelo CTB. O que é controverso, pois o mesmo CTB proíbe a prática de pedaladas em vias de trânsito rápido ou rodovias, salvo onde houver acostamento ou faixas de rolamento próprias.
Resumindo, o CTB, em seu Art. 244 § 1º e incisos subsequentes, permite o deslocamento de ciclos em vias de trânsito rápido ou rodovias onde há acostamento ou faixas de rolamento próprias. Não em qualquer uma. Mas ainda assim as concessionárias chegam a colocar placas proibindo o tráfego de ciclistas.
Em diversos países o trânsito de motos abaixo de uma certa cilindrada é totalmente proibido nas estradas (sinalização da foto de abertura). A lógica é cristalina. Um veículo tipo scooter não tem potência para andar numa velocidade mínima numa estrada, colocando em risco não apenas seu condutor e eventual carona (aí fica ainda mais lento) mas os demais veículos. Na China, aliás, o trânsito de motos nas autoestradas é proibido para qualquer cilindrada —só podem circular por vicinais e estradas de terra. O mesmo acontece na Tailândia, Venezuela, Coreia do Sul e Vietnã, entre outros. Nos demais, há limitação de cilindrada — somente acima de 50 cm³ em quase todos mas lugares. Mas outros fazem exigências ainda maiores, como Índia, onde motos nas autoestradas somente podem circular a partir de 350 cm³. Em Hong Kong acima de 125 cm³, assim como Japão onde, aliás, também é proibida a circulação de motos com mais de uma pessoa nas estradas, independentemente da cilindrada. Na Itália, reino das lindas Ducati, só acima de 150 cm³, Filipinas somente acima de 400 cm³ e Taiwan, acima de 550 cm³. No Brasil qualquer uma acima de 50 cm³ pode circular e a partir de agora será exigida habilitação para as “cinquentinha”. Em boa hora, pois se trafegam em ruas e avenidas, pelo menos isso deveriam ter seus condutores habilitados. Em países como Alemanha e Reino Unido a diferença entre estradas e autoestradas é justamente a restrição ao trânsito de veículos lentos.
No Brasil em 2012 chegou a ser aprovada na Comissão de Viação e Transportes (PL 6857/10) a proibição de circulação de ciclomotores, motonetas e motocicletas com menos de 125 centímetros cúbicos em rodovias. O relator, deputado Hugo Leal, do PSC fluminense, alterou o projeto original que ampliava a proibição para motores de até 250 cm³. Mas até agora, nada seguiu em frente. Eu confesso que não vi motos de baixa cilindrada (incluindo aí as de 125 cm³, tão populares no Brasil e tão frequentes nas estradas) circulando em estradas em nenhum país do Primeiro Mundo, ainda naqueles onde está permitido. Acho que poderíamos analisar com mais cuidado essas restrições, especialmente já que no Brasil morrem tantos motociclistas nas estradas — bem, nas cidade também.
Observar o que outros países fazem deveria ser obrigatório para as autoridades mas com critério pois apenas copiar sem levar em conta características locais só leva a mais erros — justificados depois com o famigerado “mas tal cidade faz isso…”. Afinal, se os outros aprenderam algo, por que nós não podemos fazer isso? Sempre podemos tirar lições das experiências, próprias ou alheias. E se tantas motos estão envolvidas em acidentes nas estradas e nas cidades, que tal olharmos para elas com mais cuidado?
Como meus caros leitores sabem, adoro viajar. Para qualquer lugar, diga-se de passagem. Sempre acho que pode ter algo interessante a ser visto e, se não, OK, tirei a curiosidade e já “tiquei” um lugar da minha gigantesca lista de lugares a conhecer. E sempre observo muito tudo quando estou em outro lugar. Minha educação montessoriana me ensinou a sempre ver oportunidades de aprendizado em tudo e, claro a aprender com os erros e acertos do outros que é mais prático do que cometer os mesmos.
E aqui vai um parênteses tragicômico. Vários anos atrás minha mãe resolveu ir de férias para Cancún, sozinha. Comprou passagem da Aerocancún, naquela época a única empresa que voava direto para lá. No dia da viagem, minha solícita cara-metade levou a queridíssima sogrinha até o aeroporto, mas quando chegaram lá, cadê o balcão da Aerocancún? Nada dela. E foram encaminhados ao balcão de uma tal de Airvias, que, souberam naquela hora, acabava de comprar as linhas da Aerocancún. As opções eram perder toda a viagem ou embarcar na desconhecidíssima Airvias. Minha valente mãe fez a segunda opção. Na ida, o aquecedor de comida não funcionava e comeram tudo frio. No destino deu tudo certo, já na volta…
No dia marcado, antes de cruzar toda a cidade e em tempos pré-aplicativos tipo Flystats, liguei para Guarulhos e soube que a aeronave estava atrasada duas horas. Fiquei em casa e tornei a ligar mais tarde. Agora o atraso era de quatro horas. Mais tarde, eram oito que viraram 12. E os motivos eram desencontrados. Ora o avião não havia decolado de Cancún, ora sim, ora estava em Paramaribo. Claro que fui ficando preocupada mas eis que toca o telefone e era minha mãe. “Oi filha, tudo bem?” Eu sim, onde você está afinal? . “Em Caiena”. Caiena?????? E minha mãe, que acha que sempre se pode aprender algo: “Sim, Caiena, capital da Guiana Francesa”. Caramba, mãe, isso eu sei, mas o quê você está fazendo aí?
Resumindo, o avião teve problemas e uma das turbinas parou de funcionar – coisa simplizinha… Pousou em Caiena. Como a companhia aérea tinha uma frota total de dois aviões, tinham de esperar a chegada do outro para sair de lá. Depois de 8 horas dentro da aeronave, na pista do aeroporto, as autoridades locais os liberaram para voltar em umas 16 horas. Providenciaram hotel (mas dividindo o quarto, pois não havia quartos suficientes para todos). O que minha mãe fez? Saiu para passear e conhecer Caiena. Vai voltar lá? Diz que não pois não é um lugar tão assim, digamos, fantástico mas lamentou não ter tido tempo de ir até a Ilha do Diabo. Detalhe pitoresco: como a Airvias não tinha acordo nem crédito para reabastecer em Caiena, os passageiros fizeram uma vaquinha para pagar o combustível e voltar na outra aeronave. As malas vieram no avião com problemas. Os passageiros e as malas chegaram umas 36 horas depois do previsto. Estou muito longe de ser do tipo Poliana — ao contrário, sou sempre bastante crítica — mas a viagem da minha mãe tem uma moral: tente achar algo positivo no meio de algo muito ruim e aproveite para aprender. No caso dela, duas coisas: conheceu Caiena e nunca mais embarcou numa companhia aérea desconhecida.
Mudando de assunto: esta é minha 100ª coluna aqui no AE. Parabéns para todos nós, especialmente meus caríssimos leitores já que sem vocês meu esforço seria inútil. Outra coisa, dar-lhes-ei um tempinho de folga das minhas escrevinhações, mas dia 23 de novembro ataco novamente neste espaço. Aguardem. Como dizia minha avó espanhola, não há mal que dure para sempre nem corpo que o aguente. Volto logo.
NG