Ao ver as fotos das praias neste final de ano, além da óbvia lembrança de um formigueiro, fiquei chocada com um denominador comum: a gigantesca quantidade de caixas de som sob os guarda-sóis. E li que tem uma espécie de concorrência para saber quem tem o propagador de… vá lá, som mais potente.
O repertório é mais ou menos o mesmo: sertanejo, funk e similares de igual qualidade musical. Independentemente do meu gosto nesse quesito, que não inclui estes gêneros, é um total desrespeito com o próximo obrigá-lo a ouvir aquilo que eu quero. Ainda que fosse rock da melhor qualidade, jazz de primeira ou a Nona Sinfonia de Beethoven. Questão de educação básica. Simples assim. Por essas e outras é que não frequento praias lotadas nem gosto de lugares com gente mal educada. Mas, claro, é cada vez mais difícil ir a qualquer lugar sem encontrar essas barbaridades.
Num país como o Brasil onde quase tudo é normatizado (ainda que essas mesmas normas não sejam cumpridas), em julho de 2014 a cidade de Teresina aprovou e sancionou a lei que proíbe o uso de aparelhos sonoros sem fones de ouvido dentro de ônibus, vans e metrô. O decreto também já fixou o valor de R$ 300 de multa aos infratores. Irônico é que na época um passageiro entrevistado por um importante site de notícias sobre a novidade reclamou. “Sempre uso o aparelho para ouvir músicas. Acho que é um direito meu escutar o que eu gosto, não posso ser obrigado a andar de fone de ouvido”. Digo irônico porque o indigitado é muito cioso daquilo que ele acha ser um direito dele, mas ignora solenemente o direito dos outros de NÃO ouvirem o som que ele gosta. Mas até aí, nada de mais. Por definição alguém egoísta é alguém que pensa primeiro (e às vezes exclusivamente ) em si mesmo.
No Rio, a aprovação de lei similar, a de número 5.728, se deu em abril de 2014. Diga-se de passagem, o então prefeito Eduardo Paes havia vetado o projeto, mas o veto foi derrubado e validado pela Câmara de Vereadores. Na Bahia a lei vigora no estado todo desde março de 2013 e já havia uma lei assim em Salvador desde o ano anterior que praticamente acabou com os “DJs do Buzu”. Em Porto Alegre a proibição existe desde 2011 e em São Paulo desde junho de 2014. De diferente entre as cidades basicamente o valor das multas. E só.
Como usuária de ônibus na cidade de São Paulo, notei a diferença. Cena comum hoje é ver o pessoal com fones de ouvido ainda que às vezes o som vaze um pouco de tão alto. E acabou com a farra do som de alguns motoristas que também abusavam da paciência e dos ouvidos dos passageiros.
Outro problema que está ficando insuportável em diversas cidades é o som dos carros. Gente que entope o porta-malas de caixas de som e sai por aí torturando os ouvidos do próximo — ou deste mesmo, hehehe. E aí sou mais uma vítima. Seja andando de carro, ônibus, ou mesmo de dentro da minha casa. Frequento bastante pequenas cidades do interior de São Paulo e lá esse problema assumiu ares de tortura. São sempre as mesmas pessoas que ficam dando voltas pela cidade com o som no máximo. Uma amiga minha psiquiatra diz que geralmente são carros de pessoas que não se destacariam por nenhuma outra característica e que precisam fazer isso para chamar a atenção. Mas aí vai uma longa discussão e eu não tenho conhecimento para adentrar nessa seara das motivações destas criaturas. Mas tenho todo o direito de me incomodar com as consequências desses atos.
Veja essa reportagem televisiva sobre o assunto:
A Polícia e os órgãos que deveriam multar os infratores, já que é, sim, infração emitir som. Mas como o Bob Sharp sempre diz, isso dá um trabalho danado. Felizmente, no dia 20 de outubro de 2016 o Conselho Nacional de Trânsito (Contran) regulamentou multa para som alto dentro do carro sem a necessidade de medição do volume em decibéis. A infração é considerada grave, com perda de cinco pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e pagamento de multa de R$ 195,23, mas a regulamentação tira parte das desculpas que eram usadas para não punir os infratores. A nova redação não deixa dúvidas: a autuação será devida a quem for flagrado com “som automotivo audível pelo lado externo do veículo, independentemente do volume ou frequência, e que perturbe o sossego público”. Estão excluídos ruídos de buzinas, alarmes e sinalizadores de ré.
A regulamentação veio dirimir alguns questionamentos sobre o Artigo 228 do Código de Trânsito Brasileiro, que dizia que para haver autuação era necessário que o equipamento de som instalado num veículo ele deveria estar em volume ou frequência que não seja autorizado pelo Contran. Ou seja, era necessário se verificar o descumprimento à regulamentação complementar do Conselho Nacional de Trânsito. Nesse emaranhado de leis, normas, regulamentações e outros, já havia a Resolução do Contran nº 204/06, que se baseia em normas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Resoluções nº 001 e 002/90), e estabelece o nível de pressão sonora máximo de 80 (oitenta) decibéis, medido a sete metros do veículo, sendo que, para distâncias diferentes, devem ser considerados os valores constantes de uma tabela própria. Ainda assim, as autoridades já podiam autuar os infratores com base na Lei das Contravenções Penais, que no seu artigo 42, inciso III, do Decreto-lei nº 3.688/41 diz que é crime “Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos”.
Ainda não encontrei na mídia casos de carros multados por emissão de som, mas torço para que a lei em si pelo menos sirva para inibir o desrespeito com o próximo. É como lidar com criança. Às vezes basta dar um aviso do que vai acontecer se não se comportar que os limites não são ultrapassados.
Mudando de assunto: e por falar em crianças birrentas e carros, meu “Mudando de Assunto” hoje é, mais uma vez, uma tira do genial Calvin.
NG