O MP Lafer branco
Por Jean Tosetto
Antes de contar a breve história do MP Lafer branco, me apresento ao leitor do AUTOentusiastas: meu nome é Jean Tosetto, sou arquiteto, casado com a Renata, pai da Carol, editor do site mplafer.net, autor do livro “MP Lafer: a recriação de um ícone”. Por aí vocês podem entender a minha paixão por este conversível brasileiro, com pinta retrô de esportivo inglês e mecânica VW. No livro mencionei que tenho um MP Lafer vermelho 1974, que ganhei de meus pais, mas aqui vou contar sobre o MP Lafer branco 1977, que foi o primeiro carro que comprei com o dinheiro de meu trabalho.
Corria o mês de junho de 2008. Eu já tinha quase dez anos de formado e estava terminando de construir minha casa, pois o namoro com a Renata estava firme e pretendia me casar. No meio do caminho, o João Sabóia, editor do site mplafer.com, colocou seu carro à venda. O valor atraente que ele pediu era um pouco menos do que sobrava de minhas economias. Tomado por um raro impulso intuitivo, telefonei para ele e fechei a compra em menos de três minutos.
Moro em Paulínia, no interior de São Paulo, e fui buscar o carro em Resende, no estado do Rio de Janeiro. Meu pai me deu carona e voltei dirigindo o MP branco, ano 1977. Que dia inesquecível. Na ida fui conversando com meu pai, de um jeito que nunca conversamos — ele me tratou como adulto pela primeira vez. Na volta meu pai parou em Caçapava para resolver assuntos de família, e vim sozinho a partir de então. A janela direita do MP despencou, pois o mecanismo de pressão da janela havia quebrado, canalizando todo o vento gelado da Serra da Mantiqueira em meu ouvido, mas cheguei inteiro em casa. No dia seguinte comecei a arrumar o carro.
Pouco antes do Natal daquele ano pedi a Renata em casamento. Tudo beleza, mas fiz uma casa com garagem coberta para apenas dois carros. O meu MP vermelho estava garantido nela. O carro da Renata também (era um Corsa invisível, de tão cinza prata).
Na véspera de Natal chamei minha mãe para dar uma volta no MP branco. No trajeto eu disse:
— Mãe, você me deu um MP vermelho, certo? Agora quero te dar este MP branco.
Meu nó na garganta nunca foi tão grande. Emoção sublimando pelos poros.
Quando novembro de 2009 chegou, a Renata pediu o MP branco emprestado para usar no casamento. Ficaria mais bonito no álbum de fotografias. É claro quer o MP vermelho ficou triste. Mas o destino tratou de fazer justiça.
No dia do casamento fui até a igreja de MP Lafer branco. Eu levaria a noiva até o salão de festas depois. Foi o último carro que dirigi solteiro. Faltando um quilômetro para chegar à igreja (o matadouro da carreira de um solteirão convicto) o carro começou a pegar fogo! Isso mesmo: fogo. Um chicote elétrico estava sem aterramento e entrou em curto por causa do atrito com o assoalho do carro. Se estacionasse o carro ali, adeus cerimônia de casamento.
Fui com ele esfumaçando até chegar à varanda da sacristia, atrás da igreja em Nova Odessa. Os convidados não entenderam nada, vendo o noivo defumado dirigindo um carro soltando as primeiras labaredas. Os padrinhos me ajudaram a conter o princípio de incêndio e ligaram para um primo trazer o MP vermelho até a igreja. Foi o primeiro carro que dirigi casado. Foi o carro que apareceu no álbum de fotografias.
No caminho da festa em Campinas pagamos pedágio na Anhangüera. A moça da cabine ficou encantada com o casal de noivos a bordo de um conversível que ela sequer sabia o nome. Na festa eu cantei “This guy is in love with you” do Burt Bacharach, de improviso na capela, para a Renata, depois de umas taças de champanhe. Felizmente a fita está bem guardada, trancada mesmo.
Enquanto fui para a lua de mel, meu pai foi guinchar o MP branco.
O tempo passou e meus pais não estavam usando o carro. Então eles pediram para eu vender o MP para eles. Propus que o valor do carro fosse investido na educação da minha afilhada, enteada deles. Cheguei a anunciar o carro, mas só recebi propostas de gente curiosa, então fui empurrando com a barriga, para curtir o carro de vez em quando.
Finalmente, em junho de 2011, fui ao encontro de autos antigos de Águas de Lindóia. Lá encontrei com o Romeu Nardini no estande do Clube MP Lafer Brasil, quando a Vera Lúcia se aproximou da rodinha, perguntando para mim se eu conhecia alguém que estava vendendo um MP Lafer. Como o MP Branco ainda estava em meu nome, respondi: “eu mesmo”.
Sei que é difícil de acreditar, mas ela comprou o carro na hora, sem ao menos ver a cor dele, confiando apenas na minha palavra. Ela me pediu a conta corrente para fazer o depósito e que eu entregasse o carro no fim de semana seguinte, em Lindóia mesmo.
Fiquei abismado quando o valor apareceu no extrato bancário. Acho que pesou o fato de ser conhecido entre os entusiastas da marca por causa do site que edito. Além do mais, ela é advogada e teria todos os meios para se defender, caso eu fosse um tratante. Tratei mesmo é de fazer uma revisão mecânica caprichada e fiz minha viagem de despedida do MP Lafer branco em grande estilo, baixando a capota e singrando as estradinhas do Circuito das Águas do interior paulista.
Eu e a Vera Lúcia ficamos amigos desde então e por vezes mato as saudades do carrinho nos encontros promovidos pelo Clube do MP. Nas mãos do antigo dono, lá do Rio de Janeiro, esse MP Lafer branco chegou a disputar provas no finado circuito de Jacarepaguá. Imaginem se esse carro pudesse falar…
Fotos: autor
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