Primeira Parte
Era o dia 5 de julho de 1997 e eu estava na frente do computador e conectado na internet pelo meu então potente modem de 14,4 kbps, ansioso como todo e bom nerd. No dia anterior, feriado nacional americano, a sonda Mars Pathfinder havia pousado em segurança em Marte, e para o sábado, a Nasa havia anunciado a cereja do bolo: ela transmitiria “ao vivo” a liberação do rover Sojourner preso a uma das “pétalas” da sonda para circular entre as pedras e areias de Marte.
Não havia tanta tecnologia na internet da época, e fazer o download de uma simples foto pequena era um desafio pesado para muitos computadores caseiros. A internet ainda não possuía muitas das ferramentas que a tornam tão flexível como hoje. Não havia qualquer tipo de vídeo online, e o máximo eram fotografias de baixa resolução que demoravam muito para serem baixadass através de conexões discadas precárias que podiam cair a qualquer instante.
Em termos mundanos, a Sojourner não fez grande coisa. Durante toda sua vida útil não as moveu mais que 100 metros e não se afastou do olhar atento das câmeras da Pathfinder mais que 12 metros. Ainda assim, foi um grande momento. Aquilo não foi no jardim das nossas casas, mas num distante mundo alienígena perdido nas profundezas do espaço. De certa forma, era como estar em Marte junto com aqueles valentes desbravadores eletro-mecânicos…
Mas, esperem! Vamos parar aqui e pensar um pouco. Será a aventura toda foi só isso? Será que não há outras maravilhas aqui, ocultas pelo brilho dos atores principais? Certamente que há.
O primeiro deles é, como uma sonda tão pequena, alimentada por painéis solares num mundo mais afastado do Sol que o nosso consegue funcionar e ainda nos enviar seus sinais através do espaço profundo? E como conseguimos captá-los aqui?
Estas perguntas começaram a mexer com a minha mente naquela hora, e logo a mesma internet começou a me mostrar resultados ainda mais saborosos. Enviar sinais para serem captados pela pequena antena de alto ganho da Pathfinder não era problema. Joga-se energia sem limites nos transmissores e o sinal que lá chega é suficiente para a sonda nos ouvir. Porém o desafio de ouvir aqui a sonda era muito maior. A potência de transmissão, limitada a poucos watts e centrada numa frequência de 8 GigaHertz, e após atravessar 190 milhões de quilômetros, o sinal chegava com a ínfima potência de 0,0000000000000000025 watt, captado pelas antenas de 34 metros do Deep Space Network, da Nasa. E esse ínfimo canal de upload da sonda para a Terra enviava dados digitais a uma velocidade entre 1 e 2 kilobits por segundo, o que é muito lento perto das comunicações por internet atualmente.
Mas isso não é tudo. A potência recebida era tão pequena que representava apenas uma parte contra 6000 de ruído de fundo que compunham tudo que era captado pelas antenas. O sinal precisava ser amplamente tratado para ser recuperado totalmente antes dos dados serem processados, e eles podiam ser dados técnicos da sonda e do rover, como dados científicos dos sensores ou imagens das câmeras.
Só depois disso que os dados foram disponibilizados na internet, e todo um complexo sistema de sinais codificados fez a foto sair de um servidor na Nasa, viajar pelo mundo através de links e roteadores da internet e finalmente chegar em minha casa para ser decodificado pelo modem e pelo computador.
Este é só um vislumbre do tipo de milagre promovido pelo processamento de sinais. Hoje há toda uma parte da engenharia dedicada ao processamento de sinais. Ela está por toda a parte, mesmo onde as pessoas nâo vêem, e, claro, isso faz parte dos automóveis. Não é possível criar automóveis modernos sem a engenharia de processamento de sinais. Sistemas mais avançados de segurança, como ABS e bolsa inflável, novos sistemas de comunicação como internet 3G4G para integração do automóvel com a internet, motores mais econômicos, menos poluentes e mesmo assim ainda mais potentes, dependem da evolução da ciência dos sinais.
Dois grandes processadores de sinal
Quando eu disse que o sinal da Pathfinder chegou muito fraco até nós, a ponto de ser apenas 1 parte em 6000 constituída de ruído de fundo, e ainda assim o sinal foi recuperado com êxito, límpido como se tivesse sido emitido da sala ao lado, não mencionei como isso é feito.
O sinal altamente ruidoso precisa passar por um sistema de filtragem para recuperar o sinal original. Isto pode ser feito por meio de filtros analógicos, projetados para esta função, ou pode ser tratado por um computador. O computador é um processador de sinais por excelência, graças à sua capacidade de processar enormes quantidades de dados numéricos através de cadeias de comandos estruturados, os chamados programas. Troque o programa e o computador estará fazendo um tipo completamente novo de filtragem e tratamento de dados.
No caso do sinal da Pathfinder, os computadores integravam o conjunto de antenas do Deep Space Network para funcionarem como uma única antena gigantesca do tamanho do planeta Terra, e ao mesmo tempo ser capaz de focar o sinal enviado pela sonda no meio de tanto ruído.
Podemos não perceber, mas fazemos algo muito parecido de forma natural. Quando conversamos com alguém em ambiente aberto, há muito ruído em torno de nós, mas nosso cérebro consegue focar na fala de nosso acompanhante de forma que conseguimos uma percepção perfeita do que ele diz, “apagando” o ruído em volta. É uma capacidade natural significativa do nosso cérebro.
Nosso cérebro é uma poderosa máquina de processamento de sinais. Quando você se concentra para ouvir uma pessoa com quem conversa ou presta atenção num num avião passando no céu, ele está realizando um intenso processamento de sinais antes que os dados filtrados cheguem à parte racional. Assim sendo, cérebro e computador são dois poderosos representantes de sistemas para processamento de sinais. Um vindo do mundo natural enquanto o outro, do mundo tecnológico.
Um dos ramos da ciência busca agora respostas para o significado dos sinais das sinapses, de forma a poder futuramente integrar o cérebro do operador ao computador hospedeiro. E vários progressos vem sendo feitos nesse sentido, derrubando muitas das fronteiras entre ambos.
Uma antiga piada
Existe uma antiga piada que conta que um cardiologista cirurgião se aposentou e decidiu fazer um um curso de mecânica de automóveis. Ele era entusiasta e gostava de se manter ativo. Quando ele estava para terminar o curso, precisou fazer duas provas para tirar o certificado de conclusão. Uma prova era teórica e outra prática, cada uma valendo 10 pontos, num máximo de 20 pontos. Ele fez as provas com tranqüilidade e tinha certeza de sua aprovação. No dia de as notas saíram, a surpresa: para ele a nota havia sido de 30 pontos!
O velho médico, certo que havia algum engano, foi conversar com o professor, e este explicou:
— Não há erro algum. Sua nota é essa mesma. Você teve nota máxima na prova teórica, portanto, 10 pontos. Você montou o motor completo sem o menor erro de montagem, mais 10 pontos. Mas ter montado o motor completo e sem erros através do cano de escapamento é um feito que merece um 10 adicional!
Por incrível que pareça, esta piada mostra um aspecto importante da moderna ciência do processamento de sinais.
Pense no que é o controle que temos da nossa TV através do controle remoto. Há apenas um link de infravermelho entre o controle remoto e a TV, e ainda assim o controle executa funções bastante complexas. O controle remoto envia pelo link de u=infravermelho um sinal pulsado que é interpretado pela TV e esta obedece o comando.
Pense na internet, onde uma conexão por par telefônico ou fibra ótica temos acesso ao mundo. Por todos os lados, vemos que o milagre dos sinais imita a piada do escapamento, criando um duto estreito, por onde funções bastante complexas podem ser enviadas e posteriormente recuperadas e realizadas. Este é um dos poderes ocultos da tecnologia dos sinais que está revolucionando o mundo moderno.
Informação e ruído
Todas as vezes que alguém se refere a um sinal, de certa forma esta pessoa estará falando em informação, e o que não for informação é ruído. Apesar desta definição parecer simples, ela não é.
Pense que você está ouvindo música numa rádio comercial, quando de repente ao fundo surge o áudio de uma rádio pirata comunitária dando notícias da comunidade. O áudio da rádio pirata contém informação, mas se você quer ouvir sua música sem interferência, então para você a rádio pirata representa um ruído. Porém, a partir do instante que a rádio pirata começa a transmitir uma notícia que chama sua atenção e você deseja ouvi-la, a transmissão da rádio pirata passa a ser o sinal e a música da rádio comercial passa a ser o ruído.
Esta definição é bastante importante e obriga os especialistas a se manterem alertas sobre o que é ou não ruído. Muito do que hoje é tratado como ruído pode trazer informações importantes sobre o processo e é sumariamente rejeitado.
Vejamos o exemplo do sensor MAP (manifold pressure) utilizado em muitos motores. Este sensor mede a pressão absoluta no coletor de admissão. O gráfico do sinal elétrico do sensor pode ser visto na figura a seguir.
É fácil perceber que no meio do sinal altamente oscilante há um valor médio para esta pressão. Para muitas ECU de injeção a estratégia de leitura do sensor MAP é bastante simples: filtra-se toda oscilação e usa-se apenas a média instantânea desse sinal para cálculo da quantidade de ar admitida no motor. Assim toda oscilação é descartada como puro ruído.
Mas qual a natureza desse ruído? Ele é constituído das pulsações de pressão no ponto de instalação do sensor. Essa pulsação ocorre quando a válvula de admissão se abre e o ar é sugado para dentro do cilindro, causando uma baixa na pressão, depois, com o fechamento da válvula, o fluxo de ar recompõe a pressão do coletor. Ao mesmo tempo, o fluxo animado de velocidade é instantaneamente freado pela válvula bruscamente fechada, causando uma pulsação que ressona no coletor de admissão assim como num tubo de órgão de igreja.
Motores são projetados com cruzamento de válvulas, ou seja, a válvula de admissão é aberta antes da válvulas de escapamento se fechar. Se, durante a fase de cruzamento de válvulas a pressão do cilindro for superior à do coletor de admissão, surge um refluxo de gases queimados para dentro do coletor de admissão, e isso pode atrapalhar a injeção de combustível que possa estar ocorrendo naquele exato instante. E evidentemente esse processo de refluxo também afeta a pressão de coletor. Vemos então que há bastante informação nessa oscilação.
Sabemos que os pulsos positivos de pressão ajudam significativamente na entrada de ar fresco para dentro do cilindro, e que os pulsos negativos prejudicam essa entrada de ar. É evidente que se calcularmos a quantidade de ar admitida apenas pela média da pressão do coletor, hora iremos injetar a mais e hora a menos, e hora na medida precisa.
Sendo assim, uma ECU que trate a oscilação do sinal do MAP obterá muito mais informação sobre o funcionamento instantâneo do motor do que a ECU que apenas avalia a média. Essa ECU mais poderosa pode tirar proveito dessa informação adicional, permitindo que se obtenha um motor mais potente, mais econômico e menos poluente do que o com a ECU mais simples, que rejeita a oscilação do sinal como ruído.
Este tipo de fato é que vem permitindo que muitas outras tecnologias avancem. Não é questão de estarmos fazendo descobertas novas. Apenas estamos interpretando melhor o que ocorre e agimos de forma mais adequada e com maior precisão. Esse tipo de evolução vem ocorrendo por todos os lados.
Muitos dos avanços em tecnologias como sistemas ABS mais eficientes e sistemas de bolsas infláveis mais capazes de discernir entre um simples ruído mecânico no sensor de uma colisão real para um disparo mais preciso das bolsas, partem de uma análise mais completa dos sinais vindo dos sensores.
Tempo e freqüência
Sem querer complicar o assunto para o leitor, é importante saber que o processamento de sinais se divide em dois domínios: o do tempo e o das freqüências. O sinal lido no tempo como o que vimos do coletor de admissão pode ser decomposto na soma de vários sinais senoidais elementares com diferentes freqüências e amplitudes.O mero processamento do sinal no domínio do tempo sem o processamento no domínio das freqüências pode estar jogando fora metade da informação útil contida no sinal. O gráfico a seguir nos dá uma idéia de como isso funciona.
Não é preciso que o não especialista se aprofunde no tema ao nível de domínios temporal e de frequência. Basta saber que eles existem.
Os pioneiros
Podemos dizer que a moderna ciência do processamento de sinais começou com a evolução do rádio. Já haviam muitos modelos matemáticos, mas ficaram na teoria e a implementação deles na prática era complexa.
Guglielmo Marconi ainda é reverenciado em muitos locais como o pai do rádio moderno, embora ele tenha travado intensa batalha com Nikola Tesla por essa primazia. Marconi conseguiu a patente americana que deu início à Era do Rádio, mas recentemente o serviço de patentes americano a desconsiderou, pois Marconi se aproveitou de 17 patentes de Tesla sem licenciamento e sem menção ao autor original para criar seu rádio.
Edward Howard Armstrong patenteou seu rádio super-heteródino em 1918. Este modelo de rádio resolvia os principais problemas dos rádios da época. Com um sistema de ganho automático ele eliminava o problema do volume do som da estação variar com a distância ou da potência do sinal, e o uso de um sistema de freqüência intermediária conseguia uma recuperação mais fiel do som original transmitido. Isso tornou o rádio num dispositivo prático e fácil de ser usado, até por pessoas sem treinamento.
Outra invenção importante foi a da televisão, feita por várias equipes nos Estados Unidos, Europa e Japão na década de 1920. Juntando várias experiências com tubos de descarga de elétrons que haviam revolucionado a ciência do eletromagnetismo no século 19 com o rádio super-heteródino, de forma que uma válvula transformava uma imagem bidimensional projetada numa superfície foto-sensível em um sinal unidimensional por meio de uma técnica de varredura, transmitido por rádio e depois um receptor recria a imagem em processo inverso, realizando a varredura sobre uma tela fosforescente. O princípio da varredura futuramente daria a base para a criação dos sistemas de digitalização de imagens, incluindo as novas técnicas de impressão 3D.
Estes eram sistemas dos primórdios da Era do Rádio, quando muitas outras tecnologias ainda eram jovens, como automóveis e aviões, e assim como eles, usava ainda muitas técnicas elementares e sem refinamento.
Um salto das técnicas de tratamento de sinais estava por vir, porém ela surgiria de uma fonte altamente improvável.
A bela que era fera
Hedwig Eva Maria Kiesler era uma atriz austríaca, que em 1933 estrelou o filme checo “Ekstasy”, um marco no cinema por ter sido um dos primeiros a retratar um nu feminino total e o primeiro a mostrar um orgasmo feminino, uma revolução em tempos moralistas e machistas. O sucesso do filme alavancou a carreira da atriz.
Ela era considerada uma das mulheres mais belas de toda Europa, e logo casou-se com o poderoso empresário Friedrich Mandl em agosto do mesmo ano. Em suas memórias, Eva descreve Mandl como um marido altamente ciumento e controlador, que a mantinha trancada dentro de casa para ficar longe dos olhos dos outros homens e a impediu de seguir sua carreira de atriz. Enciumado, Mandl gastou uma pequena fortuna comprando cópias do filme para destruí-los.
Eva não era apenas uma bela mulher e boa atriz. Ela tinha muitos outros talentos. De pais judeus, sua mãe estava convertida para o catolicismo, influenciando desde cedo na opção religiosa de Eva, algo que a faria passar despercebida aos olhares dos nazistas anos depois. A mãe era pianista e lhe ensinou música e piano. Do pai banqueiro e entusiasta, ela pegou o gosto pela tecnologia. Quando os dois viajavam juntos, o pai ia mostrando as novidades dos mundo moderno (locomotivas, eletricidade, telégrafo, rádio etc.) e a ia ensinando como essas maravilhas funcionavam. Ela se formaria em engenharia eletrônica antes de assumir a carreira de atriz.
Já Mandl era herdeiro de uma poderosa indústria de armamentos e dono de uma das maiores fortunas da Áustria. Ele tinha fortes tendências fascistas, e naturalmente se aliou aos nazistas quando estes subiram ao poder na Alemanha. Desse conjunto de coincidências ocorre o primeiro fato improvável.
Mandl usava a beleza de sua esposa para atrair a atenção de empresários, cientistas, políticos e militares da Alemanha e da Itália em jantares suntuosos que ele promovia, e que vez ou outra incluía a presença de Hitler e Mussolini, quando então aproveitava para fazer negócios. É evidente que assuntos de alto sigilo militar eram abertamente discutidos.
Um dos temas favoritos de Mandl nesses jantares era a tecnologia de mísseis e torpedos radiocontrolados. Armas sem fio ofereciam maiores distâncias de controle do que as alternativas controladas por fios que prevaleciam na época. Eva sentava-se nestes jantares com certo “olhar burro”, absorvendo tudo o que podia ouvir, sem que ninguém suspeitasse de sua capacidade de compreensão de assuntos tão técnicos.
Como judia, ela odiava os nazistas e detestava as ambições de negócios de seu marido. Em um destes jantares, Eva acompanha a conversa de Mandl com um oficial alemão sobre como era fácil interferir na freqüência usada pelos americanos para controlar um novo tipo de torpedo guiado por rádio.
Um dia, não suportando mais o ambiente que a cercava, Eva decide fugir. Ela convence Mandl para que ela apareça em um destes jantares com toda coleção de valiosíssimas jóias. Ela droga Mandl para que ele durma profundamente, e com a ajuda de uma empregada e de posse das jóias, escapa para os Estados Unidos.
Rica, linda, judia perseguida, e atriz talentosa com um filme de sucesso no currículo, ela consegue facilmente trabalho em Hollywood, onde assume o nome artístico de Hedy Lamarr, pelo qual é mais conhecida. Em pouco tempo ela se tornaria um das estrelas maiores dessa indústria nesta época.
Porém, com o recrudescimento da guerra, e os alemães usando submarinos para afundar navios de passageiros inocentes, Hedy Lamarr sente que precisa fazer algo além do trabalho de atriz para contribuir com o esforço de guerra. Então, em 1941 ocorre o segundo fato improvável.
Após um jantar informal, Hedy conversa casualmente com seu amigo, vizinho e compositor George Antheil e eles decidem fazer uma pequena brincadeira. Eles imaginam como desenvolver um piano controlado à distância. Vão para uma sala onde há dois pianos, e Anthiel escolhe uma de suas composições como base e deixa Hedy com a finalidade de “automata” para segui-lo. No meio da brincadeira os dois perceberam um fato importante. Não havia uma forma de Hedy saber previamente entre as 88 teclas do piano qual seria a nota seguinte apenas ouvindo a melodia tocada por seu amigo. Para que ela o acompanhasse com precisão era necessário que ela também tivesse uma cópia da partitura ou soubesse a música de cor. Esta era a resposta que Hedy procurava.
Hedy e Anthiel se juntaram e do conhecimento técnico da primeira e do conhecimento prático de sonorizar espetáculos ao vivo do segundo surgiu um sistema que utilizava duas fitas de papel perfurado e dois mecanismos de relógio que comutavam entre 88 freqüências aleatoriamente, porém em absoluto sincronismo, uma adaptação dos pianos automáticos usados em espetáculos. Transmissor e receptor estariam sempre em contato, porém qualquer um que tentasse interceptar ou interferir com a transmissão não saberia em qual freqüência deveria atuar após uma comutação do sistema. Isso permitiria não só criar um sistema de guia de torpedos à prova de interferência, como criar um sistema de rádio onde a interceptação de mensagens completas seria absolutamente impossível.
Ambos levaram os diagramas do sistema para a Marinha americana, mas ninguém levou a sério uma proposta técnica tão mais avançada que a de cientistas e engenheiros envolvidos no esforço de guerra, feita por uma atriz de cinema e um compositor do show business. Ainda assim, Hedy e Anthiel criaram a patente Nº US 2292387 A “Secret communication system”, onde o sistema de chaveamento de frequências (“frequency hopping”) ficou estabelecido.
Mas tal sistema não foi usado durante a guerra, caindo no esquecimento.
O sistema foi resgatado apenas no começo da década de 1960, durante a crise dos mísseis cubanos. Os americanos estavam desenvolvendo seus sistemas de mísseis balísticos e o link de comando do foguete não poderia sofrer facilmente de interferência. Além disso, um trabalho de pesquisa mostrou que um sistema de chaveamento de freqüências múltiplas é capaz de gerar um sinal muito mais forte e imune a ruídos do que um sistema de frequência única.
Mas a patente de Hedy e Anthiel já havia expirado e nenhum deles jamais recebeu um centavo pelo seu esforço. A patente de Hedy e Anthiel abriu as portas para uma tecnologia ainda mais ampla, chamada “spread spectrum technology”. Hoje essa tecnologia é fundamental para várias coisas à nossa volta, e nem a notamos. Ela está no alicerce de tecnologias como a dos telefones celulares, do WiFi e do Bluetooth que usamos todos os dias.
Em 1997 , Hedy Lamarr e George Anthiel foram homenageados com o prêmio Electronic Frontier Foundation (EFF) Pioneer Award. E, mais tarde , no mesmo ano, Lamarr se tornou a primeira representante do sexo feminino a ganhar o BULBIE Gnass Spirit of Achievement Award , um prêmio de prestígio para inventores que é apelidado de “o Oscar dos inventores”.
O sistema pioneiro de Hedy de George Anthiel usavam duas guias de papel com perfurações, o que tornava as trocas de freqüência fixas a cada ciclo da fita de papel, e com o tempo essas trocas podiam ser rastreadas e mapeadas caso não fossem constantemente trocadas, tornando-as vulneráveis. As novas tecnologias tipo “spread spectrum technology” possuem pelo menos dois canais paralelos de comunicação entre as partes, um para o tráfego principal (o áudio do sistema de celular, por exemplo) e um outro de serviços, que, entre outras funções (no caso do celular é também usado para enviar e receber SMS, short message service) é usado para combinar a nova freqüência de chaveamento e outra alternativa, para o caso dessa nova freqüência estar congestionada ou cheia de ruído. Com o uso do canal de serviços a troca de freqüuências pode ser realmente aleatória.
O próximo grande passo
O trabalho de Hedy Lamarr e e George Anthiel foi o primeiro sistema rumo ao tratamento complexo de sinais. Havia também nesta época a evolução da TV, que transformava imagens bidimensionais e um sinal unidimensional, por meio de uma técnica de varredura. Quanto mais a eletrônica evoluía, mais complexos se tornavam esses sistemas e os tornando melhores.
O passo seguinte foi dado em 1957 por Russel Kirsch, ao tirar uma foto de 176 x 176 pixels de seu filho de 3 meses de idade. O passo de Kirsch não foi importante apenas para a fotografia digital. Sua invenção mostrou que muitas outras coisas do mundo real poderiam ser transformadas em sinais, e estes sinais poderiam ser tratados pela capacidade matemática dos computadores.
Hoje não apenas fotografias, mas músicas, filmes e mais recentemente objetos tridimensionais podem ser processados por computador. O feito de Kirch vem aos poucos diluindo a barreira entre o mundo real e o cibernético. Na próxima parte iremos aprender alguns fatos curiosos sobre sinais. Eles não são o que parecem ser.
AAD