Pois é, caro leitor, eles conseguiram. Colocaram diante de nós um grande problema. Conduziram-nos com capricho a uma encalacrada das boas e mesmo se vierem a tomar medidas inteligentes e eficazes — o que não é lá muito provável — não ficaremos livres de duras penas pelos próximos anos no setor de combustíveis. Pelos gráficos, oriundos do Ministério de Minas e Energia, se constata que até 2023 não teremos nem mais uma gota de aumento de capacidade de refino de gasolina. Não me pergunte para que serviram os monumentais investimentos em refinarias, esses aí que fazem parte da roubalheira desenfreada dos cleptomaníacos que dirigiram com imbecilidade contumaz a nossa política energética. A construção dessas refinarias parece que só serviu para refinar a vida dessa cafajestada e para nós sobrou o fato de que pelo menos nos próximos oito anos não teremos maior capacidade de refino de gasolina do que temos hoje.
Se aumentarmos a extração de petróleo, como parece que haveremos de aumentar, teremos que exportá-lo bruto e importar gasolina, muita gasolina, já que mais cedo ou mais tarde o país deve voltar a crescer, e com ele crescerá o consumo de combustíveis. Já importamos boa parte da gasolina que consumimos, ao redor de 13% dela é importada, e todo crescimento do seu consumo será suprido por importações. Retrocedemos na História, voltamos a ser um país atrasado, produtor somente de matéria-prima. Isso não é novidade, já que no setor agrícola ocorre o mesmo, pois todo recente aumento da produção de grãos tem sido exportado in natura. A nossa agroindústria não cresceu na mesma toada, para, além de gerar emprego, lhes agregar valor e daí exportar o produto final, como laticínios, carnes, óleos, tecidos etc. A previsão da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) é de que daqui a dez anos estaremos importando tanta gasolina quanto produziremos: 29 milhões de m³ (29 bilhões de litros) ao ano, que para melhor visualização, e arredondando, seria um milhão de caminhões-tanque com capacidade de 30.000 litros de gasolina, ou seja, 2.739 caminhões-tanque por dia, o que dá uma fila de mais de 50 quilômetros de caminhões-tanque, um colado à traseira do outro, todo santo dia — uma cena deprimente que muito deverá orgulhar os que nos levaram a ela. Se o plano deles era esse, estão de parabéns, conseguiram.
E não só isso, não há capacidade de estocagem para esse petróleo todo nos portos, pois não foi previsto tamanho volume de importação.
A situação do refino para obtenção de óleo diesel também não é nada boa, mas por acaso está menos dramática. Ainda há algo a crescer em nossa capacidade de refino do óleo. Ano passado, 2014, importamos 8 bilhões de litros. Este ano deveremos importar 3 bilhões. Em 2016, 2 bilhões, e em 2017 nada, mas daí em diante suas importações voltarão a crescer, até que em 2023, daqui a 8 anos, estaremos importando 12 bilhões de litros, ao redor de 15% do consumo previsto. Outro pesado retrocesso.
Felizmente a previsão do aumento da produção de álcool e biodiesel é marginal, pequena, o que alegra, pois indica que não pretendem continuar a meter nosso dinheiro nesse saco sem fundo dos biocombustíveis, cujo único resultado “verde” são as notas de dólares no bolso de outro clube esperto. Aliás, poucos se dão conta que o caro óleo de soja adicionado ao diesel a 7% é 80% soja e 20% gordura animal, o que é longe de ser saudável para os motores.
Resta o gás GLP (gás liquefeito de petróleo), que também poderia ser uma opção, caso aqui fosse permitido seu uso veicular, como é na Europa, por exemplo. Dos poços de petróleo, além de jorrar petróleo, jorra gás. O petróleo não vem sozinho. Vem gás com ele. Ele vem em maior ou menor proporção, mas ele vem. Acontece que em vez dos nossos governantes — incluindo aí o bom-de-conversa Fernando Henrique Cardoso — tratarem de criar estrutura para aproveitar essa crescente e imensa quantidade de gás — que é o que qualquer um de nós faria —, trataram de construir um monumental gasoduto para importar gás natural de um país vizinho e muy amigo. Vejo nisso sonhos megalomaníacos de hegemonia política sul-americana, criar dependência econômica, essas baboseiras de gente perturbada e à toa. Só que nessas, ainda por cima, sobrou mais uma para a “nossa” vilipendiada Petrobrás, porque ela é obrigada a queimar esse gás que jorra dos poços ou injetá-lo de volta para de onde veio, por não ter estrutura para aproveitá-lo. E daí ela paga milionárias multas por não aproveitá-lo. Isso mesmo; há leis que a obrigam a aproveitar certo percentual do gás que jorra. Se não aproveitar, multa nela, o que até que seria justo, caso os governantes, que de fato também comandam com mãos tortas a pobre Petrobrás, tivessem tratado de direcionar investimentos para o aproveitamento do inevitável gás que jorra e há de jorrar junto com todo petróleo extraído. É mole?
Se aproveitássemos esse gás hoje desperdiçado evitaríamos parte das importações de combustível e/ou parte da trabalheira jogada fora plantando cana-de-açúcar (ou seria cana-de-álcool?) em terras que poderiam ter destino mais nobre. Por sinal, a cana ocupa as melhores e mais bem localizadas terras do Brasil.
A triste realidade, nua e crua, é esta. Os interessados em manter o status quo são bons em distorcê-la à sua conveniência, como, por exemplo, ao afirmar que os combustíveis oriundos da cana-de-açúcar e da soja como sendo ecologicamente corretos, só porque as plantas que os originaram tiram o CO² da atmosfera ao cresceram, como se qualquer outra planta ali plantada ou naturalmente nascida não fizesse o mesmo. O óleo de soja, que é item da preciosa cesta básica dos brasileiros, recebe o nome de biodiesel e em vez de ir para a panela vai para o tanque do caminhão. Basta colocar um “bio” antes do nome que a imagem da coisa está resolvida. Álcool não é mais álcool ou etanol; é biocombustível, e está tudo verde e limpo.
E para complicar a situação ainda temos leis completamente desatualizadas a restringir o leque das possíveis soluções. Uma dessas leis, aliás uma reles Portaria de 1976 do Conselho Nacional do Petróleo (que nem existe mais), seguida de outra, de 1994, do Departamento Nacional de Combustíveis (que também foi extinto), a primeira ainda da época da ditadura, Governo Ernesto Geisel, que proíbe a utilização de óleo diesel em veículos de passeio, perdeu todo o sentido. É uma medida que tinha lógica para a situação do momento, 39 anos atrás, quando nossa produção de petróleo era ainda incipiente e tínhamos grande dependência do petróleo importado, cujo mercado mundial vivia assustadora crise resultante da elevação vertiginosa dos preços impostos pela Opep (Organização do Países Exportadores de Petróleo). Daí que importávamos petróleo bruto (80% das nossas necessidades) e dele extraíamos os percentuais possíveis de óleo diesel, gasolina e derivados. Então, para que após o refino tivéssemos óleo diesel suficiente para suprir o consumo, importávamos uma quantidade “X” de petróleo, e nessas a quantidade de gasolina resultante era superior ao necessário, daí sobrava gasolina, que acabava sendo exportada a preço de banana.
Isso sem contar a palhaçada, um sacrifício inútil impingido à população, que era os postos de combustíveis fecharem das 20hoo às 6hoo horas nos dias da semana e nos sábados, domingos e feriados — para “racionalizar” (era esse o termo, gozação extrema) o uso da gasolina, que sobrava. Era o Brasil brincando de guerra sem tê-la.
Eis o motivo da existência dessa “lei” de 1976, que visava restringir o consumo de diesel e aumentar o da gasolina, para tentar equilibrar a coisa. Tem sua lógica. Ou melhor, teve sua lógica, mas acontece que a situação agora inverteu e gasolina é o que mais falta e faltará, e o negócio é tratar de passar uma borracha nessa lei para que tenhamos maior leque de possíveis soluções, ainda mais agora que a tecnologia do diesel andou evoluindo muito e há ainda novas e interessantes, como, por exemplo, a dos motores híbridos diesel/álcool e diesel/gás, que serão objeto de matérias que em breve publicaremos.
AK