O Grupo britânico Rootes é pouco conhecido no Brasil. O último carro que tivemos proveniente deles foi o Dodge 1800, depois Polara. Na Inglaterra, ele era o Hillman Avenger, e substituiu o carro hoje retratado, o Imp.
A Rootes foi adquirida pela Chrysler em 1967, daí a linhagem. As marcas do grupo eram cinco, duas razoavelmente conhecidas no Brasil, para quem dirigia já nos anos 50. Eram os Hillmans e Singers, mas nunca foram em grande número, assim, o nosso popular e querido Dodge pequeno é o mais conhecido. A Rootes tinha também a marca Sunbeam e os veículos comerciais Commer. Humber também fazia parte do grupo.
Mas a história aqui é sobre o mais incomum carro fabricado por eles, o projeto Apex, que gerou o Imp, nome curto, e que me chama atenção desde bem pequeno, quando ganhei de meu pai a minúscula miniatura na escala 1:76 da marca Minix. O meu era exatamente igual ao da foto abaixo, amarelo com rodas cromadas, todo em plástico, exceto os eixos das rodas, que giravam e faziam um som de passarinho, atritando com o plástico. Essas coisas só descobri agora, lembrando de meu passado infantil e pesquisando. Quando se é bem pequeno, só se brinca, não importando a marca do brinquedo, e nem de onde veio. Muito menos quanto custou. A miniatura foi feita de 1965 a 1970 na Grã-Bretanha, como eram também os famosos Matchbox, muito antes de tudo ir para Malásia, Indonésia e outros lugares que nada tem a ver com o assunto história do automóvel.
O nome Imp tem alguns significados, todos relativos a algo pequeno e maldoso, pode ser diabinho ou criança criadora de caso, bagunceira, e combina perfeitamente com a proposta do carro, de ser pequeno e divertido, perfeito para deslocamentos autoentusiastas.
O carro de verdade foi lançado em 1963, quatro anos após o seu rival de mercado mais poderoso e eterno, o Mini, já ter conquistado não apenas os britânicos e ser conhecido em boa parte do mundo como o primeiro carro pequeno moderno com todo o trem de força localizado na dianteira e com o motor instalado em posição transversal. Tarefa praticamente impossível, portanto, fazer sucesso com um concorrente estabelecido e amado por um mercado já conquistado.
Mas a Hillman foi em frente, e fez algo totalmente diverso, motor e tração traseiros, mas com a particularidade do motor ser todo em liga de alumínio, algo cuja primazia foi do Imp para carros de produção normal no Reino Unido.
O motor era fundido em Linwood, na Escócia, enviado para a fábrica da Rootes em Coventry, Inglaterra, para operações de usinagem, e depois retornado à Linwood para montagem final na fábrica onde o carro era construído. O fantasma do alto custo já assombrava o carro desde o começo. Esse motor teve projeto feito pela Coventry Climax, tradicional fabricante, foi usado originalmente em bombas d’água para caminhões de bombeiros, projetado por Walter Hassan e Harry Mundy, ambos lendários engenheiros de motores, com Jaguar V-12 e BRM V-16 em seus currículos, além de versão V-8 feita a partir de dois quatro cilindros unidos, usado pela Lotus na Fórmula 1.
Como era bem leve e tinha boa potência para o peso, chamou atenção de fabricantes de carros de corrida, entre eles Colin Chapman e Cyril Kieft. Este último montou um roadster com esse motor, com cilindrada de 1.100 cm³ e correu em Le Mans 1954.
Como sempre acontece, carros fora do normal têm seus admiradores, que se extasiaram com a agilidade do carro, sua aparência divertida de um carro grande em escala menor, e seu motor sofisticado para a época e principalmente para um carro barato, localizado entre dois modelos de força no mercado. Custava 538 libras esterlinas, ante as 556 do Ford Anglia e 493 do Mini. O carro enfrentou muitos obstáculos, entre eles uma fase de problemas trabalhistas muito ruins, que prejudicavam o Rootes Group fortemente, a qualidade muito variável devido principalmente às revoltas dos trabalhadores da produção e a confiabilidade afetada mais por esse motivo puramente humano do que por problemas de projeto, que também existiam no início.
O programa foi liderado por dois engenheiros, Tim Fry e Michael Parkes, que definiram praticamente o carro todo mecanicamente, enquanto Bob Saward e Adrian West foram os estilistas que empacotaram o projeto na forma de um carro pequeno, com enormes vidros e uma carronalidade (personalidade dos carros) interessante, onde acabamentos típicos da época, com cromados e frisos de enfeite não escondiam um caráter esportivo, de carrinho “invocado”.
Conceitualmente, o motor traseiro veio da facilidade de se alocar o coração do carro onde não há complicações de tração somadas à direção. A fórmula já era antiga. Volkswagen sedã, Fiat 500e 600, Renault 4CV e outros, deixavam claro que a solução funcionava, mas tinha problemas. O principal deles sendo a massa excessiva levando às derrapagens de traseira (sobreesterço) em condições de baixa aderência ou velocidades mais altas para determinado atrito com o solo. Quanto mais pesado, pior.
Veio então a idéia do trem de força em liga leve, e o motor foi feito pela própria Rootes, tendo como líder Leo Kuzmicki, que com auxílio de um pequeno time, projetou a instalação no Imp. O motor batizado de FWMA, com as duas primeiras letras de feather weight (peso pena) e outras em seguida, de acordo com o uso. No Imp, foi usado inicialmente o MA, de marítimo, série A. Nasceu com 750 cm³ na CC, mas na produção foi majorado para maior potência a pedido de Kuzmicki, em duas cilindradas, 875 e 998 cm³, o primeiro para as versões Standard e Sport, e o maior para a versão Rally.
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Motor de quatro cilindros em linha, bastante inclinado à esquerda, mais de 45 graus, instalado longitudinalmente na posição “tudo atrás” com o transeixo antes. Duas válvulas por cilindro, acionadas por árvore de comando no cabeçote movida por corrente, solução que garante muita confiabilidade, evita o uso das varetas e balancins, que eram empregadas na maioria dos motores mais antigos com comando da válvulas no blocor. Modernamente, pela ausência de uma correia externa que pode ser afetada por sujeira, água ou outros fatores externos que sempre podem ocorrer, principalmente quando as proteções começam a envelhecer. Correntes metálicas são a solução para motores refinados, sendo suplantadas apenas pelos trens de engrenagens, ainda mais precisos e confiáveis.
Tentou-se fazer os cilindros sem camisas de ferro fundido, e o tratamento térmico empregado mostrou que o desgaste era similar ao dos blocos e cilindros em ferro. Mas as tolerâncias a serem utilizadas na fabricação prevista, de 3.000 motores por semana, não eram possíveis de serem atingidas em grande produção. Dessa forma, as camisas de ferro tiveram que ser incorporadas ao bloco, aumentando o custo previsto.
Tinha três mancais de apoio de virabrequim, bomba d’água combinada com ventilador na mesma polia, fazendo com que a carcaça da bomba ficasse imersa no fluxo de ar ventilado.
Arrefecido por água mais aditivo, teve no ventilador de plástico polipropileno uma de suas primeiras aplicações. O motor menor tinha camisas secas de ferro, o maior e mais potente, camisas refrigeradas, “molhadas”.
A potência variou bastante ao longo do tempo e das versões, resultado de diferentes tamanhos de válvulas e carburadores simples ou de duplo corpo. O menos potente tinha 43 cv a 5.000 rpm e 7,5 m·kgf de torque máximo a 2.800 rpm. O mais alegre, 66 cv a 6.200 rpm e torque de 8,5 m·kgf a 3.200 rpm. Rotações altas para a época. A câmara de combustão tinha formato de cunha (wedge).
Os problemas desse motor eram o acelerador de atuação pneumática — ar comprimido — cujo motivo de ser adotado foi facilitar o acionamento da borboleta, desde o pedal até o carburador, que seria muito mais complicado com um cabo do que com uma simples mangueira de ar. Também havia afogador automático pelo mesmo motivo, não necessitar cabos de aço, e o arrefecimento, que era apenas satisfatório, sofrendo em épocas de clima muito quente.
O peso do motor completo, com acessórios, alternador etc., era de apenas 77 kg. Um motor Volkswagen a ar pesa por volta de 112 kg nas mesmas condições. Com taxas de compressão de 10:1 nas versões normais, e 10,5:1 na Rally, chegava a fazer 145 km/h e 136 km/h no menos potente.
As acelerações também não eram esfuziantes para hoje, mas bem aceitáveis para mais de meio século atrás, com o zero-a-100 km/h em 20 segundos no de 43 cv, mas já respeitáveis 14 segundos no Rally, algo interessante e em muito devido ao baixo peso total, 700 kg em ordem de marcha no modelo básico, e 750 kg no mais completo e luxuoso, o Singer Chamois Sport.
O peso baixo permitia consumo de gasolina entre 20 e 23 km/l em uso normal, podendo ser ainda menor com condução mais tranqüila. O tanque de gasolina era de 27,2 litros para todos os modelos, exceto os Rally, que trazia tanque maior, para 47,7 litros, de acordo com sua maior potência e consumo.
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A transmissão era por um transeixo com quatro marchas sincronizadas, também com carcaça de liga de alumínio, muito avançado nesse tempo e, saliente-se, Alec Issigonis, o criador do Mini, havia declarado que um câmbio pequeno com todas as marchas à frente sincronizadas era algo impossível de ser feito. Desde o lançamento e até hoje, é um dos pontos altos do carro, sendo de acionamento leve e preciso. O peso do transeixo completo é de 29 kg.
Na área de chassis, suspensão dianteira independente, com braços triangulares de grandes dimensões, articulando-se na linha de centro longitudinal do carro, molas helicoidais e amortecedores telescópicos concêntricos, com os amortecedores por dentro das molas. A cinemática desses braços é similar à da Twin-I-Beam da Ford, que altera a cambagem de acordo com a compressão e distensão da suspensão, algo nem sempre bom, pois a área de contato dos pneus varia muito em pisos ondulados. Na traseira, também independente, braços semi-arrastados de grandes dimensões, também com forma de triângulo, fixadas à carroceria em travessas que se unem a uma central onde se apóia a parte frontal do câmbio, molas helicoidais e amortecedores telescópicos separados, de montagem independente.
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As dimensões eram diminutas, entreeixos de 2.083 mm, 3.588 mm de comprimento, 1.530 mm de largura e 1.384 mm de altura.
O desenho geral foi trabalho liderado por Bob Saward, e foram feitas quatro carrocerias distintas, o saloon (ou sedã), um cupê de vidro traseiro bem inclinado e bastante atraente, além da perua Husky e de uma versão sem vidros laterais traseiros, o furgão vendido com a marca de veículos comerciais Commer. Havia também versões com a marca Singer, quando foi batizado de Chamois, além do Sunbeam Stilleto, cuja principal diferença são os quatro faróis. Muitos nomes e marcas para o mesmo carro, levando a complexidades de manufatura que em nada ajudavam a manter a qualidade.
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No sedã, o vidro traseiro abria para cima para facilitar a colocação de bagagem atrás do banco traseiro, cujo encosto pivotava para frente para permitir levar cargas de volume grande. Havia também um razoável porta-malas dianteiro.
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Houve uma tentativa de se produzir um cupê esportivo de dois lugares, projeto Apex B2 ou Asp, de desenho feito por Saward, que deixou a empresa em meio a esse trabalho, e foi finalizado por Ron Wisdom. Inicialmente desenhado como conversível, teve três protótipos construídos, onde foram colocados tetos rígidos.
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Para o estudio Zagato, a Rootes pediu uma versão de estilo diferenciado, e surgiu o Zimp, cujo número de exemplares existentes é muito pequeno, apenas três. Pouco conhecido, mas de um resultado ótimo, com superfícies muito harmoniosas, uma linha de caráter que dá a volta em todo o carro, vidros de menor altura, proporcionando equilíbrio de volumes visuais. A carroceria foi feita em alumínio, o que fez o Imp mais leve de todos, com apenas 630 kg. Com os faróis debaixo dos cantos dianteiros curvados para baixo, tem a cara de mau que o Imp original não possui. Sem as lâminas de pára-choque deve ser absolutamente magnífico.
Os praticantes de corridas viam vantagens notáveis do Imp, e um dos maiores usuários foi Ray Calcutt, que mantém o site imps4ever, muito informativo.
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Foi fabricado em Linwood, Escócia, por uma imposição do governo britânico para fomentar empregos em áreas menos desenvolvidas. Mas greves na fábrica de peças estampadas do grupo e vendas declinantes levaram a prejuízos constantes desde 1961, para voltar a dar lucro apenas em 1966, quando a negociação com a Chrysler já estava em andamento, assumindo o controle da empresa no ano seguinte.
Os problemas com que o carro nasceu foram solucionados a contento, com o afogador automático substituído por cabo de aço normal, bem como o acelerador, o ventilador de plástico sendo modificado com maior números de pás e com perfil que gerava maior fluxo de ar, os vazamentos de água do motor curados com modificações na bomba d’água principalmente.
Mesmo com os outros modelos da Hillman, não houve como esta permanecer saudável, não passando de 1976, quando parte da fábrica já era ocupada pela produção do Avenger, o nosso Dodginho.
A fábrica foi fechada e demolida quase por completo em 1981, restando algumas alas ainda hoje. Foram fabricados cerca de 440.000 unidades em todas as variantes.
Hoje há algumas empresas que são especializadas em manter e modificar os Imps, e um deles aparece na foto abaixo, uma bela e nada exagerada atualização, com rodas e pneus mais de acordo com o caráter alegre e esportivo do pequeno carro.
As corridas de modelos históricos, em pista e também nos ralis vêem frequentemente os Imps com várias alterações, graças ao mercado de peças para o modelo, mantido por várias empresas do Reino Unido. Assim, não há como deixar saudades, já que existe em número razoável e pode ser usado com vontade, dadas as possibilidades de manutenção serem bastante boas.
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JJ