Sou o Júlio César Quartarolo, leitor do AE desde 2008 e venho compartilhar com vocês como foi a compra do carro que por anos sonhava em ter. Um carro que completou minha personalidade e fez o meu autoentusiasmo transbordar abruptamente, até criar a marca de camisetas Automottivo (www.automottivo.com.br), que produz a camiseta oficial do site AUTOentusiastas.
Eu estava planejando a compra do meu próximo carro metodicamente. Montei planilhas com orçamentos de peças, cotação de seguros, fichas técnicas, comparativos de diversos seminovos. Passei meses navegando, atualizando e inserindo novas opções. E joguei tudo fora no momento que resolvi estabelecer a relação custo-sorriso. A quantidade de sorrisos gerados justifica o gasto de milhares de reais, não?! Então às favas com o seguro, financiamento e com o medo de comprar um carro fora do comum: fui atrás do autoentusiasmo.
Claro que morar no Brasil e ser um autoentusiasta é um castigo. Não posso dizer que faltam modelos bons a escolher, o que falta é dinheiro para os ter e manter! Felizmente, o carro com o qual eu sonhava não era nenhum veículo superesportivo, raro ou impopular, mas era um sonho possível.
Era seis da manhã e lá estava eu no aeroporto de Congonhas com uma passagem só de ida para Vitória (ES). Estava embarcando numa viagem de 1.000 km para comprar um carro que nunca vi ou andei, mas que sempre sonhei em ter.
Durante todo o processo de compra, eu tremia e não acreditava no que estava fazendo. Eu nunca entendi muito de mecânica, não tinha o menor conhecimento sobre como manter o carro, e meus familiares e amigos não ligavam muito para carros. Era tudo somente eu. Fixei a mente no pensamento que ‘coragem sem medo é loucura’ e segui adiante, relevando os calafrios.
Ao pousar em Vitória, o futuro ex-dono vem ao meu encontro e aponta o carro estacionado do outro lado da rua. Após meses de busca, centenas de fotos por e-mail e tópicos em fóruns, lá estava o meu sonho possível: Honda Civic VTi hatchback, modelo 1995. Sonhava em ter um desses desde os meus 15 anos. Mais de 10 anos depois, estava pegando a chaves do meu.
Os japoneses têm a mania de chamar os veículos pelo códigos de fábrica. O Civic VTi não é exceção: ele é conhecido como EG6. Significa que se trata da carroceria Hatchback, produzida de 1992 a 1995 (EG), equipada com o famoso motor B16: um 1,6 de duplo comando variável (DOHC VTEC), que produz 160 cv de potência a 7.600 rpm e torque de 15,3 m·kgf a 7.000 rpm desde sua criação em 1989. Por anos, o motor B da Honda deteve o título de aspirado com maior potência por litro do mundo. Foi desbancado apenas pelo Ferrari F355, em 1995. O curioso é ter exatamente os mesmos diâmetro dos cilindros e curso dos pistões do motor VW EA-827 AP-600: 81 x 77,4 mm para 1.595 cm³ de cilindrada.
Ao contrário dos demais comandos variáveis atuais e da época, o VTEC não é nada sutil na variação. A mudança é abrupta. O famoso kick do VTEC ocorre à5.500 rpm e o som é inconfundível. Explicando rapidamente o funcionamento: além dos ressaltos menores que comandam as duas válvulas, há um ressalto maior no comando que gira livre, sem função. Mas ao atingir 5.500 rpm, os ressaltos menores são travados ao maior e, assim, as válvulas ganham maior tempo de abertura e, principalmente, levantamento. Veja no vídeo abaixo. A ideia toda era proporcionar um carro econômico em baixas rotações e um esportivo em alta. Duas personalidades num mesmo motor!
Este motor tecnológico, aliado às relações curtas do câmbio de 5 marchas, baixo peso (apenas 1.020 kg), pequenas dimensões e suspensão independente, dianteira McPherson e traseira por triângulos superpostos fazem do Civic VTi um verdadeiro pocket rocket! Zero a 100 km/h em 7,9 segundos e velocidade máxima de 212 km/h.
E ele é exatamente o que se espera que seja: espartano e barulhento (e não estou falando do motor). É um carro simples, feito para a tocada. A dirigibilidade é o conforto, a ausência de mimos dá o ritmo e o barulho soma à experiência. É como um kart, mesmo. Andar com um Civic na rua do bairro é bem ruim, colocá-lo na pista é o paraíso.
O Civic que comprei estava lindo, um absurdo de inteiro. Totalmente original por fora, apenas a altura denunciava suas modificações. É verdade o que dizem: você nunca comprará um VTi que esteja original. Muitos consideram isto como algo ruim, eu já entendo que não há mal algum nisso: a modificação faz parte da cultura do carro, e é ótimo ter um leque de empresas boas de peças para modificações. O ideal é procurar o carro que esteja mais próximo do que você deseja realizar. Eu foquei em comprar um que tivesse o motor mais original possível.
De fato, a baixa estatura do Civic era o gosto do dono, e totalmente reversível: a suspensão, composta por amortecedores Koni e molas Eibach, era regulável em altura e firmeza. O freio também recebeu pastilhas melhores e discos frisados. E algum antigo dono adicionou ao conjunto um diferencial autobloqueante (ao pesquisar o preço, agradeci muito pelo upgrade). Já o motor continha apenas uma modificação: filtro de ar esportivo. Todo o bloco estava original, nunca aberto, somando 174 mil km no hodômetro. Perfeito para mim! Modificações de qualidade absurda e o resto todo original, sem nenhuma peça paralela.
Fiz todos os trâmites da compra e, lá pelo fim da tarde, estava pronto para encarar os 1.000 km de estrada rumo a São Paulo. Vim pela BR-101, que é do tipo simples, de mão dupla, até o Rio de Janeiro. Nela, encontrei diversos caminhões ultrapassando caminhões, com outros caminhões vindo e desviando pelo acostamento. Um inferno!
Ao cair da noite, conheci outro problema: os faróis desses Civics do anos 1990 não iluminam nada! Tratei de grudar no primeiro carro que encontrei pela frente e segui usando ele como farol até chegar ao hotel que reservei na cidade de Campos do Goytacazes, ao norte do estado do Rio.
Além de traçar toda a rota, anotei telefones de mais de 30 guinchos pelo caminho – felizmente, não precisei de nenhum. A viagem ocorreu sem problemas no dia seguinte. Vim sem pressa, peguei um trânsito de 2 horas no Rio, fiz diversas paradas e, ao anoitecer, cheguei com o carro em casa, em São Paulo.
Ir até o Espírito Santo para buscar e traze-lo para casa, curtindo a estrada, foi a melhor coisa que fiz na vida. Nos meses seguintes, curti tanto o carro e vivi tanta coisa em tão pouco tempo que nem acredito. Coleciono dezenas de encontros, eventos, fotos, vídeos, track days e grandes amigos! Amigos de passeios, comboios, e encontros em postos pela cidade, do tipo que se ajudam sempre em tudo que podem.
E também guardo muita interação com outros entusiastas. Motoristas que elogiam o carro no semáforos, alguns que o perseguem para bater papo, os curiosos que não o conhecem, as ofertas de compra que ouço semanalmente. Até os absurdos, como ter Bob Sharp, que eu tenho grande admiração, circundando e comentando sobre meu carro. E um senhor no Rally de Regularidade que, apressando para ir embora, elogiou o VTi de dentro de seu carro e me disse para procurá-lo online, que ele me passaria algumas dicas de preparação, pois correu de Civic nos anos 80/90. Sendo gentil, comecei a anotar o telefone e nome em meu celular: Luís Evandro Águia! Pombas, era o Águia!!
A verdade é que o culto ao carro é uma grande irmandade, que conversa fácil e se comunica através de buzinadas simpáticas no trânsito. No começo, minha namorada até questionava se eu conhecia todos que me paravam por aí, davam joinha e vinham bater papo. Ela não imaginava que um carrinho velhinho desconhecido desses poderia ser tão adorado e atrair tanta positividade.
E pensar que eu também poderia desconhecer tudo isso. Que poderia estar com meu seminovo de porte médio na garagem, igual a outros milhares, calculando em planilhas o quanto falta pagar do financiamento e seguro… bruurr, sentiu o calafrio!?
JCQ