A saga de 30 dias do Nissan Versa 1,6 aqui no AE terminou com a costumeira visita à Suspentécnica, a oficina de Alberto Trivellato que nos auxilia na análise técnica do modelo. Porém, antes de lhes repassar os comentários extraídos enfiando o nariz nas entranhas do sedã, vale contar como foi esta semana e também o que ouvi por aí, seja de donos deste carro, seja de meros interessados em ter um.
Um relato consistente fez Eduardo Z., 40 anos, há três anos proprietário de um Versa SL. Aficionado por motores e mecânica em geral, a escolha segundo ele não foi determinada pela paixão mas sim pela razão. Na troca pelo carro anterior, um Chevrolet Meriva, a revenda Nissan foi a que ofereceu mais pelo seu usado e cobrou menos pelo zero-km que, segundo Eduardo, deveria cumprir dois requisitos básicos: ter um bom porta-malas e espaço interno razoável.
Lúcido, Eduardo Z. destaca que para quem busca emoção e prazer ao dirigir o Versa não oferece muito. No entanto, a economia de exercício, a total ausência de problemas técnicos e o razoável tratamento do pós-venda são itens que, segundo ele, compensam a falta de charme ou apelo, chamem como quiser. Aspectos subjetivos, é certo, mas que não são ignorados pelos verdadeiros auto entusiastas como Eduardo Z.
O julgamento dinâmico do Versa, nada a destacar por Eduardo Z. a não ser que, com porta-malas lotado, dois adultos e uma criança na cabine, o sedã “passarinha” em retas quando o velocímetro supera a marca dos 110-120 km/h. Algo que o proprietário diz ter corrigido aumentando a pressão dos pneus traseiros além do recomendado. Passarinhar no jargão automobilístico é, para quem não sabe, uma leve oscilação transversal da parte dianteira, que mais do que perigo gera desconforto. Em terminologia técnica, instabilidade direcional.
De minha parte endosso 100% o que Eduardo Z. afirma: apaixonante o Versa não é. Deixando o lado estético (polêmico) de lado, a tentativa de dar certo requinte a um carro nascido para ser um veículo essencial, dotando-o da central multimídia, defletor na tampa do porta-malas, bancos de couro e demais opcionais constantes desta versão Unique Pack Plus, topo de linha, não alcança o objetivo. Pagar R$ 59.990 não encaixa. Melhor optar pelo Versa de entrada, o SV, e economizar dez mil reais. A diferença significará levar o mesmo carro no que interessa: o conjunto mecânico e os demais itens essenciais como os obrigatórios ABS e bolsas infláveis e até mesmo o controle do sistema de áudio e telefone no volante, assim como o tão querido ar-condicionado. Ficarão na revenda a roda de liga aro 16, acabamentos “luxuosos” como o comando digital do ar-condicionado, a central multimídia com navegador e câmera de ré, e outros equipamento de conforto ou de viés estético. Enfim, nada de fundamental.
Esta visão quase que fundamentalista encontra algum eco em uma provável compradora do Versa, Cristina B, 62 anos, em cuja garagem atualmente há um Logan que segundo ela mesma está “cansado e pedindo para sair”. Os itens de luxo deste Versa não lhe chamaram a atenção, mas sim o espaço interno e o preço de um Versa básico. Consumo é outro elemento de curiosidade assim como o tratamento na concessionária, coisa que nesta avaliação de 30 dias não temos como julgar.
Lembrando, como fizeram muitos leitores, que o Versa é o líder de vendas em sua categoria nos EUA, surge a questão: por qual razão vende bem naquele mercado enquanto aqui apanha da maioria? Não é preciso pensar muito para responder, apenas olhar o que, na minha opinião, é o ponto alto do modelo. A habitabilidade, especialmente para os passageiros. Depois vem o espaçoso porta-malas, o motor espertinho e razoavelmente econômico e um certo ar de robustez. Aqui, o Versa não é fashion e há muitos dedos que apontam a traseira como nada harmoniosa, portanto…
Colocadas estas premissas, vamos à oficina. Antes de colocar o Versa no elevador Alberto Trivellato fez questão de rodar por cerca de meia hora escolhendo a dedo vias de características diferentes para efetivamente “sentir” o carro. Neste percurso apontou quase que imediatamente uma característica do modelo, que é a rumorosidade que penetra no habitáculo pelo câmbio. Normalmente automóveis desta faixa não primam — e nem podem por questão de custo — por um padrão de forração fonoabsorvente muito caprichado. No Versa, curiosamente, não é o ruído do motor que se apresenta, mas sim o do câmbio. Problema da unidade ou característica? Segundo Alberto, característica. Um câmbio sólido, feito para durar, mas que eventualmente não traz um requinte técnico que suprima rumorosidade, sentida especialmente quando em marcha alta e giro baixo. Nada de grave, portanto.
Ainda sobre o câmbio, Alberto comenta os engates de curso relativamente longo mas com boa definição e ao exigir maior rotação do 1,6 litro todo de alumínio reafirma a leve aspereza em regimes mais altos. Quanto ao ajuste de suspensões, o especialista dá ao Versa nota para passar de ano, competente ao encarar a má pavimentação, e que concilia conforto a boa dirigibilidade.
De volta a oficina não sem antes comentar alguns aspectos relativos a posição de dirigir e acabamento interno, já mencionados nas semanas anteriores, observar as entranhas do Versa revela a engenharia sintética adotada pela Nissan. Chamou a atenção a dimensão contida de alguns elementos da suspensão como a mola helicoidal, a bandeja ou o próprio amortecedor. Economia? Não, essencialidade. O Versa deriva de um pequeno hatch, o March (ou Micra na Europa), pesa pouco mais de 1.000 kg e absolutamente não necessita de superdimensionamento dos elementos de suspensão.
O mesmo raciocínio desta engenharia essencial foi aplicado a outros elementos, tanto da suspensão traseira como de acessórios como protetor do cárter, isolante térmico do escapamento e acabamentos de união das partes plásticas (para choques) com a estrutura metálica. Aliás, é positiva a análise deste item, uma vez que o para-choque ao ser pressionado mostra “trabalhar”, ou seja, se move sem causar ruídos nem a impressão que os grampos plásticos vão se soltar. Resumo: se encostar o para-choque na parede da garagem com certa energia ou em uma lombada, o dono do Versa não se chateará pois nada vai se soltar.
Ao fim, o julgamento aponta para a realidade. O Versa nasceu em uma prancheta onde um post-it lembrava a seu projetista que a simplicidade deveria vir antes de mais nada. Felizmente, veio junto a eficiência. A engenharia aplicada não tem soluções requintadas, mas sim práticas, para colocar este Nissan em condições de agradar quem precisa de um sedã sem muitos mimos e com grande espaço interno. Que leve do ponto A ao B sem encantar, mas também não estragar o humor de quem está dentro seja lá pelo que for.
Razoavelmente bem equipado, esta versão 1,6 Unique Pack Plus é a mais cara e vistosa, mas não seria a nossa escolha pois, como observamos, o Versa é simples na essência, e economizando 10 mil reais leva-se exatamente o mesmo carro para casa, o Versa SV cuja relação custo-benefício é a melhor.
Uma palavra merece o consumo: muitos leitores tem manifestado seu inconformismo com as marcas altas que registramos nestes testes de 30 dias. Assim foi com o Renault Fluence, com o VW Jetta Highline TSI e com o Citroën C4 Picasso. Com este Versa, sabemos não está sendo e não será diferente. A média final, 8,3 km/l é o resultado de um uso urbano em praticamente 70% da quilometragem realizada, sendo que a gasolina representou 84% do combustível usado. Mas nada disso grava tanto no suposto mau consumo como o local onde o Versa rodou prioritariamente, a zona oeste de São Paulo, mais exatamente a montanhosa região de Perdizes, Pompeia e Sumaré onde trechos planos estão totalmente ausentes de qualquer percurso. Deste modo, o número obtido funcionará como mera referência entre os testes de 30 dias realizados nesta mesma condição de uso (% de estrada e cidade) e local de rodagem.
Enfim, o Versa foi devolvido e sem dúvida é uma escolha muito racional no cenário dos sedãs de sua categoria. Não prima pela beleza, pelo acabamento esmerado e nem pela pegada de seu motor, mas cumpre como nenhum a tarefa de levar pessoas com conforto extra no banco de trás e de carregar todas as tralhas de uma família em viagem. Dirige-se o Versa com um sorriso, não pelo prazer, mas sim pela eficiência que sua proposta essencial exala e que agradará quem quer algo concreto e sem frescuras.
RA
NISSAN VERSA 1,6 UNIQUE
Dias: 30
Quilometragem total: 1.287,5 km
Distância na cidade: 876,8 km (68,1%)
Distância na estrada: 410,7 km (31,9%)
Consumo médio: 8,3 km/l
Melhor média: 12,3 km/l (gasolina)
Pior média: 5,3 km/l (álcool)
Litros consumidos: 155,05
Custo: R$ 524,75
Custo do quilômetro rodado: R$ 0,40
Leia o teste completo:
1ª semana
2ª semana
3ª semana