Esta história começou nos idos de 1959 com uma conversa entre o jornalista e publicitário Mauro Salles e o presidente da Willys-Overland do Brasil, William Max Pearce. Mauro, um entusiasta por veículos esportivos e de competição, sugeriu a Pearce que trouxesse o Alpine para o Brasil e, mais do que isso, promovesse a criação de uma equipe de competição dentro da própria fábrica que serviria também como uma alavanca de marketing para os carros produzidos pela Willys.
Pearce gostou da sugestão e foi à França acompanhado de Christian Heins, um dos maiores pilotos brasileiros de todos os tempos. Os dois se reuniram com o alto escalão da Renault e Jean Rédélé, o pai do Alpine, e daí surgiu o projeto concreto para a fabricação do esportivo no Brasil. A idéia ficou muito mais fácil de ser concretizada, pois a Willys brasileira já tinha fortes ligações com a Renault, pois produzia o Dauphine na fábrica do Taboão, em São Bernardo do Campo, desde março de 1959.
O mesmo Mauro Salles sugeriu o nome Interlagos para o Alpine brasileiro em homenagem ao famoso autódromo da cidade de São Paulo, então o único do país.
Foi instalada para isso uma nova fábrica para as carrocerias de compósito de resina poliéster e fibra de vidro do novo esportivo, coincidentemente no bairro de Interlagos em São Paulo. Técnicos franceses ajudaram nas instalações dos equipamentos e no treinamento intensivo dos funcionários brasileiros para o novo procedimento, quase artesanal, de fabricação das carrocerias.
O início do desenvolvimento do Interlagos começou com a importação de três Alpine A108, um cupê, um conversível e um berlineta, para o divertimento da engenharia e do estúdio da Willys-Overland do Brasil.
Vários testes funcionais e de durabilidade foram efetuados, alguns no autódromo de Interlagos, comparando os veículos franceses e os protótipos brasileiros, logo revelando o “calcanhar de aquiles” do projeto. A suspensão traseira por semi-eixos oscilantes sem braços longitudinais concentrava na articulação da capa da semi-árvore na transmissão todos os esforços de tração, frenagem e eventos pontuais como buracos etc. Logo apareciam folgas enormes percebidas até a olho nu pela movimentação das rodas para frente e para trás. Este foi um problema que somente foi solucionado com a adição de braços longitudinais, somente quase três anos após o veículo ter entrado em produção, inexplicavelmente.
A suspensão traseira Aerostable também tinha uma característica especial, com coxins pneumáticos de borracha que atuavam como reforço à constante das molas, deixando a suspensão mais firme, principalmente com o veículo carregado.
Outra característica inusitada era uma cinta de borracha lonada que limitava o curso de extensão da suspensão traseira para evitar que as rodas ficassem com câmber positivo excessivo, por motivos óbvios de segurança.
A suspensão dianteira era bem eficiente, com braços triangulares desiguais superpostos. Tinha valores de cáster e inclinação do pino-mestre bem pronunciados (10° e 11°30′ respectivamente), o que dava ao veículo um comportamento bem estável nas retas mesmo em velocidades elevadas e com ventos laterais. Em contrapartida, a velocidade de retorno do volante da direção era um pouco alta, com eram também os esforços em manobras de estacionamento.
Os pneus 145-380 (145-15) eram adequados para o veículo, bem leve, por sinal 670 kg, valor indicado no manual do proprietário.
Os articuladores de borracha dos braços da suspensão dianteira apresentavam desgaste prematuro, tinham pouca durabilidade.
Seu chassis estrutural metálico tinha uma coluna vertebral tubular, dando muita resistência ao carro tanto em torção quanto a flexão do quadro.
O seu motor básico era o do Renault Gordini de 845 cm³ com as seguintes diferenças:
– Taxa de compressão aumentada de 8,0:1 para 9,2:1
– Carburador de corpo duplo Solex 32 PAIA 3-301, progressivo a vácuo, no lugar do de corpo simples 32 PIBT
– Coletores de admissão e escapamento de construção tubular no lugar dos de alumínio e ferro fundido, respectivamente
– Comando de válvulas de maiores duração e levantamento
– Rotação máxima do motor aumentada de 5.200 rpm para 5.600 rpm
– Potência máxima de 53 cv bruta SAE (42 cv líquida DIN) contra 40 cv (32 cv) do Gordini. Como curiosidade, a potência máxima se dava também na rotação máxima do motor.
Esse mesmo motor propulsionaria o Renault 1093, versão esportivada do Gordini lançada em 1964.
A maior taxa de compressão requeria o uso da gasolina de mais octanagem, a azul (denominação da época; a comum era chamada de amarela), que equivale hoje à gasolina comum de 95 octanas RON; a comum daquele tempo tinha apenas 87 octanas RON. O manual do proprietário destacava esta recomendação importante para evitar a destrutiva detonação (“batida de pino”) e auto-ignição, fenômeno de o motor continuar funcionando por instantes mesmo com a ignição desligada.
Havia a disponibilidade de outros motores, o 904-cm³ , 56 cv (44 cv DIN) e o 998- cm³, 70 cv (62 cv DIN) e taxa 9,8:1.
Todos os motores tinham o mesmo curso dos pistões de 80 mm, variando somente o diâmetro dos cilindros, do básico 58 mm para 60 mm e 63 mm, respectivamente. Com o conceito de camisas úmidas removíveis, a sua substituição, juntamente com os pistões e anéis, era bastante fácil.
O câmbio de quatro marchas bem curtas dava uma excelente sensação de desempenho para o veículo. A primeira, porém, não era sincronizada.
Com o motor de 998 cm³ o Interlagos berlineta atingia a velocidade máxima de 160 km/h e fazia de 0 a 100 km/h em 14 segundos.
O Willys -Interlagos foi apresentado ao público no II Salão do Automóvel de São Paulo, em novembro de 1961, no Pavilhão da Bienal do Parque do Ibirapuera, e a sua produção se iniciou em 1962 nas três versões, berlineta, cupê e conversível.
Jean Rédélé compareceu à inauguração da fábrica do Interlagos no bairro homônimo e participou da entrega do primeiro veículo produzido, um conversível, a Mauro Salles como reconhecimento de sua participação na concretização do projeto de um veículo esportivo fabricado em série no Brasil.
Com bancos anatômicos e com regulagem apenas longitudinal, a posição do condutor era facilitada pela característica de regulagem da coluna de direção em altura, inédita para a época num carro fabricado no Brasil.
O painel dos instrumentos tinha o velocímetro graduado até 180 km/h com o hodômetro, lâmpadas-piloto das setas, indicador de combustível analógico e comando da buzina integrados. Tinha conta-giros até 8.000 rpm, com o termômetro da temperatura do motor, luzes indicadoras de pressão do óleo, farol alto e carga do dínamo também integrados.
Os comutadores das luzes e da buzina ficavam integrados em uma alavanca do lado esquerdo junto ao volante de direção. Havia um controle inédito para o som da buzina, estrada/cidade. A alavanca da seta ficava em uma alavanca do lado direito, também junto ao volante.
Com pouco mais de 800 exemplares produzidos entre 1962 e 1966, a história do Willys Interlagos se confunde com o automobilismo profissional no Brasil, praticamente iniciando a carreira dos pilotos Emerson Fittipaldi, Wilson Fittipaldi Jr, Bird Clemente, José Carlos Pace e Luiz Pereira Bueno.
Particularmente, o Bird Clemente foi considerado um dos melhores pilotos da época pilotando o berlineta 22 da Equipe Willys de competição. Seu estilo de pilotar, aproveitando ao máximo a característica sobreesterçante do berlineta, é antológico.
Em 16 de dezembro de 2012 o Willys Interlagos completou seus 50 anos e recebeu a homenagem da Renault do Brasil em evento realizado no Sambódromo, zona norte da capital. Foi apresentado ao público o berlineta 22 de Bird Clemente totalmente restaurado!
Outra jóia, o Capeta
Uma outra jóia teve sua criação nos idos de 1963, o Willys Capeta. Entusiasmada com o sucesso do Interlagos, a Willys iniciou o projeto de outro veículo esportivo, com motor mais potente e de tamanho maior. A idéia seria aproveitar o motor 6-cilindros de 2,6 litros e o câmbio de quatro marchas do Aero-Willys 2600.
Projeto de Rigoberto Soler, foi concretizado no estúdio da Willys- Overland do Brasil com a construção, nos idos de 1963, de um protótipo não funcional em madeira, fibra de vidro e argila. Este modelo serviu de base para o desenho final de estúdio e que deu origem ao protótipo funcional todo em compósito de fibra de vidro. Este protótipo tinha todas as características funcionais e de aparência interna e externa de um veículo pré-série.
Desenho icônico, com elegante tomada de ar central no capô e duas saídas laterais de ar nos pára-lamas dianteiros, tinha o interior luxuoso com bancos de couro e detalhes em jacarandá natural no painel de instrumentos e laterais das portas. A sua mecânica foi toda aproveitada do Aero-Willys 2600 incluindo o motor 2-6-litros de 148 cv (SAE bruta) e o câmbio de quatro marchas. Diz a lenda que este protótipo fez testes de aceleração e velocidade máxima, atingindo valores de 0 a 100 km/h em 10 segundos e 180 km/h de final.
Este protótipo funcional foi apresentado ao público no III Salão do Automóvel em 1964, em São Paulo.
Depois da sua apresentação no Salão do Automóvel, o Capeta participou de uma exposição em Brasília e depois, com a não aprovação do projeto, foi guardado pela Willys em um anexo ao estúdio de estilo do produto. Mais tarde, ainda na década de 1960, doou-o ao Museu Paulista de Antiguidades Mecânicas, em Caçapava, interior de São Paulo. Com a morte de seu fundador, o antigomobilista Roberto Lee, o museu permaneceu fechado durante anos deixando os veículos sem manutenção, inclusive o Capeta.
Com muito trabalho e sacrifício, méritos à Ford e ao jornalista Roberto Nasser — velho amigo e hoje nosso colega como colunista do Ae — que conseguiram transferir o Capeta para a Fundação Memórias do Transporte – Museu Nacional do Automóvel, em Brasília, mantendo o esportivo todo restaurado para o prazer dos antigomobilistas.
Em 2010, irradiando beleza, foi apresentado no evento de carros antigos Brasil Classic Show, em Araxá, Minas Gerais.
Vale a menção especial ao Professor Rigoberto Soler, engenheiro espanhol, falecido em 2004.
Rigoberto Soler, radicado no Brasil, além do Capeta projetou o Brasinca 4200 GT e o veículo anfíbio FEI X-1 .
O Brasinca 4200 GT, posteriormente renomeado Uirapuru, foi o primeiro veículo brasileiro a ser desenvolvido em túnel de vento nas instalações do CTA (Centro Técnico Aeroespacial) em São José dos Campos. Com motor do caminhão Chevrolet Brasil de 6 cilindros em linha, 4.271 cm³, três carburadores SU e 155 cv (SAE bruta) de potência, chegou a 200 km/h no Autódromo de Interlagos.
O FEI X-1, veículo anfíbio experimental de três rodas, na verdade quatro rodas com duas bem juntas na frente, a propulsão era por uma enorme hélice instalada na parte de trás, acionada por um motor de Gordini .
Em 1968, eu estudante de engenharia na Faculdade de Engenharia Industrial em São Bernardo do Campo, tive o privilégio de conhecer o Professor Rigoberto Soler e a sua criação, o FEI X-1
Até o próximo post
CM
Material ilustrativo:
Acervo particular do autor,estadao.com.br, veja.abril.com.br, quatrorodas.abril.com.br, bestcars.uol.com.br