Usar a potência de aviões para fazer carros andarem mais rápido é uma idéia antiga.
Desde que surgiram os aviões, muitos olham aquela força que eleva uma máquina e imaginam que poderiam tê-la num carro. Mas motores muito potentes de aviões são pesados demais para carros, e carros com motores enormes pesam demais, com tudo ficando ruim com muito peso, agilidade, frenagem, estabilidade em curvas. Basta lembrar das diferenças de comportamento de Opalas quatro e seis cilindros, Omegas idem, e tantos outros.
Mas a idéia não morreu por isso. Há cerca de um século ou pouco menos, os motores aeronáuticos atraíam demais a atenção dos entusiastas de automóveis. O avião era novidade, estava evoluindo rapidamente, e a Primeira Guerra Mundial fez aviões serem notícia, tornando-os mais conhecidos no mundo informado.
O movimento de instalar motores de avião em carros se dividiu em dois tipos. Os que buscavam potências-monstro tiveram que colocá-los em carros idem, ou na possibilidade, fazer carros especiais e únicos, que acomodassem maquinários como um Rolls-Royce Merlin, por exemplo, de 744 kg a seco.
Já aqueles interessados em adaptações mais fáceis, sem construções extensas, escolhiam motores menores, que não fossem loucuras de potência, mas que davam a seus carros uma melhora grande.
O carro que mostramos aqui pertence a essa categoria, e na verdade é uma construção que utiliza componentes de outros carros.
Até algum tempo, algumas fontes citavam esse Monarch Special Aerocar como sendo antigo, e tendo sido usado na subida de montanha de Pikes Peak em 1916, o primeiro ano em que ela ocorreu. Outros afirmavam que ele foi construído nos anos 1990, com peças antigas e usadas de diversos carros, compradas na feira do museu Beaulieu, o Autojumble, o maior evento desse tipo na Europa, usando um motor Curtiss OX-5 de avião. Seu construtor seria Mark Walker, um colecionador de carros da época pré-guerra. Essa é a versão correta, agora amplamente divulgada. Hoje a obra pertence a Duncan Pittaway.
Começando por onde se começa a fazer um carro antigo, o chassis, esse vem de um Monarch de 1913, simples e padrão, com duas longarinas e travessas convencionais normais. Essa empresa durou pouco, era localizada em Detroit, e fez carros durante apenas pouco mais de três anos. O radiador usado nessa criação livre veio de um Napier.
O motor é um Curtiss OX-5, o mais produzido e usado motor aeronáutico americano da Primeira Guerra Mundial. A fábrica fundada por Glenn Curtiss começou produzindo motores para motos, e passou para motores de aviões e depois os próprios, sendo o mais famoso deles o JN-4, apelidado de “Jenny”, que usava exatamente esse motor. Outras aeronaves também o usaram. Foram cerca de 12.600 unidades, tendo sido produzido também na Inglaterra, no esforço de guerra contra a Alemanha, mas já sendo considerado obsoleto nessa fase.
A origem é de antes da guerra, 1913, mas foi produzido de 1917 a 1919. Desenvolve 93 cv a 1.400 rpm de seus 8 cilindros em V a 90°, 8,2 litros (503 polegadas cúbicas), 4 polegadas de diâmetro do cilindro, 5 de curso (101,6 x 127 mm), com taxa de compressão de 4,5:1, baixíssima, mas explicável pela gasolina de baixa octanagem da época, além da necessária confiabilidade. Pode chegar a cerca de 108 cv a 1.800 rpm, sendo essa a potência de decolagem, que não pode nunca ser usada todo tempo em um avião.
Pesando 177 kg, não tinha nada de avançado tecnologicamente, mas pela produção alta e disponibilidade de peças de reposição faz a manutenção não ser muito difícil comparativamente e outros motores antigos.
Tem bloco de liga de alumínio, com cilindros em ferro fundido fixados individualmente no bloco por parafusos. Comando de válvulas no bloco, e válvulas comandadas por varetas e balancins, externos, sem coberturas, o que por si só já mostra que emissões de óleo e seus vapores eram comuns todo o tempo de funcionamento.
Atuando como escapamentos, só uns tubinhos curtos, garantindo a emoção sonora e visual, pois sai fogo fácil deles, é só acelerar.
O câmbio é de um Panhard de 1910, tem padrão de trocas seqüencial e inclui o diferencial, sendo um transeixo, portanto. É por isso que há a corrente, pois o câmbio está longe da roda e não há árvore de transmissão. Como não tem diferencial no eixo, não há aquela massa enorme na traseira, não suspensa, que idealmente deve ser a menor possível para a agilidade.
Carroceria? Nada, só uma cobertura no motor.
O motor funciona muito bem, apesar do uso bem diferente do que o inicialmente previsto. Aviões funcionam a maior parte do tempo em rotação constante, o oposto de um carro. Outro problema sério é a ventilação num avião e num carro. Tudo diferente, tanto temperatura ambiente quanto vento.
Pittaway diz que seu carro faz por volta de 8 km/l, anda mais rápido que a grande maioria dos carros numa estrada, tem tanque grande para chegar tranqüilo a vários encontros e corridas de subida de montanha, como podemos ver nos vídeos encontrados.
O mais bacana nesse tipo de carro aberto é a absoluta liberdade que havia e a neura zero com segurança. O motorista anda literalmente seguro apenas pelas laterais dos bancos de vime com revestimento, e pela pega no volante. De resto, nada para protegê-lo
Mais emoção? Corrente da transmissão final perto dos ocupantes, coluna de direção apontando para seu peito, sem cintos de segurança, sem proteção para cabeça, e sentado alto, o que acentua os balanços do carro.
Freios só atrás, e é necessário derrapar para fazer as curvas rápidas. Para trocar de marcha, botão no topo da alavanca de câmbio, fora do carro, do lado direito, para desengatar a engrenagem grande (coroa), e depois trocar de marcha. O processo é incrível: para curvas, freia-se, aperta o botão, pisa na embreagem, troca de marcha, solta o botão, solta o pedal de embreagem e depois acelera.
O processo de derrapagem de potência — powerslide — é facilmente atingido, pela pouca aderência dos pneus estreitos, e os 41,7 m·kgf de torque. Quem o dirigiu disse que se pega o jeito rápido, desde que haja uma certa habilidade do motorista e nada de receio de cair do carro nas curvas.
Pittaway usa o carro normalmente, mostrando vigor em corridas de subida de montanha na Grã-Bretanha. Pequenos morros que eles chamam de montanhas, na verdade, quando comparado às pirambeiras que conhecemos no Brasil.
O uso do carro é facilmente verificado pelo estado em que ele se encontra. Nada de condição de show, apenas uso e mais uso, nessa criação livre.
Um carro bacana e estusiástico demais. Abaixo um vídeo curto onde podemos escutar o motor e apreciar um powerslide na saída da segunda curva.
JJ