A magia dos carros
Por Josenilson T. Veras
Que todo brasileiro gosta de carros, isso não é novidade e virou até um clichê. Na verdade, alguns descrevem o carro como a suprema criação de uma época e não somente o brasileiro, mas na verdade todos os povos hoje cultuam o carro. Objeto de desejo e consumo, o carro desperta paixões, evoca sensualidade, reflete o estilo de uma época e sinal de poder e ascensão social para muitos. Para outros o carro é um objeto de arte, design, milagre da engenharia que faz centenas de peças trabalharem perfeitamente e levar e trazer o homem a grandes distâncias.
Ontem ao chegar em casa após o trabalho, abri a última edição da revista sobre carros que costumo ler e ao passar as páginas fui lembrando então dos automóveis que meu pai possuiu e que marcaram minha vida. Veio à mente os primeiros possantes que comprei e também viagens inesquecíveis a bordo dos tais.
O primeiro carro do qual tenho recordação na infância é um Fusca branco. Acho que um modelo dos anos sessenta ou setenta. Eu gostava de viajar segurando aquela alça que existe na coluna e, como toda criança, de ficar olhando pela janela. Inesquecíveis foram as viagens a Pernambuco, terra de meus pais. Ali tínhamos contato com uma cultura diferente da que vivíamos em Campo Formoso, na Bahia.
Esse era um aspecto bem interessante para mim. Havia palavras que eu não conhecia, costumes, formas de fazer as coisas. Talvez naquela época o mundo fosse menos padronizado que hoje e conseguia-se sentir a diferença de culturas entre estados tão próximos.
Lembro-me agora das várias Brasílias que meu pai teve e das viagens nesse carro barulhento. O motor fica na parte traseira, compartilhando o mesmo habitáculo com os ocupantes e isolado apenas por uma tampa. Em viagens longas chegava-se ao destino quase surdo! Lembro do calor no sertão de Pernambuco, o sol a queimar a estrada, a paisagem da caatinga. Às vezes minha mãe me colocava no colo e ali eu podia olhar o asfalto passar rápido na frente do carro.
Naquele tempo acho que não se usavam cintos de segurança e as crianças viajam no colo das mães, vejam que perigo! Por outro lado, as estradas tinham pouco movimento e uma Brasília não ultrapassava os 120 km/h!
Após a fase das Brasílias e Variants, meu pai, antes fiel comprador da marca Volkswagen, passou a ter carros de outros fabricantes. Em especial, recordo dos potentes Opalas e C-10 de seis cilindros e o do especial Jeep 1957, no qual aprendi a dirigir.
Meu professor de direção foi meu irmão mais velho. Não havia autoescolas naquela época e aprendíamos com um irmão ou amigo. Íamos para um campo de futebol e lá ficávamos fazendo voltas e eu a me esforçar para conseguir engatar as marchas no câmbio duro e impreciso do Jeep. Quando já estava confortavelmente hábil comecei a dirigir nas viagens para a pequena fazenda do meu pai. Ali aquele utilitário desempenhava as mais diversas tarefas e era quase um trator.
Certa vez, meu pai, com sua incrível criatividade, desenvolveu um suporte na traseira do carro para tracionar licurizeiros (o licuri ou ouricuri é uma pequena palmeira que existe na caatinga) que foram derrubados para que o local servisse de pasto. Apoiava-se o tronco da árvore no suporte, prendia-se com um pino e uma corrente e o arrastávamos. Era muito divertido, o Jeep tinha que ser tracionado nas quatro rodas e às vezes, reduzido. Apesar de robusto freqüentemente os freios falhavam, as marchas saltavam, enfim apresentava os mais diversos problemas que tínhamos que resolver no campo e continuar a trabalhar. Após esse estágio não havia para mim carro difícil de dirigir.
O primeiro carro que eu e minha esposa tivemos foi um Fusca seminovo de cor creme. Com ele viajamos de Rio Preto a Recife quando resolvermos morar lá de vez. Nesse mesmo fusca viajei de Recife para Brasília quando nos mudamos. Após o Fusca compramos um Uno Mille. Foi como mudar de mundo em termos de evolução em vários aspectos automobilísticos.
O pequeno Uno parecia um verdadeiro carro de luxo e extremamente seguro em relação ao Fusca. Lembro bem da sensação que sentia com seu amplo interior — o Fusca era claustrofóbico. A distância entre a posição do motorista e o pára-brisa era uma coisa que me maravilhava. Outro aspecto que me chamou a atenção foi a eficiência dos freios. Por incrível que possa parecer, o carro parava! Coisa que o Fusca quase não fazia.
Sobre esse assunto acho possível escrever um livro, tal a quantidade de fatos vividos dos quais os carros fazem parte, como protagonistas ou coadjuvantes. Apesar de objetos, os carros parecem mesmo ter vida e estão fortemente ligados ao lado afetivo da maioria das pessoas atualmente.
ooooo