Um texto bem escrito é como uma pessoa bem vestida, normalmente não se nota, ao contrário de outra mal vestida, que logo desperta a atenção, destoa. Antes que o leitor pense tratar-se de assunto fora de tópico, não é, pois o assunto é justamente automóvel.
Resolvi falar nesse assunto depois que uma assessoria de imprensa de importante fabricante de autopeças, multinacional, enviou notícia de que na feira Automec, em São Paulo, em curso, seriam sorteadas duas viagens “para o Grande Prêmio de Monza, na Itália”. Só que não existe grande prêmio de estado, município, comuna (de Monza), muito menos de autódromo, mas de país, por exemplo, Grande Prêmio do Brasil, Grande Prêmio do Canadá etc. Claro, avisei à assessora sobre o erro.
Por falar nisso, é comum se dizer/escrever ‘Grande Prêmio Brasil’ em vez de ‘Grande Prêmio do Brasil’, em que o primeiro é a tradicional prova de turfe no hipódromo do Jockey Club Brasileiro, no Rio de Janeiro, em agosto. É que dá um trabalho colocar o ‘de’…
O leitor do Ae sabe que as matérias apresentam o Português mais correto possível segundo as regras ortográficas e gramaticais e, também, que decidimos continuar com as regras do Acordo Ortográfico de 1943, complementado por um acordo entre o Brasil e Portugal, em 1971, pelo qual houve ligeira modificação no que diz respeito à acentuação. Chegamos a adotar as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 que passou a vigorar em janeiro de 2009 e que seria obrigatório seguir em janeiro de 2013, mas no dia 6 de agosto de 2011, numa matéria intitulada Protesto, comunicamos aos leitores que voltamos às regras antigas. Vale a pena ler ou reler esta matéria para entender os motivos.
Mas ao apagar das luzes de 2012 o governo adiou por três anos a obrigatoriedade de adotar a novidade, ficando para 2016. Até lá decidiremos o que fazer, se mudamos para os absurdos de escrever ‘voo’ em vez de ‘vôo’ ou ‘o carro para para desembarcar passageiro’ em vez de ‘o carro pára para desembarcar passageiro’, entre outros contra-sensos — que hoje é ‘contrassensos’…
O motivo de termos tanto cuidado com o idioma não é para parecermos melhores do que os outros, mas uma questão de respeito ao leitor ou leitora, já que achamos que todos têm o direito de ler um texto sem erros. Tanto é assim que, como editor-chefe, reviso até os comentários — certamente muitos que comentam já notaram isso. Por que? Porque comentários são parte integral e indissociável das matérias, especialmente por se tratar de internet e sua inerente rapidez, impossível para a mídia impressa.
Perco um bom tempo com essas revisões dos comentários, mas felizmente esse trabalho vem diminuindo paulatinamente, uma vez que os próprios leitores têm se esmerado em escrever corretamente, evitando o “smartphonês” e seus q, tbm, css, início de frase e nomes próprios em minúsculas e outros hábitos do gênero. Aliás, quero agradecer aqui esse tipo de atenção.
Termos banidos
Além de nos basearmos no Manual de Redação e Estilo d’ O Estado de S.Paulo, escrito pelo saudoso Eduardo Martins, falecido em 2008, e com quem eu me relacionava por e-mail para sanar dúvidas, temos também o nosso “manual” .
Assim, o leitor do Ae jamais lerá aqui a palavra ‘montadora’, que tomou conta das redações brasileiras de uma maneira impressionante, o que para mim é um mistério maior que o da Santíssima Trindade. Outra palavra de amplo emprego é ‘automotivo(a)’, também banida aqui, apesar de reconhecida nos dicionários. É que se trata de falso cognato, oriundo do inglês automotive, cuja tradução correta é ‘automotriz’ . Tanto que electromotive force é força eletromotriz em português e não força eletromotiva. Então, indústria automobilística sempre, nunca indústria automotiva.
Outra impropriedade é escrever ‘carroceria de fibra’, como se esta fosse o material empregado, quando na realidade a carroceria é de plástico. A fibra, no caso fibra de vidro, é apenas reforço do plástico. Esses materiais diferentes, juntos, têm o nome de compósito, daí o leitor ver nossos textos ‘compósito de fibra de vidro’ ou ‘compósito de fibra de carbono’, outro tipo de plástico que vem sendo cada vez mais utilizado pela indústria automobilística para reduzir peso.
SUV é outra sigla que avança nas redações, talvez preguiça de escrever (veículo) utilitário esporte. Aqui criamos a palavra suve, apenas uma palavra homofonia da pronúncia da sigla em inglês que muitos adotam ao falar — americanos nunca a pronunciam, apenas falam as letras, como ‘éss’iu’vii’.
‘Cilindradas’ usado com unidade de volume já foi bem mais comum, hoje felizmente quase desaparecido, mas vez por outra ainda se vê esse erro absurdo. Atribuo-o também à preguiça, pois é mais trabalhoso falar centímetros cúbicos do que cilindradas. O mesmo para a utilização do ponto para separar a parte inteira de fracionária ao exprimir a cilindrada em litro, com 1.0, 2.5 etc. Novamente caso de preguiça, acho, por ser mais fácil dizer um-ponto-zero do que um-vírgula-zero. Pelo menos os radialistas das emissoras em FM pronunciam a vírgula, ouve-se sempre, com em noventa e quatro vírgula sete mega-hertz.
Portanto, reafirmando o que está dito no título, escrever bem é arte e técnica. Os melhores exemplos de arte são o que o Arnaldo Keller (AK) e o Marco Antônio Oliveira (MAO) trazem a você, e de técnica, o que você lê aqui no seu Ae.
BS