Lembro-me a primeira vez que dirigi uma VW Saveiro. Foi nos idos de 1983 no Campo de Provas da Ford em Tatuí, quando a Ford adquiriu a recém-lançada picape para conhecimento do novo produto concorrente da Pampa. Reconheço que minha primeira impressão não foi das melhores ao abrir o capô e ver o velho motor arrefecido a ar do Fusca instalado longitudinalmente. Porém, a aparência jovem da picape e o seu bom comportamento na pista, em termos de estabilidade direcional e em curva, me impressionaram positivamente. Afinal, o motor boxer era baixo, curto e leve, tudo favorecendo a resposta de direção.
Ficou claro que a Volkswagen visou o público jovem e o lazer em detrimento de seu uso para o trabalho, tanto é que a Saveiro “quadradinha” logo fez sucesso entre a meninada.
O conforto interno era bom, embora os pedais ficassem descentralizados com relação ao volante de direção e a linha de centro do banco do motorista. Os freios me pareceram subdimensionados, requerendo maior esforço sobre o pedal para desacelerar o veiculo. Mas o que realmente se destacava era sua excelente estabilidade direcional, mesmo com carga total de 440 kg em sua caçamba (a capacidade máxima de carga do veiculo era de 580 kg)
E a Ford decidiu fazer uma durabilidade estrutural comparativa entre a Saveiro e a Pampa para análise da engenharia. E eu logo prejulguei, achando que a Saveiro iria desmanchar nas pistas de durabilidade estrutural. A Pampa com suspensão traseira de eixo rígido com molas semi-elípticas daria um banho na Saveiro, com sua suspensão de automóvel por eixo de torção e molas helicoidais, pensei eu.
E no final da durabilidade, basicamente o que se viu foram as picapes se saindo bem. A Saveiro apresentando algumas trincas na carroceria, principalmente na região do túnel da transmissão e a Pampa com pequenas trincas na base da coluna “B”, nada mais de relevante além disso.
Falando um pouco da história da Saveiro, a Volkswagen decidiu projetar sua picape derivada do Gol para competir com a Fiat e Ford, que já tinham suas respectivas picapes, a Fiorino e a Pampa.
Com seu desenvolvimento feito no Brasil e com forte integração com a matriz na Alemanha, a nova picape foi apresentada ao público em setembro de 1982, sendo o nome Saveiro inspirado em uma embarcação nordestina para transporte de passageiros e carga. Lançada inicialmente com o velho motor boxer 1,6 arrefecido a ar, teve algumas reclamações de dirigibilidade e desempenho ao longo dos primeiros anos de vida. Em 1985 o motor “a ar” foi substituído pelo lendário AP 1600, fazendo a Saveiro dar um salto em popularidade, tornando-se a picape derivada de carro mais vendida do mercado.
A Saveiro também foi fabricada com motorização Diesel, exclusivamente para exportação, recebendo o motor 1,6-L da Kombi e também o 1,9-L originário do Golf.
E em 1997, abandonando o design “quadradinho”, a Volkswagen lançou sua nova Saveiro baseada no Gol de segunda geração, o “Bolinha”. Maior e com mais capacidade de carga, foi em minha opinião a Saveiro mais significativa em termos de projeto bem idealizado. Quando vi a nova Saveiro com distância entre eixos 24 cm maior e aumento de carga na caçamba, mantendo sua mesma suspensão traseira com eixo de torção e molas helicoidais, pensei com meus botões, não vai dar certo….E deu, contrariando novamente as minhas expectativas, julgando pela aparência.
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A Saveiro, totalmente remodelada, tinha suas dimensões e capacidade de carga bem aumentadas com relação ao modelo anterior, com notória aparência mais moderna que a versão “quadradinha”.
Chama a atenção o trabalho estrutural da carroceria com elementos de segurança, pensando no deslocamento da carga na caçamba em casos de acidentes frontais e também nas frenagens de emergência com altas desacelerações. Para proteger o habitáculo, além da célula de sobrevivência a nova Saveiro dispunha de um rack estrutural no teto, barras de proteção nas portas e nervuras no painel divisório entre a cabine e a caçamba.
A plataforma da nova Saveiro era basicamente a do Gol até o apoio do banco traseiro, com longarinas longitudinais integradas às caixas de rodas e com cinco travessas transversais que compunham o arranjo estrutural do veículo. O assoalho da caçamba era todo nervurado complementando o trabalho de engenharia.
O desenvolvimento da Saveiro “Bolinha” em termos de crash test foi todo feito no Brasil nas dependências da Volkswagen em São Bernardo do Campo.
E não faltou capricho. O protetor da caçamba em polietileno apresentava um encaixe perfeito, além de ter uma aparência muito bonita, esbanjando qualidade.
E a Saveiro foi o utilitário leve mais vendido do Brasil até 2002, quando perdeu o posto para a Fiat Strada, que atualmente é líder absoluta na categoria. A Chevrolet Montana e a Saveiro continuaram brigando pela segunda posição.
E ficou uma lição aprendida. Nunca mais vou prejulgar um veículo pelas aparências. A Saveiro foi prova do que estou falando.
Termino a matéria com um forte elogio à Fiat Strada, que conseguiu conquistar o coração dos brasileiros, sendo a picape derivada de carro mais vendida desde 2002.
CM
Créditos: Volkswagen do Brasil Ltda, wikipedia, acervo do autor