Todo carro tem dois pontos de contato imediato, o volante de direção e o câmbio. É por isso que ao se sentar ao volante logo se pega no volante e no pomo da alavanca, como se fosse uma senha para começar a conhecer o automóvel. Não raro se dá uma mexida nesses dois comandos, como que dando um ‘enter” para iniciar o processo de conhecimento do veículo.
O comando de câmbio diz muito a respeito de um carro, podendo influenciar positiva ou negativamente. Um bom exemplo é o Fusca, que desde que iniciou sua vida comercial logo depois da Segunda Guerra Mundial se notabilizou pelo toque do comando e funcionamento do câmbio, mesmo que nenhuma das quatro marchas fosse sincronizada. Era divertido trocar marchas no Fusca, principalmente depois surgiu a versão de câmbio com 2ª, 3ª e 4ª sincronizadas em 1949 no modelo Export.
Desde os primeiros câmbios, ainda bem no final do século 19, houve necessidade de selecionar a marcha a usar. Era preciso uma forma de comandar o câmbio. É desnecessário entrar em detalhes, mas havia que efetuar o movimento interno da caixa para se efetivar o engate da marcha sob vontade do motorista.
Cedo se recorreu a duas soluções, acionar o seletor diretamente no câmbio ou fazê-lo remotamente por hastes robustas que agüentassem esforço de compressão, empregando-se para isso o varão.
A alavanca deve estar sempre ao alcance de uma das mãos do motorista, por razões óbvias ditadas pelo ergonomia e daí que ela tinha de ficar no assoalho ou na coluna de direção, sempre se procurando deixá-la perto.
O sistema direto, alavanca sobre o seletor na caixa, sempre foi o mais simples, mas tinha a desvantagem de exigir uma alavanca comprida demais, muitas vezes em grande ângulo com a horizontal. Nos carros de caráter esportivo, como o câmbio avançava na cabine, ficava fácil ter alavanca diretamente aplicada no seletor, como no MG e no Jaguar. Já a alavanca na coluna exigia um sistema de comando mais complexo e por isso mesmo não era tão preciso.
Quanto mais longe o câmbio do motorista, mais complicado, embora no Fusca, pela colocação do transeixo voltado para frente, um simples varão resolveu, constituindo um dos melhores até hoje. Mas no Citroën 7/11 CV de 1934, com o transeixo na extremidade dianteira, foi necessário usar dois varões que passavam rente ao motor até chegar ao câmbio lá na frente (desenho abaixo).
Enquanto tudo estava no mesmo eixo longitudinal do veículo, motor e câmbio, sem muitos problemas. A coisa complicou quando motor e transmissão passaram a ser transversais devido ao desvio de movimento de 90º entre alavanca e o que acontecia no seletor dentro do câmbio. No Mini, Alec Issigonis resolveu colocando uma longa alavanca que ia diretamente ao câmbio, solução que sempre foi criticada no genial pequeno carro. Mas depois foi adicionado um pedestal e controle remoto por varão.
Soluções por varão surgiram, uma boas, outras nem tanto, como o Carlos Meccia explicou na matéria sobre o VW Apollo, que acrescento em relação ao Fiat 147 1980/81, um sistema tão complicado quanto o da Ford/VW e que fracassou.
O Ovo de Colombo para resolver o problema do motor e câmbio transversal foi o cabo de aço trançado tipo Bowden, em que com dois cabos em paralelo o motor/câmbio poderia estar em qualquer posição que o comando de câmbio seria fácil e simples.
Se pensarmos bem, scooters como Lambretta e Vespa sempre tiveram o comando de câmbio por cabo, que iam do punho esquerdo giratório até o distante câmbio.
Precisão
Todo fabricante dá muita atenção ao comando de câmbio, pelas razões apontadas. Há requisitos como conciliar os conflitantes curso da alavanca pequeno com pouco “peso” de engate das marchas. Com o cabo o toque de alavanca é bem melhor, pois o varão sempre impõe alguma movimentação da alavanca uma vez que o motor e câmbio são montados sobre coxins e seu movimento passa para a alavanca. O Fusca era exceção, pois os três pontos de apoio do transeixo e motor consistem de coxins bem pouco elásticos.
Desse modo, a caixa de seleção na base da alavanca que se convencionou chamar de trambulador, nome que segundo o historiador e colunista do Ae Roberto Nasser vem do francês train boulandeur. Este é muito importante para o movimento da alavanca, especialmente o curso lateral de seleção do canal de engate e o mecanismo que impede engate involuntário da ré.
Mas não basta um comando de câmbio para trocas fáceis, é preciso que as luvas sincrônicas colaborem com movimentação leve e precisa. Caso típico é o sincronizador Porsche, patenteado pela fábrica, eficiente e durável porém de engate duro, e que foi usado por vários fabricantes, Fiat inclusive, no 147, e que deu má fama ao seu câmbio. Depois que a Fiat adotou o praticamente universal sincronizador BorgWarner o problema desapareceu como por encanto. Essa mesma dificuldade levou a Porsche a abandonar o “seu” sincronizador no 911 na segunda geração. Quem dirige os Alfa Romeo de sincronizador Porsche, dos anos 1960, como recentemente eu e o Arnaldo fizemos com o 2000 Spider, nota o engate algo duro.
Hoje o engate de marchas dos câmbios manuais é fácil e leve, padrão que saiu do domínio “Wolfsburg” e se estendeu a outros fabricantes como Honda e alguns outros que me fogem no momento. Associado à atual baixa carga de acionamento da embreagem, dirigir um carro manual em meio ao tráfego denso deixou de ser missão para ser um prazer para quem dirige bem.
BS