Eu acredito que o gosto pelo automobilismo é fortemente baseado nas sensações. A velocidade dos carros passando na reta, a forma como vemos o carro se agarrando às curvas, e também o som emanado por um grid cheio de máquinas potentes. É humanamente impossível não pensar em um carro de corrida sem imaginar o som de seu motor ecoando por uma longa reta a plenos pulmões, depois reduzindo marchas com o blip no acelerador causado pelo punta-taco. Faz parte da nossa imaginação automobilística.
Ao pensar em um carro de corrida, cada pessoa logo associa ao seu modelo favorito, como Ferraris, Porsches, Alfa Romeos e Mercedes. Cada um lembra de um som de motor diferente. O som dos motores boxer-6 da Porsche são icônicos, assim como os grandes V-8 americanos, mas em termos de som, pouco pode-se argumentar frente aos V-12. Veja (e principalmente escute) abaixo o Ligier-Matra V-12 de Jacques Laffite de 1978 em ação.
Pela sua construção, o intervalo de tempo entre uma explosão e outra da sequência de cilindros é muito pequena, e a frequência sonora gerada é alta. A complexidade dos motores de doze cilindros é uma das questões que dividem os motores vencedores dos perdedores, pois qualquer pequeno deslize vai resultar em uma falha, e em motores de competição falhas são imperdoáveis.
Ao longo da história do automobilismo, muitos carros expressivos foram construídos com motores de doze cilindros. Existem muitos e muitos exemplos de ótimos carros de corrida equipados com motores V-12. Se pensarmos bem, por exemplo, é possível fazer uma lista só de Ferraris, uma vez que esta ganhou fama mundial com os V-12. Estes motores eram tão importantes para a marca que a estética era importante, mesmo nos carros de corrida onde o desempenho fala mais alto que qualquer perfumaria.
A capacidade de gerar potência com motores relativamente pequenos em termos de cilindrada era interessante na época, ainda mais antes da era dos motores turbo. Com pistões pequenos e consequentemente leves, era possível atingir altas rotações, bastava o motor ter um bom sistema de comando de válvulas que suportasse tamanhas velocidades.
Aqui vai uma seleção de dez carros de corrida de doze cilindros de relevância histórica, bem como de agrado deste que voz escreve. Não resisti e coloquei diversos vídeos nesta matéria, pois cada um destes carros e seus motores em ação merecem ser ouvidos.
Sunbeam “Toodles” 1913
A dinastia dos V-12 de competição começou com a inglesa Sunbeam. O gênesis dos carros de corrida V-12 foi criado em 1913 e participou de diversos eventos tanto na Europa como nos Estados Unidos. A história conta que Louis Coatalen, engenheiro- chefe da Sunbeam, precisava trabalhar no desenvolvimento do motor aeronáutico V-12 de 9 litros da marca, o que era complicado dadas as condições climáticas.
A proposta de montar o motor em um chassi de carro de corrida e rodar em provas de alta velocidade era a melhor solução para as dificuldades e contratempos nos trabalhos de desenvolvimento necessários para acertar o motor. O carro foi batizado de Toodles.
Em Brooklands, a lendária pista inglesa de alta velocidade, o Sunbeam V-12 registrou a marca de 165 km/h e foi um dos mais rápidos registrados na época. A potência do motor era surpreendente se comparado com outros carros com motores similares.
O carro depois foi enviado para competir no EUA, e diz a lenda que posteriormente foi vendido para a Packard, que desmontou-o e estudou o motor a fundo para criar o seu próprio V-12 que viria a ser usado no modelo Twin Six, um dos primeiros carros de produção a usar o motor de doze cilindros em “V”.
Auto Union Tipo D 1938
A hegemonia alemã nas pistas de corrida dos anos 1930 era notória. O próprio Adolf Hitler incentivava o desenvolvimento dos carros de corrida alemães, como forma de aprimorar a engenharia local e demonstrar superioridade perante os rivais de outros países.
A Auto Union e a Mercedes-Benz eram os principais representantes alemães no automobilismo. Os primeiros modelos de corrida da marca foram os chamados Tipo A, B e C, projetados com a ajuda da família Porsche, com Ferdinand Porsche criando o modelo A e seu filho Ferry Porsche os modelos B e C, estes equipados com o incrível motor V-16 central de quase 600 cv.
O Tipo D foi concebido por Robert Eberan von Eberhorst, engenheiro austríaco responsável por colocar em prática boa parte dos projetos de Porsche na Auto Union, onde o grande motor de dezesseis cilindros foi substituído por um V-12 a 60° de 3 litros (limitação de regulamento das corridas de grand prix a partir de 1938), três eixos comando de válvulas e ainda equipado com um compressor tipo Roots de dois estágios, gerando quase 500 cv.
Mais avançado tecnicamente que seus antecessores, o D era mais eficiente e tão veloz quanto. Este foi um dos últimos carros de corrida desenvolvidos no período pré-guerra, um dos grandes monstros com potência equivalente a carros que só existiriam trinta anos depois. Tempos de grandes heróis e suas máquinas maravilhosas.
Ferrari 250 GTO 1962
Enzo Ferrari apostava suas maiores fichas nos seus carros equipados com V-12. Os mais importantes Ferraris da história eram doze-cilindros. Pensar em Ferrari é pensar em V-12, e para os mais ligados na história, o motor Colombo é a origem da lenda.
Criado por Gioacchino Colombo, foi um dos primeiros V-12 usados nos carros de Enzo. A versão mais conhecida é a 250, código que representa os 250 cm³ de cilindrada de cada cilindro, que multiplicado pelo número de cilindros dava a cilindrada do motor, no caso 3 litros. Chegava a 320 cv quando equipado com seis carburadores duplos Weber e soava como um tenor.
Os primeiros modelos utilizavam um comando de válvulas por cabeçote, passando a dois comandos no modelo 275 GTB/4. O 250 GTO dos anos 1960 é o mais desejado de todos, por conta de sua história e importância histórica. Já falamos aqui no AE um pouco da história do GTO. Abaixo o vídeo de um 250 SWB com carroceria Drogo, que basicamente é o mesmo motor do 250 GTO, e outro de um 250 GTO Série II.
Honda RA271 1964
Na temporada de 1964 da Fórmula 1 a Honda surpreendeu o mundo com seu arrojado projeto RA271. Um carro de F-1 japonês já era uma surpresa na época, ainda mais um equipado com um compacto V-12 de 1,5 litro montado na transversal, entre eixos e atrás do piloto. Pelo regulamento da F-1 na época, motores eram limitados a 1,5 litro, sem superalimentação, e a Honda apostou que com mais cilindros menores, maiores velocidades de movimentação dos componentes eram possíveis, e assim mais potência era alcançada em rotações elevadas.
O motor era uma pequena maravilha da engenharia. Quatro válvulas por cilindro, 14.000 rpm e 240 cv, um dos mais potentes da época. Os conhecimentos da Honda adquiridos com as motocicletas ajudaram na criação do câmbio de seis marchas sequenciais para acomodar o motor na transversal.
O RA271 não foi bem sucedido em termos de resultados nas corridas em que participou, mas suas poucas participações na temporada de 1964 mostraram que o carro e o motor eram eficazes, com boa velocidade e bons tempos. Falhas diversas no carro e em uma junta de cabeçote deixaram o piloto Ronnie Bucknum na mão. O seu sucessor, o modelo RA272, foi mais bem sucedido com o mesmo conceito. Com estes dois projetos, a F-1 conheceu a capacidade técnica dos japoneses e seu pensamento fora da caixa, que com o tempo rendeu frutos.
Porsche 917 1970
A Porsche ganhou fama mundial com os motores de cilindros horizontais contrapostos, ou boxer, começando nos pequenos 356 e evoluindo até o 911. No automobilismo, praticamente todos os Porsches usavam o motor boxer, com quatro, seis e oito cilindros.
Entretanto, foi o 917 com motor de doze cilindros que colocou o nome Porsche no topo da pirâmide das corridas internacionais no fim dos anos 1960. Com o 917 em 1970 a Porsche venceu pela primeira vez a 24 Horas de Le Mans na classificação geral, desbancando a Ferrari e a Ford.
Mas o 917 não usa um motor boxer-12? Não. Usa um V-12 de 180° de abertura. Olhando por fora é mesma coisa, mas quando o motor é aberto, a diferença aparece. Os motores boxer utilizam um virabrequim com uma única biela montada em cada moente, enquanto que no V-12, duas bielas trabalham juntas por moente. Isto altera o tamanho total do motor, sendo mais compacto, e até o som é diferente.
Os primeiros motores eram de 4,5 litros, o bloco era fundido em magnésio para ser leve, usava duplo comando de válvulas acionado por engrenagens e injeção de combustível Bosch. Tudo isso resultava em 580 cv sem o uso de superalimentação. Com o uso este recurso, o modelo 917/30 chegava a monstruosos 1.600 cv. A dinastia dos 917 durou enquanto o regulamento do campeonato mundial esporte-protótipos permitia os grandes motores 5-litros, mas com a proibição, os 917 ficaram obsoletos, dando espaço aos Matras 3-litros.
https://youtu.be/l5EEwDX8Wcc
Matra MS670 1972
A equipe francesa com heranças aeronáuticas foi um dos nomes fortes no automobilismo do começo dos anos 1970. Quando foi anunciado o desejo de criar um carro totalmente francês para vencer a 24 Horas de Le Mans, a indústria francesa colaborou da forma que pôde.
O sucesso veio com o modelo MS670, vencendo s 24 Horas de 1972, 1973 e 1974, nas três edições com o francês Henri Pescarolo ao volante como piloto principal. O 670 era equipado com o mesmo motor que era usado na F-1, um V-12 de 60° de abertura, 3 litros com duplo comando de válvulas e 490 cv de potência.
O motor em si não tinha nada de inovador ou revolucionário, porém era uma unidade potente e altamente confiável, pois os critérios de qualidade de fabricação eram altos e similares aos usados na aviação.
O MS670 foi a realização do sonho francês de vencer em casa a maior corrida de longa duração do mundo. A Matra abandonou a F-1 para se dedicar aos carros de esporte-protótipo para manter o bom desempenho que vinham conseguindo nas corridas. O som do Matra V-12 é uma das maiores obras-primas da engenharia de competição já criadas.
Ferrari 641 F-1 1990
Os carros da Ferrari disputaram a F-1 desde 1950, ano da primeira temporada oficial. Muitos dos maiores e mais belos carros da scuderia eram equipados com motores de doze cilindros. Até 1992 a Ferrari usou o V-12 em seus carros, mas a temporada de 1990 da F1 foi a última em que assistimos a disputa pelo título mundial com um carro V-12 com reais chances de vitória.
O modelo 641, pilotado por Prost e Mansell, brigou ponto a ponto com os McLaren de Senna e Berger durante a temporada toda. O McLaren já usava o motor V-10 Honda que tinha uma pequena vantagem de potência máxima, mas o Ferrari V-12 3,5-litros ainda era competitivo.
Foi com este modelo que Prost perdeu o título para Senna naquele famoso acidente no GP do Japão de 1990 na primeira curva da primeira volta, onde Senna entrou por dentro da curva e Prost fechou a porta, batendo e ambos ficando fora da corrida.
Ferraris V-12 de F-1 são icônicos, mesmo que muitas vezes mais problemáticos por conta da maior complexidade frente aos concorrentes com menos cilindros. O ronco deste último carro competitivo da Ferrari é de arrepiar. De quebra, este carro, para mim, é um dos mais bonitos já feitos na história da F-1.
https://youtu.be/LQszm6h1v2k
Jaguar XJR-12 1990
Os carros do Grupo C do Campeonato Mundial de Esporte-Protótipo dos anos 1980 eram os mais modernos do mundo, tão velozes quanto um F-1. Na verdade, nas retas eram bem mais rápidos, chegando aos 400 km/h na reta de Mulsanne em Le Mans.
Os anos 1980 representaram uma época de mudanças na categoria, os motores menores e superalimentados estavam dominando as pistas. A Jaguar, equipe com grande legado em Le Mans, era uma das principais competidoras, passando dos motores aspirados para os motores turbo, mas com o tempo regrediram a decisão.
Em 1990, o modelo XJR-12 equipado com o bom e velho V-12 aspirado mostrou-se mais confiável que o pequeno V-6 turbo que a equipe estava utilizando e tinha diversos problemas de durabilidade. Perto dos rivais, era um dinossauro. O motor tinha 7 litros, duas válvulas por cilindro e um único comando de válvulas por bancada, injeção de combustível desenvolvida dentro da equipe e gerava 750 cv sem muito sofrimento. E o principal, não sofria dos problemas de arrefecimento comuns nos motores turbo.
Com um moderno chassi de compósito de fibra de carbono e o enorme e robusto V-12, venceram a 24 Horas de Daytona e a 24 Horas de Le Mans daquele ano. Foi a demonstração de poder do velho motor inglês sobre os modernos rivais turboalimentados.
Maserati MC12 GT1 2004
A Maserati havia abandonado oficialmente as competições nos anos 1960 depois de alterações nos regulamentos mundiais e pela necessidade de aumentar os investimentos para se manter competitiva, focando apenas nos seus carros de rua.
Em 2004 a marca voltou ao automobilismo na categoria GT1 do mundial de FIA GT com o modelo MC12, que na verdade é um carro construído pela Maserati em cima do chassi do Ferrari Enzo. A estrutura princiapal de compósito de fibra de carbono foi mantida e uma nova carroceria foi esculpida em túnel de vento para o novo carro, com base nos primeiros desenhos feitos por Giorgetto Giugiaro.
O motor é uma variação do V-12 Ferrari de 6 litros usado no Enzo, preparado para suportar os esforços e maus tratos de uma corrida longa como as que fazem parte do campeonato do FIA GT. O carro em si era similar ao Ferrari irmão, mas nas mãos da Maserati recebeu uma carroceria muito mais elegante. Com 650 cv de potência e uma faixa de rotação um pouco mais baixa que a do Enzo, o motor central empurrava o MC12 com vontade.
Em 2005, o MC12 foi campeão da categoria. Não é um verdadeiro motor Maserati e nem um carro 100% Maserati, mas é bonito demais. Que volta às pistas com estilo!
Audi R10 TDI 2006
A Audi dominou os campeonatos de resistência no século 21, vencendo 13 das últimas 16 edições das 24 Horas de Le Mans. Em 2006, revolucionou o automobilismo vencendo a corrida com um carro de motor diesel.
O modelo R10 TDI era equipado com um grande motor 5,5-litros biturbo, com as bancadas do V-12 em ângulo de 90° comum aos V-8, duplo comando de válvulas e quatro válvulas por cilindro. O torque monstruoso de quase 132 m·kgf permitia um escalonamento de marchas longo e aberto, cinco no total.
A grande vantagem do R10 era a eficiência, o que significava menos reabastecimentos e, consequentemente, menos tempo parado nos boxes. Como o carro, além de econômico também era rápido, venceu a corrida com quatro voltas de vantagem para o segundo colocado, um Pescarolo V-10 a gasolina.
O R10 revolucionou o esporte, mostrando que a tecnologia dos motores diesel é competitiva e também quebrou um paradigma centenário, sendo um carro de corrida silencioso. A Peugeot tentou seguir pelo mesmo caminho com o modelo 908 HDi, teve seu sucesso, mas não comparado ao Audi. Lembro de ver em uma entrevista com o responsável pelo desenvolvimento do motor ele afirmando que “barulho é energia desperdiçada, e nós não desperdiçamos nada”. Pessoalmente, eu não gostava da ideia de um carro de corrida sem o ronco do motor, mas ao ver de perto os Audis diesel andando em Interlagos, mudei de opinião. São incríveis.
https://youtu.be/_0R5kbWU7YQ
MB