A terceira semana de convívio com o Fit EXL foi fértil em quilômetros rodados e aprendizado sobre o automóvel e, sem fazer mistério nenhum, afirmo estar cada vez mais bem impressionado sobre o menor dos Honda made in Brazil. Foram mais de 750 quilômetros os acrescentados ao hodômetro neste período, mais de metade disso em estrada. Aliás, “a estrada”. Qual? A minha, aquela onde quis o destino que eu a percorresse, como disse no texto anterior, desde os imemoriais tempos do Fuscão 1500 ano 1972, placa BV-1264 (sim, eu lembro…), com ferrugem que brotava como espinha na cara de adolescente. Nesse Volkswagen eu, pós-adolescente, travei minhas primeiras batalhas ao volante mas… essa é uma história para depois. Agora, ao Fit, usado (e abusado) na tal estrada que liga São Paulo a Ubatuba, no litoral norte de São Paulo, e que pretendo conhecer bem, ou ao menos deveria.
Atenção: é errado falar “estrada”. O correto seria usar o plural, “estradas”. Tem a Dutra, a Carvalho Pinto, a Tamoios, a Oswaldo Cruz e a Santos-Rio para ir, o inverso para voltar. Um cardápio variado que, para quem não conhece, pode ser comparado a um menu degustação de um restaurante turístico. Na entrada te servem uma belíssima rodovia, segue um prato principal feito de uma rodovia nem tão bela assim. A sobremesa é pesada, uma avenidona beira-mar coalhada de lombadas, truques (tachões, desvios mal sinalizados, buracos, areia e desníveis…). Acrescente a tudo isso a errática e peculiar sinalização nativa, que segue a nada invejável tradição verde-amarela de informar pouco e mal, o asfalto “à moda” e radares a gosto (do erário público). Salpicados sobre tudo isso, nós!, os mal-educados usuários da via.
Neste cenário dantesco o Fit mostrou dotes, mais qualidades do que defeitos. E como todo japonês que pisou no Brasil desde a chegada do Kasato Maru em 1908 (vá ao Google se não sabe do que se trata…), mostrou boa adaptação aos tiques de Pindorama, mas também manteve um forte vínculo com a terra de origem.
Primeiro dos vínculos é a azia decorrente da ingestão de piso ruim. Ele gosta muito mais de pisos que lembrem o manto uniforme das estradas japonesas. A Dutra, a Carvalho Pinto e também a “faceliftada” Tamoios, de pavimentação relativamente atual, são bem digeridas pelo Fit. Nelas o japinha segue impecável e o asfalto lisinho ressalta suas competências. Seja a 120, 110 ou 80 km/h, limites destas citadas estradas, tanto quem o dirige como quem está lá de passageiro se sente feliz.
Ao volante a sensação de segurança prevalece. Em velocidade elevada a precisão direcional é de referência e se houver necessidade de mudar de trajetória de maneira rápida, desviando de um imprevisto na via, a manobra ocorre sem colocar em crise o equilíbrio. É o que se espera de um Honda, marca que preza a engenharia elaborada, e que por isso mesmo impõe a pergunta: por qual motivo nosso Fit não vem com o controle de estabilidade VSA (Vehicle Stability Assist) do Fit vendido nos EUA ou do Jazz (mesmo carro) vendido na Europa? Tudo bem que ele é um carro equilibrado mas… segurança (e acessórios inventados para aumentá-la) nunca são demais, especialmente em um país com estradas così così e um trânsito reconhecidamente selvagem, agressivo. Se for por economia (e a chance é total que seja por isso) é necessária a revisão desta grave ausência.
Nas curvas da Tamoios, descendo ou subindo a serra, a vantagem de uma suspensão firme associada aos pneus de perfil 55 se faz ver. Aponte o carro para onde você quiser e ele vai, ágil, seguindo a trajetória determinada de modo impecável. Mesmo forçando a barra a sensação de frente grudada permanece e o palpite é que será a traseira a perder o pé se houver exagero. A direção com assistência elétrica cumpre com seu dever, é rápida, porém, aos fãs de uma tocada esportiva, candidatos a trackdays ou simples entusiastas de um ritmo mais animadinho avisamos que o Fit talvez não seja a escolha ideal. Como boa parte das direções de assistência elétrica ela não prima por transmitir às mãos de quem dirige sensações precisas. Por se tratar de um carro com perfil familiar, isso não é defeito, mas característica.
Mais do que isso, o que penaliza o Fit sob esta ótica esportiva é esta versão com câmbio CVT. Piora o perfil a inexistência de comandos para troca de marchas “virtuais” no volante, que muitos carros equipados com câmbio CVT têm (inclusive o irmãozinho sedã, o City, que tem mesmo motor acoplado a caixa CVT idem). Descer a serra “chamando” a alavanca para a posição S ou L resulta em algum freio-motor mas melhor seria ter às mãos — aos dedos melhor dizendo — o comando das marchas da caixa de câmbio, estabelecidas eletronicamente no CVT.
Estava carregado o Fit nesta viagem? Mais ou menos: três adultos, uma criança. Porta-malas cheio mas não lotaaaaado. Sob os bancos da fileira de trás, que como sabemos tem espaço generoso por conta do reservatório de combustível estar sob o banco do motorista e seu acompanhante, houve como acomodar uma bolsa média e uma mochila. Lembramos que o Fit tem o mais sensacional sistema jamais inventado para abrigar cargas variadas, pois não só rebate o encosto como os assentos sobem, basculam para cima, dando chance para carregar volumes altos e praticamente o que você bem entender.
Nesta viagem não foi usar o sistema mas sua utilidade é indiscutível.
Com a carga de cerca de 275 kg entre seres vivos e suas tralhas — a suspensão do Fit não deu mostras de ceder demasiadamente, coisa que em viagem anterior com um exemplar do antigo Fit pareceu acontecer. Ponto para o novo! A “tribo”de viajantes, acostumada ao Fit anterior elogiou o interior, considerado mais espaçoso, o que é resultado de um crescimento de três centímetros na distância entre-eixos e de dez no comprimento total. Houve também um rearranjo feliz do painel de instrumentos e dos painéis das portas. Bancos? São firmes, mas bem desenhados não podem ser chamados de desconfortáveis. Evidentemente quem vai nos individuais está mais bem sentado, mas no banco traseiro (bipartido 1/3-2/3) há possibilidade de escolher entre dois estágios de inclinação do encosto. Este Fit oferece 12,2 cm a mais de espaço para as pernas de quem senta atrás. Uma dessas passageiras reclamou não haver porta USB ou ao menos uma tomada 12 V, assim como observou não haver saída de ventilação/ar-condicionado. Exigente? Talvez não tendo em vista se tratar do Fit EXL, o mais caro disponível. Que dirigiu, eu, notou que a o recuo do assento do motorista é miserável. Tenho pouco mais de 1,80 m de altura e dificilmente uso a posição mais recuada como o fiz no Fit. Não é um carro para os extremamente altos…
Para chegar ao destino, a casa de praia que paradoxalmente fica na montanha, exige-se alguma atitude off-road dos carros. Nada demais, mas nem de menos: os mais baixos ou com frentes (ou traseiras) muito compridas tendem a esbarrar em irregularidades se não houver cuidado. Como foi com o Fit? Foi bom, contato zero ou quase, com apenas a frente roçando de leve em um desnível mas, felizmente, não com “partes nobres”, mas sim com uma espécie de defletor de borracha flexível situado a meio caminho entre a extremidade inferior do para-choque dianteiro e o eixo. Uma olhada na parte inferior para descobrir essa boa solução (a borracha flexível…) mostrou também que as partes mecânicas do Fit estão bem encapadinhas. Não se trata de um protetor de cárter convencional, uma chapa de aço bruta para evitar danos, mas sim de uma proteção plástica, mais elegante, mas nem por isso menos eficaz em termos de proteção. E com evidente função aerodinâmica.
Sem sustos nas irregularidades, o Fit subiu e desceu a pirambeira de maneira desenvolta. O único senão foi a marcante tendência de “levantar as patinhas”, as traseiras claro, nas curvas fechadas em desnível acentuado. Nada de mais, apenas uma questão de curso de suspensão curto o que não é defeito em um carro urbano, mas sim característica. O sobe e desce deu chance para experimentar o câmbio em posição L, que faz com que o motor fique sempre em rotação mais alta do que se no mesmo trajeto fosse usada a alavanca na posição D. Nem mesmo esses trajetos íngremes conseguiram derrubar a marca de consumo excelente que o computador de bordo exibia na chegada: 16 km/l, registro que apenas o Volkswagen up! TSI foi capaz de fazer melhor neste mesmo trajeto (17,3 km/l). Na chegada a São Paulo, depois de mais de 400 km rodados, a média de consumo obviamente caiu por conta de subida da serra (e de uma certa pressa para chegar), mas ficou em muito aceitáveis 14,0 km/l. Esta marca me deu a certeza de que, sim, o novo Fit com câmbio CVT “bebe” bem menos que o anterior com câmbio automático, que nesta mesma viagem nunca foi capaz de fazer melhor do que 12 km/l.
Uma passageira conhecedora do Fit antigo apontou um aspecto menos feliz no atual: a forração do porta-malas, agora feita de um material que “amassa”, enquanto no anterior o revestimento era mais rígido. Outra piora — mencionada anteriormente — é a troca das palhetas do limpador de para-brisa, agora do tipo convencional. Antes eram “flat blade” e nesta viagem tirei a prova dos nove e, de fato, elas fazem um barulho muito chato a partir dos 100-110 km/h. No trecho rápido da volta a São Paulo, removi a palheta maior e… voilá, o barulho sumiu!
Pecadinhos à parte, o Fit EXL entra em sua semana derradeira e já deixa entrever a saudade que sentirei dele. Se meu, ganharia palhetas modernas e, na hora da troca dos pneus, talvez uma receita mais careta mas certamente mais confortável, a rodagem que equipa os DX e LX, os 185/60 em aro 15. Seja como for, a visita à Suspentécnica está agendada e lá, como de costume, nossos 30 dias com o Fit EXL serão fechados com chave de ouro.
RA
HONDA FIT EXL
Dias: 21
Quilometragem total: 1.860,8 km
Distância na cidade: 809,8 km (43,5%)
Distância na estrada: 1.051,0 km (56,5%)
Consumo médio: 10,1 km/l (gasolina)
Melhor média: 14,0 km/l (gasolina)
Pior média: 7,0 km/l (gasolina)