A era dos motores turbo da Fórmula 1 nos anos 1980 deixou nomes gravados na história da categoria que nunca serão esquecidos. Os motores BMW turbo de 1.500 cv, os pioneiros Renault V-6 e, não menos importante, os McLaren-Porsche.
Os títulos mundiais conquistados pela McLaren em 1984, 1985 e 1986 com Niki Lauda e Alain Prost foram possíveis graças ao motor V-6 biturbo da TAG-Porsche que era competitivo e capaz de superar o BMW turbo da Brabham de Nelson Piquet, campeão de 1983.
O desenvolvimento deste motor, por sua vez, conta com uma passagem muito curiosa, pois normalmente para se desenvolver um componente automobilístico, os testes são feitos o mais próximo possível das condições de utilização reais, e no caso do V-6 da McLaren não foi bem assim.
No final de 1981, a McLaren que era comandada por Ron Dennis, precisava de um novo motor que fosse competitivo e a opção dos turbos não mais poderia ser descartada. Os carros de F-1 não podiam mais utilizar alguns dos recursos aerodinâmicos do efeito-solo, como as saias móveis laterais, por questões de segurança, e a única forma de se conseguir gerar downforce, a desejada força vertical descendente, era com o uso de asas com ângulos de ataque mais pronunciados. Isto, por sua vez, aumenta o arrasto, e mais potência do motor era necessária para suprimir esta deficiência.
A Porsche já possuía bastante experiência em turbos graças aos carros de esporte protótipo e tinha um engenheiro genial por trás do time de desenvolvimento de motores, o alemão Hans Mezger, responsável pelo projeto de motores lendários como do 911, 917 e o 917/30 turbo. Hans, inicialmente, não gostava muito da ideia de trabalhar com um motor de apenas 1,5-litro por conta do estresse mecânico que seria colocado sobre o conjunto para gerar potência suficiente, mas o regulamento da F-1 não dava muita brecha neste quesito.
Os primeiros esboços do novo motor mostravam um V-6 com dois turbocompressores laterais, mas com o ângulo entre as bancadas de 80° e não o mais tradicional 120° como nos Renault. O motor mais estreito e compacto foi uma solicitação do projetista do chassi da McLaren, John Barnard, que não abria mão de modificar o chassi e reduzir os extratores do assoalho do carro. O novo McLaren que utilizaria o motor turbo já contava com o revolucionário monobloco de fibra de carbono introduzido no modelo MP4/1.
Ron Dennis precisava agora de alguém para pagar a conta da Porsche, e recorreu a Mansour Ojjeh, milionário saudita presidente da Techniques D’Avant-Garde (TAG), uma holding de diversas empresas com grande captação de dinheiro. Os olhos de Ojjeh brilharam com a ideia de participar ativamente em uma equipe de F-1 e junto com Ron Dennis atuar na TAG-McLaren, desde que o nome de sua empresa estivesse presente tanto no carro como no motor que ele bancaria. Era a pessoa certa que assinaria os cheques da McLaren para a Porsche.
O desenvolvimento do que viria a ser o motor TTE-P01 (Tipo 2623 como era chamado internamente na Porsche) foi iniciado e rapidamente os primeiros protótipos estariam rodando em bancadas de teste em outubro de 1982, produzindo números entre 550 e 650 cv. O ângulo estreito entre as bancadas foi mantido, os dois turbos KKK posicionados nas laterais do motor tinham arrefecimento especial e o sistema de alimentação Bosch era um derivado dos Porsches 956. Muito alumínio, magnésio e titânio foram utilizados na construção do motor para este ser resistente e leve.
A proposta inicial do time de engenharia era estrear o motor no campeonato de 1984, mas Lauda insistiu para que fosse feito em 1983, no meio da temporada, o que demandaria testes mais rápidos e um desenvolvimento mais objetivo e com menos tempo para solucionar os problemas que aparecem ao longo do caminho. Mesmo com diversos laboratórios dos mais modernos do mundo na Porsche, a melhor forma de certificar o novo motor era andando em um carro. Entretanto, utilizar um chassi McLaren que ainda estava a ser definido em função das mudanças necessárias para adequar o carro ao motor demoraria muito e atrasaria o desenvolvimento. A solução era utilizar outro carro, e por que não um Porsche?
O mais similar que se poderia encontrar de um F-1 na época era um carro de esporte protótipo, e isto a Porsche tinha de sobra. O modelo 956 já havia conquistado a 24 Horas de Le Mans em 1982 e dominava os campeonatos de resistência pelo mundo afora, era um excelente carro. O chassi número 107 que foi usado no lançamento do 956 e ainda não havia sido utilizado em corrida foi escolhido para ser o carro de testes do TTE-P01. Modificar o carro para receber o motor não foi uma tarefa das mais difíceis para a Porsche, uma vez que o carro já possuía um motor estrutural central e era biturbo, mesmo sendo um boxer de 6 cilindros.
O #107 era um carro todo branco, apenas com uma sobra de pintura colorida do esquema de cores da Rothmans na porta direita, provavelmente reaproveitada de um dos carros oficiais da equipe principal. O que destacava este de um 956 convencional eram duas coberturas em forma de caixotes retangulares de alumínio na parte de cima da carenagem do motor que escondiam os escapamentos das duas turbinas. Esta era provavelmente a forma mais realista de simular como seria o escapamento do motor no McLaren.
Os testes secretos na pista do campo de provas de Weissach da Porsche em 1983 fizeram avanços consideráveis no desenvolvimento do motor, acertando as questões de arrefecimento, sempre problemáticas em motores turbo, e a lubrificação interna do motor, que contava com um sistema de alimentação de óleo pelo centro do virabrequim até os mancais.
O segundo piloto da McLaren na época, o britânico John Watson, e o engenheiro/piloto de testes da Porsche, Roland Kussmaul, avaliaram o 956 V-6 na pista e sentiram melhorias no que era esperado do motor em relação ao lag dos turbos na aceleração, captados nos testes de bancada na fábrica. Em uma entrevista anos depois, Watson lembra que quando chegou em Weissach e viu o 956 com o novo motor, não entendeu muito bem o que estava acontecendo mas foi andar no carro, e depois das avaliações na pista, Ron Dennis e John Barnard chegaram ao local e viram o carro, algo que supostamente foi feito por conta da Porsche sem muita comunicação com a McLaren e não agradou aos chefão da equipe.
São raras as fotos dos testes com o 956 V-6, único de sua linhagem, que se não fosse por este carro, provavelmente o motor TTE-P01 só viria as pistas meses depois, talvez prejudicando o lançamento mesmo para 1984.
Após os testes com o 956, quando os principais problemas de instalação já haviam sido sanados e o grau de confiança era maior, um chassi de McLaren MP4/1 foi modificado para receber o novo motor V-6 e colocado a prova na mesma pista de Weissach. Este evento foi fotografado por algumas pessoas, que pela posição das fotos e a reação das pessoas, não deveria estar ali com uma câmera nas mãos.
Na corrida de Zandvoort, Holanda, de 1983, o MP4/1E com o novo motor V-6 estreou na Fórmula 1. Uma grande pressão política por parte de Lauda junto com a Marlboro forçou a equipe a colocar o novo V-6 biturbo nas pistas antes do que o chefe do projeto John Barnard gostaria, e, mesmo com um carro rápido o suficiente para brigar pelas primeiras posições, os resultados foram diversos problemas técnicos e nenhuma corrida completada no ano, apenas com Lauda mesmo sem terminar a corrida última corrida do ano com problemas elétricos conseguindo se classificar em 11º.
Em 1984, o novo MP4/2 projetado exclusivamente para o V-6 TAG-Porsche estreou na F-1 e tudo foi bem diferente para a McLaren e seus pilotos. Deste ano até 1986, venceram a maioria das corridas dos campeonatos, levando os títulos do mundial de pilotos para Niki Lauda (1984) e Alain Prost (1985 e 1986), enquanto que a McLaren vencia o mundial de construtores nos anos de 1984 e 1985.
MB