Não é de hoje que motores têm alguma forma de limitador de rotação para evitar danos. Salvo alguns casos, os conta-giros ainda têm uma faixa vermelha que representa perigo para a integridade do motor caso a rotação vá além do final da faixa.
O principal dano, e praticamente o único, é ocorrer flutuação de válvulas — elas não têm tempo de fechar, de voltar às suas sedes — e serem atingidas por um ou mais pistões quando estes se aproximam do ponto-morto superior. O estrago sempre é grande.
Lembro-me de nos Porsche 911 o limitador ser no rotor (“cachimbo”) do distribuidor, em que na rotação-limite uma pequena massa nele se afastava e cortava a corrente elétrica de alta tensão para as velas.
Quando veio a injeção eletrônica ficou mais fácil, na rotação preestabelecida o módulo de controle eletrônico (ECM, a sigla em inglês) “mandava” as válvulas de injeção (injetores) interromperem o fornecimento de combustível. Todos aprendemos a conviver com o corte de alimentação, quando o motor tranqueava, o que nunca foi tão agradável: era um corte “sujo”.
Com o advento do acelerador elétrico sob comando do ECM na primeira década dos anos 2000, vislumbrou-se outra maneira de limitar rotação, fechar-se a borboleta de aceleração por si só, sem interferência do motorista. Desse modo, ao ser atingida a rotação-limite esta não aumentaria mais, e de maneira absolutamente suave. É o corte “limpo”.
Qual o melhor?
Nem um, nem outro, mas os dois combinados. O “sujo” é desagradável, incômodo, porém o motorista logo sabe que dali a rotação não sobe mais. Se estiver em aceleração, como ultrapassando sem muita folga, tem que subir marcha imediatamente.
O “limpo” é suave, o motor não tranqueia, mas o motorista pode não perceber que o limite chegou, e numa situação de ultrapassagem como descrita acima ele pode pode se ver em apuros.
Por isso já vê em alguns carros o corte “misto”: ao entrar no limite há um corte “sujo”, rápido, que avisa “estou cortando”, para em seguida passar ao modo “limpo”. Esse é corte ideal.
Salvaguardas
Excesso de rotação
A indesejada rotação excessiva é impossível de ocorrer nos carros com câmbio robotizado e automático, seja este epicíclico ou CVT. O ECM do câmbio “não deixa” engatar marcha inferior se disso resultar excesso de rotação.
Os leitores ou leitoras mais atentos já devem ter notado que as imagens de motores de F-1 “explodindo”, ou seja, quebrados acompanhado de densa fumaça azul, a de óleo, praticamente desapareceram depois que o câmbio robotizado foi adotado na categoria, começando pela Ferrari no GP do Brasil em 1989 — com vitória, Nigel Mansell. Já havia o corte na subida de giro desde os anos ’60, mas não quando da redução de marcha. Com o câmbio robotizado foi eliminada uma grande causa de quebra de motores. Os pilotos não erram mais as trocas de marchas.
Nos carros manuais nossos de cada dia, todavia, o perigo de excesso de rotação nas reduções continuam rondando, especialmente nos carros de baixa cilindrada.
Caso do Celta 1-litro VHC, cujo câmbio é sabidamente bem curto. A v/1000 em terceira é 14,2 km/h. A 6.400 rpm, pico de potência, o carro está a 90,9 km/h; no corte a 6.600 rpm, a 93,7 km/h. Se for feita redução para terceira a 110 km/h, que normalmente todo carro aceita, no Celta a rotação vai a 7.750 rpm. O atropelamento de válvulas é líquido e certo.
Quando meu irmão fazia parte do SAC da GM, de 1998 a 2004, atendendo pela internet, contava-me como era frequente clientes escreverem clamando por garantia de motores quebrados, que um simples exame revelava ter sido causado por excesso de rotação, mau uso e portanto não coberto pela garantia.
Já no Corsa Wind, 1 litro, a v/1000 em terceira é 17,4 km/h, em que uma redução a 110 km/h leva o motor a 6.300 rpm, portanto sem haver danos. Era óbvio que quem tinha Corsa antes caía facilmente nessa “armadilha”.
Mas independente de quebras ou não, já falei aqui no AE incontáveis vezes e vale repetir: a maneira mais eficaz de reduzir velocidade de qualquer veículo é pelo freio, não pelo efeito frenante do motor. O mesmo Celta que acelera de 0 a 100 km/h em, digamos, 15 segundos, para, pelo freio, vindo dos mesmos 100 km/h, em não mais que 3 ou 4 segundos. Isso quer dizer simplesmente que o freio é bem mais potente que o motor.
Acelerador preso aberto
Ainda estão na memória de muitos os inúmeros casos, em 2010, de acelerador preso em Toyotas e outras marcas, especialmente nos EUA, até com acidentes fatais. Os casos relatados por quem escapou tinham um denominador comum, o de tentar parar o carro pelo freio e não adiantar. No caso explica-se por não haver depressão no coletor de admissão para acionar o servofreio estando o acelerador todo aberto, o que requereria muito esforço no pedal para obter algum resultado e quase ninguém tinha noção da força necessária no pedal.
Depois disso a indústria tratou de criar uma salvaguarda para casos como esse, chamando-a de prioridade para o freio (BOS, brake override system). Hoje praticamente todos os carros têm a estratégia, que consiste em levar a borboleta de aceleração a fechar caso o carro esteja sendo acelerado e em seguida freado, simultaneamente.
Experimente no seu carro, se relativamente moderno: em segunda marcha, acelere forte e em seguida freie com o pé esquerdo. Você perceberá que o acelerador fechou sozinho mesmo com acelerador a fundo ou quase: o carro diminui logo a velocidade.
Essa estratégia, todavia, não impossibilita o punta-tacco, uma vez que na manobra primeiro se freia, depois se dá a aceleração interina.
Veja o breve vídeo sobre o corte:
BS