A 500 Milhas de Indianápolis representa um dos grandes marcos do automobilismo mundial. É uma das raras corridas que ainda se mantém fiel às suas origens, desde sua primeira edição em 1911. Quatro curvas simétricas para a esquerda, duas milhas e meia (4 km) por volta em um total de duzentas voltas e muita coragem para acelerar. Nada mais.
As regras evoluíram ao longo dos anos, assim como os carros, seguindo o ritmo das novas tecnologias disponíveis e o interesse em criar um espetáculo sempre atraente ao público e não aos interesses paralelos ao esporte como patrocínios e exposição de mídia, talvez este o grande diferenciador da Indy se comparada com a F-1, ao meu ver.
Sendo um circuito único no mundo, com características construtivas que nenhum outro autódromo possui, Indianápolis acabou gerando necessidades especiais dos carros que nele competem para que fossem mais eficientes e velozes.
Nas primeiras décadas da Indy 500 os carros eram basicamente todos de motor dianteiro e tração traseira, que os americanos chamavam de roadsters. Os motores variavam bastante, tento até participação de carros a diesel nos anos 30 e 40, quando o piloto Dave Evans completou as 500 milhas sem nenhuma parada para reabastecer. Anos depois surgiam os famosos motores Offenhauser, criação do genial Harry Miller, mas esta é uma outra história.
A construção dos carros evoluiu, o motores ficavam com mais potência e assim cada vez mais a aerodinâmica ganhava importância. Com velocidades já acima dos 250 km/h nos anos 50, manter os carros na pista sob controle era um desafio e tanto. A engenharia aplicada nos carros evoluiu muito quando competidores europeus do mundo da F-1 entraram na disputa, especialmente quando o escocês Jim Clark venceu a corrida de 1965 com o Lotus 38-Ford de motor central-traseiro. Era o marco zero da revolução dos motores centrais, e nunca mais um carro de motor dianteiro venceu a corrida.
Nas décadas seguintes, os carros já chegavam aos 300 km/h e a necessidade de melhorar a aerodinâmica foi primordial para que novos recordes de velocidade fossem alcançados. Não só o recurso da adição de asas para gerar downforce foi muito explorado, como também a redução de arrasto para não prejudicar a velocidade máxima, dois elementos conflitantes em si mesmo.
Carros com formas bem exóticas surgiram na década de 70, tempos em que a própria F-1 tinha grandes inovações em aerodinâmica. As pistas eram laboratórios para os engenheiros de aerodinâmica testarem suas novas teses e conceitos.
Como Indianápolis requer um equilíbrio entre downforce e pouco arrasto, os aerofólios evoluíram para configurações diferentes das utilizadas em circuitos mistos, onde o downforce requerido é bem maior.
A otimização da forma da carroceria dos carros passou por um ponto onde julgo ser a forma mais pura de um carro de corrida do tipo fórmula, ou open wheel como os americanos falam, dos últimos anos. Por gosto pessoal, esta fase da categoria teve os mais belos carros, justamente pela pureza do design. Estes são os carros de meados dos anos 90, uma época gloriosa da Indycar quando pilotos deixavam a F-1 para correr nos Estados Unidos. Emerson Fittipaldi, Nigel Mansell, Alex Zanardi e Nélson Piquet são bons exemplos.
Pequenas asas dianteiras quase planas e de uma superfície única, um aerofólio traseiro baixo e estreito com um plano só, nenhum outro elemento aerodinâmico adicional exceto o próprio corpo do carro. O mais simples possível, belo e eficiente. Os Penske branco e vermelho das cores da Marlboro, os Newman/Haas branco e preto e os Chip Ganassi vermelhos da Target. Pinturas tradicionais e que marcaram uma geração de equipes e pilotos.
Não podemos comparar estes carros com os modelos atuais em termos de segurança. Muita coisa mudou ao longo dos anos e os carros ficaram bem mais seguros para os pilotos.
Antes desta fase dos anos 90, os carros seguiam um pouco a linha de desenho da F-1, com carrocerias mais arredondadas e “volumosas”. Era o conceito de melhor aerodinâmica que havia na época, o que se entendia como mais adequado. No fim dos anos 80, os carros da F-1 estavam migrando para desenhos mais angulares, com linhas mais retas e fazendo os carros cada vez mais baixos. Os Indys mantiveram a forma mais encorpada por alguns anos a mais e a evolução disso foram carros mais limpos, com linhas arredondadas, porém a forma geral do carro era reta, como uma flecha. As laterais dos carros eram longas, ocupando boa parte do espaço entre as rodas, e este formato junto com o assoalho também fazem parte do conjunto aerodinâmico do carro como um todo, mais ou menos como um efeito solo.
Um ponto que demonstra bem que a ideia de aerodinâmica ideal tornou-se distinta entre F-1 e a F-Indy nesta época é o bico dos carros. Enquanto os F-1 migraram para bicos mais largos, alguns em forma de cunha ou achatados, mais adequados para gerar mais downforce, os F-Indy utilizavam bicos pontudos em forma de cone. O coeficiente aerodinâmico exato não é divulgado, mas podemos supor que os bicos dos F-Indy são propícios a vencer a barreira do ar com facilidade bem maior.
Além do bico em si, os aerofólios dianteiros são distintos, este ponto é mais óbvio pelo fato da alta velocidade requerida em Indianápolis. Nos demais circuitos do campeonato da F-Indy que não são superspeedways (ovais de alta velocidade), as asas dianteiras são maiores, mais parecidas com as da F-1, onde é mais importante ter mais downforce do que menos arrasto. O mesmo vale para o aerofólio traseiro, especial para superspeedways.
Hoje em dia os carros que correm na 500 Milhas são os mesmo da categoria Indycar mas com um kit aerodinâmico especial para andar em Indianápolis. Há alguns anos estes carros foram sendo modificados por regulamentos cada vez mais restritivos em termos de carroceria e com grande foco em segurança, onde praticamente cobriram as rodas traseiras para evitar toques diretos entre pneus com outros carros, evitando assim decolagens. Nada contra segurança, pelo contrário, é um dever dos organizadores pensar nisto, mas talvez houvessem outras formas que não esta. Em suma, não são carros que agradam os olhos da maioria das pessoas e a engenharia teve que lidar com isso como pôde.
O conceito das asas pequenas com elementos simples continua sendo aplicado hoje em dia para os superovais. O desafio dos fabricantes que desenvolvem os kits de carroceria é justamente manter o arrasto aerodinâmico reduzido com todos os elementos mandatórios por regulamento, protegendo as rodas traseiras e as laterais do carro.
De forma geral, em diversas categorias e ao longo dos anos, os carros ficaram mais rápidos em curva, por pneus melhores, suspensão mais sofisticada e aerodinâmica mais evoluída. Isto é mais nítido em circuitos mistos, onde a velocidade de contorno de curva tende a aumentar mas a velocidade máxima em si não muda muito. Pensando em termos de velocidade máxima e média para circuitos ovais como Indianápolis onde a variação de velocidade ao longo de uma volta não é grande, a evolução ao longo dos anos é mais gradativa, chegando até o patamar atual.
O recorde em corrida na 500 Milhas é do americano Eddie Cheever em 1996, com incríveis 380 km/h de média em uma volta. No mesmo ano, o holandês Arie Luyendyk fez a volta mais rápida da história durante os treinos, com 385 km/h de média. Na corrida deste ano, a média mais rápida foi de “apenas” 375 km/h nos treinos do francês Sébastien Bourdais, antes de se acidentar.
Um parêntese: é hábito dos americanos exprimir desempenho na pista pela velocidade média e não por tempo de volta. Uma rápida conta diz que em Indianápolis 385 km/h de média corresponde a um tempo de volta de 37,402 segundos. Nos resto do mundo, como sabemos, é só tempo da volta.
Esta condição mostra como é o avanço da categoria de forma bruta. A velocidade dos carros está de certa forma constante nos últimos anos, mas os carros estão mais sofisticados, mais fáceis de se pilotar de acordo com os pilotos, e também mais seguros, tudo isso com as diversas carenagens extras protegendo as rodas traseiras. Pessoalmente, para mim, não estão mais bonitos, mas isto é do gosto de cada um. O que importa é que a 500 Milhas ainda é emocionante.
MB