Desta vez foi a curiosidade que me fez pesquisar alguns números para a coluna desta semana e não apenas o tédio. Nem estou com disposição de discutir com ninguém, não, apesar de ter escolhido um assunto polêmico. Sigo, sim, de molho com meu robot foot, mas algumas notícias aqui e ali me chamaram a atenção.
Como vocês sabem tenho o hábito de ler tudo — bem, quase tudo. Bula de remédio deve ser a única coisa que não olho nunca. Para quê? Não estudei Medicina. Tenho o maior respeito por médicos e acho que cabe a eles saber o que me receitam. Eu estudei Jornalismo e por isso nem olho o que está escrito naqueles papeizinhos. Apenas vejo se tenho alguma reação diferente e se, por exemplo, o oftalmologista me receita algo conto para o clínico geral. E eles que se entendam. Mas fora isso, leio qualquer coisa.
E foi assim que dei de cara com algumas notícias sobre a liberação da maconha no Uruguai, agora para uso recreativo — já era permitida a venda para usos medicinais. Aí me lembrei de um estudo que havia visto há algum tempo sobre os efeitos da liberação da maconha sobre o trânsito nos Estados Unidos.
Não vou entrar aqui nas questões morais, ideológicas nem mesmo de saúde. Não falarei sobre os efeitos da maconha sobre o organismo nem sobre a questão tributária ou policial — nem mesmo nos casos de uso com prescrição médica, sejam eles bons ou ruins. Limitar-me-ei (viram? Eu também sei usar mesóclises) a constatações feitas por hospitais, seguradoras e acadêmicos em pacientes acidentados que dirigiram depois de ter fumado maconha. Como acontece com tudo, há estudos para qualquer teoria, mas vou detalhar vários que nem são assim tão diferentes. Basta analisá-los com bom senso.
No ano passado houve aqui no Brasil a 21ª Conferência do Conselho Internacional sobre Álcool, Drogas e Segurança no Trânsito. Sobre as consequências do álcool já há muitos estudos tanto no Brasil como no exterior. Por isso gerou bastante interesse a apresentação da bioquímica e doutora em Toxicologia americana Marilyn Huestis, que pesquisa o abuso de drogas há mais de duas décadas.
Segundo ela, o uso de maconha dobra o risco de acidentes graves. Ela contou que o estado de Iowa tem o simulador de direção mais avançado do mundo onde se testa a maconha com e sem doses de álcool — que é, segundo ela, a droga lícita número 1 em prejuízos à direção. Mas, segundo ela, a maconha é a droga ilícita mais comum relacionada a ferimentos graves e a óbitos no trânsito. “Sabemos desde os anos 1970 que a embriaguez ao volante vem decaindo. Tem sido feito um bom trabalho, com boas iniciativas para reduzir o consumo de bebida alcoólica. Mas sabemos que o consumo de drogas associado à direção subiu. Quando as autoridades finalmente passaram a coletar sangue e fluido oral para verificar a presença de drogas, foi chocante: 8,3% dos motoristas dirigindo à noite tinham THC (princípio ativo da maconha) no sangue ou na saliva.”
Há quatro estados americanos, mais o Distrito de Colúmbia, que permitem o uso recreativo legal de maconha, e mais de 25 estados permitem o uso medicinal. “Temos uma droga ilegal com uso médico. Como controlar isso? Como fica a segurança? Como controlar esses usuários dirigindo? Não sou uma puritana quanto às escolhas de cada um, mas se trata de um problema de saúde e de segurança pública. Há muitos estudos dizendo que o uso de maconha dobra o risco de acidentes graves, então como lidar com isso? Acho que as pessoas têm de tomar decisões com base em informações. Já estive em muitas legislaturas estaduais e posso garantir que as pessoas que estão decidindo não entendem as consequências disso. O meu trabalho, como cientista que tem estudado isso, é divulgar a informação científica”, disse a pesquisadora.
No Estado de Washington, seis semanas após a legalização, o número de casos envolvendo motoristas incapacitados pelo uso de maconha cresceu 25%. Está bem acima dos 30% agora, afirmou ela. “Se fumar maconha, não dirija.”
Estudos semelhantes foram feitos no Canadá com resultados iguais. O trabalho “Acute cannabis consumption and motor vehicle collision risk: systematic review of observational studies and meta-analysis”, divulgado pelo jornal British Medical Journal em 2010 com 50.000 pessoas que se envolveram em acidentes de trânsito concluiu que fumar maconha pode quase dobrar o risco de acidentes graves ou fatais — mas não se sabe qual é a relação entre a droga e acidentes leves. O álcool ainda é a substância mais perigosa em relação a acidentes de veículos, mas, como disse antes, ele é muito mais pesquisado e por isso não vou falar disso aqui.
O trabalho é bem abrangente, pois analisou pessoas de vários países. De acordo com a pesquisa, os estudos analisados sugerem que a droga prejudica o desempenho de funções cognitivas e motoras que são essenciais para a condução segura de um veículo. Além disso, eles observaram que as taxas de indivíduos que dirigem sob o efeito de maconha, em muitas cidades, vêm aumentando mais do que em relação aos motoristas que dirigem após consumir álcool, embora, tal como concluiu a pesquisadora americana, a bebida alcoólica ainda seja a substância mais perigosa no trânsito.
A Fundação AAA para Segurança no Trânsito, dos Estados Unidos, também pesquisou o assunto. Num relatório divulgado este ano, conclui-se que os acidentes fatais envolvendo motoristas que usaram maconha antes de dirigir dobraram em Washington desde que o estado legalizou a droga. Segundo a fundação, a porcentagem destes acidentes aumentou de 8% para 17% apenas no período entre 2013 e 2014. O relatório diz que um em cada seis motoristas envolvidos em acidentes fatais em 2014 havia feito uso de maconha antes de pegar o volante. Evidentemente, e aí vai uma consideração minha, pode ter havido motoristas que consumiram maconha e não sofreram nem provocaram acidentes, mas é significativo o número daqueles que sim entre os que sofreram acidentes. Não consegui saber se essa foi a única droga encontrada no sangue deles, mas tudo leva a crer que sim. Mas, repito, não tenho 100% de certeza.
O presidente da Fundação AAA, Peter Kissinger, disse que “o aumento significativo dos acidentes fatais envolvendo a maconha é alarmante. Washington serve como um estudo de caso de abrir os olhos para o que outros estados podem ter de experiência com a segurança rodoviária após a legalização da droga”.
Alguns estados americanos criaram limites legais que especificam a quantidade máxima de THC que os motoristas podem ter em seu organismo. No entanto, a fundação observa que esses limites são problemáticos, porque a maconha pode afetar as pessoas de formas diferentes, o que torna difícil de criar diretrizes consistentes e justas.
Mas, é claro, há alguns estudos que apontam em outras direções, embora usem metodologias diferentes. Um, conduzido por uma ONG favorável à liberação da maconha para usos medicinais, aponta que a liberação do uso medicinal reduziu o número de acidentes porque caiu em 5% o consumo de cerveja. Segundo alegam os defensores dessa linha de raciocínio, as pessoas tendem a ficar mais calmas também e pessoas com problemas de saúde não têm convulsões com a medicação.
Pessoalmente, juro que não consigo entender o que uma coisa tem a ver com a outra. Para mim a redução no consumo de cerveja é apenas uma coincidência estatística, pois estamos falando de cannabis medicinal, não recreativa e também não sei por que pessoas com problemas de convulsões constantes dirigiam quando esse problema não estava sob controle.
Seguradoras também se dedicaram a analisar a questão — parte interessadíssima que são nesse assunto. O Insurance Institute for Highway Safety analisou pedidos de indenizações por colisão de veículos entre janeiro de 2012 e outubro de 2016 e os comparou em estados que haviam legalizado recentemente a maconha (Colorado, Washington e Oregon, especificamente) com pedidos em estados vizinhos semelhantes onde isso não havia acontecido. No mesmo período, a diferença encontrada foi 3 pontos porcentuais mais alta do que nos estados sem liberação de maconha. Segundo os pesquisadores, embora o número seja pequeno, é significativo.
Na outra direção, um estudo publicado pelo American Journal of Public Health disse não ter encontrado aumento no volume de acidentes de carro com morte no Colorado e em Washington depois da legalização. Novamente, diferentes metodologias, pois o estudo do IIHS somente analisou colisões e não acidentes fatais. O período também é diferente: aqui foi de 2009 a 2015. Ainda assim, acidentes de carro, fatais ou não, aumentaram e ambos merecem atenção, pois deixam sequelas e, ainda do ponto de vista econômico, tem custos de internação e atendimento médico.
Em 2014, um estudo da Universidade Columbia analisou os exames toxicológicos de 24.000 motoristas vítimas fatais de acidentes de carro e concluiu que o consumo de maconha contribuiu com 12% das mortes ocorridas em 2010. Essa porcentagem é o triplo do constatado uma década antes. Segundo o estudo, a maioria dos casos era de motoristas jovens — 25% dos condutores mortos tinha abaixo de 25 anos.
Enfim, dizer que a questão está longe de ser simples é um clichê, mas raríssimas vezes vi abordarem a questão da segurança viária quando se fala de descriminalização de drogas — e nunca no Brasil. Somente nos Estados Unidos e, ainda assim, tempos depois de que a medida foi adotada. Gosto de pensar sempre de uma maneira em ampla tanto os problemas quanto as soluções. Sabem a teoria do caos? Aquela que diz que o bater de asas de uma borboleta pode provocar um tufão do outro lado do mundo? É bem por aí. Mas poucos lembram disso.
Mudando de assunto: Gosto muito do circuito da Velo Città e gostei de ver pela primeira vez a Stock Car correr lá. Bem desafiador, mas acho meio esquisita essa segunda corrida na sequência, com inversão das posições. Sei lá, acho que a primeira comemoração fica meio chocha. Mas foi uma corrida cheia de alternativas. Valeu a pena assistir.
NG