Ainda hoje esta pergunta é feita em relação ao fato de se ter ligado a luz indicadora de direção — a denominação oficial do Código de Trânsito Brasileiro —, popularmente pisca-pisca, mas qual é a origem disto? Muitos de vocês devem ter se espantado com a foto de entrada desta matéria, de natureza off-topic da coluna, mas ela tem tudo a ver com o que vamos falar; em especial o caminhão antigo da esquerda na foto. Logo você saberá a razão disto.
No início da era do automóvel as coisas eram muito tranquilas. Poucos veículos automotores, muitos parecendo carroças sem cavalos, dividindo o espaço com carroças e charretes. Mas com o tempo o uso das ruas e estradas começou a demandar mais organização.
Um dos aspectos que complicavam o trânsito era não ter como indicar aos outros o que o motorista pretendia fazer, e aí surgiram os sinais com o braço para fora do carro. Também para acionar a buzina a ar apertando o balão de borracha ou manobrar alavancas externas, o pobre sinesíforo (nome antigo de motorista que já caiu em desuso) tinha que colocar o braço para fora do carro, e isto com chuva ou no inverno era muito penoso.
Muitos podem desconhecer, mas essa sinalização com o braço continua em pleno vigor e devidamente mencionada no Art. 196 do Código de Trânsito Brasileiro: “Deixar de indicar com antecedência, mediante gesto regulamentar de braço ou luz indicadora de direção do veículo, o início da marcha, a realização de manobra de parar o veículo, a mudança de direção ou faixa de circulação.”
A infração é grave, 5 pontos na CNH e multa de R$ 195,23.
Ainda em priscas eras começaram a surgir dispositivos, inicialmente com acionamento manual, para indicar aos demais para qual direção o motorista pretendia ir. Abaixo um exemplo típico de uma seta direcional de acionamento manual tipo universal — adaptável a vários tipos de veículo, no caso por uma correntinha, para caminhões fabricado pela empresa americana The Wiggler Company, de Buffalo, estado de Nova York. Na embalagem aparece um desenho indicando como a seta direcional deve ser instalada. Também é possível ver a seta direcional manual e a sua correntinha de acionamento; como item adicional de segurança este modelo tinha um olho de gato refletivo em ambos os lados.
Este tipo de seta direcional manual podia ser usado tanto em ônibus quanto em caminhões, aí vão mais dois exemplos:
Agora já é possível matar a charada da foto de abertura desta matéria, pois o caminhão da esquerda na foto está equipado com setas direcionais fixadas ao teto da cabine.
Agora vamos mudar o foco para a Europa, e lá em especial para a Alemanha. Num raro livro publicado em 1936 (o Fusca ainda estava sendo desenvolvido), publicado pela Robert Bosch AG, de Stuttgart, com o título: Fünfzig Jahre Bosch (Cinquenta anos de Bosch), na página 136 consta o seguinte parágrafo:
BOSCH-WINKER (seta direcional Bosch)
À medida que mais carros fechados foram sendo introduzidos e o tráfego nas cidades grandes foi se adensando, a necessidade de indicar uma mudança de direção pretendida para os outros usuários das estradas se tornou mais urgente.A ideia de um indicador de direção elétrico não era mais nova, pois já havia dispositivos em que uma seta alojada em uma caixa tipo cápsula girava, mas o perfil da carroceria do carro não era alterado ao sinalizar.Em 1928, quando iniciamos a produção de setas direcionais, partimos do princípio de que o perfil da carroceria do carro, ao ser acionado o sinalizador, devia mudar para que isto fosse bastante perceptível. Esta visão foi seguida pela legislação vigente.
A seta direcional da Bosch consiste em um eletroímã montado no menor espaço possível. Ao ser acionada a chave seletora de direção, é acionado o braço da seta direcional que faz a seta sair de seu receptáculo de modo a ficar na horizontal. Ao mesmo tempo, é ligada uma lâmpada incandescente alojada dentro da seta direcional, de modo que a haste de plástico da seta fique iluminada e fique visível especialmente no escuro.
A seta direcional Bosch é fornecida de acordo com o sistema elétrico no veículo que pode ser para 6, 12 e 24 volts.
A fim de não afetar a aparência da carroceria do carro, fizemos as assim chamadas setas direcionais de embutir, que ficam embutidas na parede da carroceria.
Até os veículos militares produzidos pela Volkswagen tinham setas direcionais, como se pode ver nas fotos abaixo:
A chave seletora de direção deve ser retornada para a sua posição inicial logo após o veículo ter tomado sua nova direção. No entanto, uma vez que de vez em quando este procedimento é esquecido, e para poupar o motorista de ter que fazer este procedimento, também introduzimos um assim chamado interruptor por tempo, que desliga automaticamente a seta direcional após cerca de oito segundos.
Em países estrangeiros, as pessoas inicialmente ridicularizavam as setas direcionais como sendo um exemplo do típico espírito de organização alemão, mas hoje a seta direcional Bosch também ganhou muitos amigos lá.
Mas, por aqui, quando se fala de “setas direcionais de acionamento elétrico” ninguém entende, mas quando de diz “bananinha” a coisa muda de figura, pois este é o apelido deste equipamento.
Acima vimos um exemplo de seta direcional externa aplicada em um carro de luxo e um exemplo de seta direcional embutida na coluna de um Fusca Split Window antigo, mas vamos ver um exemplo daquelas maiores para caminhões. E o caminhão que escolhi não é qualquer um, trata-se de um Mercedes-Benz Lo 2750, ano 1934, com um motor de 65 cv, que era especialmente adaptado para transportar os famosos monopostos de corrida Mercedes-Benz W25, conhecidos como Flecha de Prata:
Entrando mais a fundo no “off-topic”:
Os Flecha de Prata eram venerados na Alemanha, foram objetos de propaganda do nacional-socialismo e eram frequentemente apresentados ao público em carreatas com os Lo 2750 carregando os W25, muitas vezes ostentando as grandes guirlandas de louros que os vencedores recebiam e passavam pela cabeça. E o ato de carregar e descarregar os W25 era tudo menos glamoroso, como se vê abaixo:
A maioria dos carros europeus usou setas direcionais até o início da década de 60, nos EUA elas foram proibidas em meados dos anos 50 por questões de segurança. Mesmo alguns dos pisca-pisca que foram sendo introduzidos ainda remetiam a setas, como o exemplo abaixo:
Carrinho de rolimã com seta
Enquanto conversávamos sobre esta coluna, o Bob Sharp, editor-chefe do AE, me contou que quando criança ele e o irmão brincavam de carrinhos de rolimã (do francês roulement, rolamento, pronuncia-se [rule’man], e que seu irmão fez uma esquema de seta num carrinho, então um caixote sobre o elemento central e o eixo traseiro, de modo que, ao esterçar o eixo dianteiro com os pés, um comando por barbante e roldanas acionava a seta na traseira do lado correspondente. Tudo porque viam no primeiro Fusca da casa, um ’53, as “bananinhas”!
Acho que fica bem explicado o motivo de ainda hoje se falar: “Você deu a seta?”. Depois de tantos anos usando veículos com setas direcionais, esta denominação ficou impregnada na mente das pessoas e isto foi passando de geração a geração, até os dias de hoje, mesmo que a seta tenha dado lugar à luz piscante em 1939, no Buick.
AG