A foto de abertura é de um brinquedo dos anos 1980 que as crianças adoravam, chamado “Comandos em Ação”, cujo nome original era “G. I. Joe”. “G.I.” é um termo surgido nos EUA na Segunda Guerra Mundial para descrever um soldado, um piloto da então Força Aérea do Exército — um ramo do exército —, um marinheiro ou um fuzileiro naval. “G.I.” são as iniciais de Government Issue, assunto do governo.
Mas, qual o motivo de se falar disso no AE , fora do tema automóvel? Primeiro, hoje, 6 de dezembro, é o dia da véspera do ataque japonês, em 1941, à base naval americana de Pearl Harbor, nas ilhas havaianas (mas que para os ofensores já era dia 7). Com o ataque, no dia seguinte os EUA declararam guerra ao Eixo — Alemanha, Itália e Japão — aliando-se à Inglaterra, França e União Soviética, já envolvidas na Segunda Guerra Mundial deflagrada em 3 de setembro de 1939. Há muito de automóvel nesse conflito.
Segundo, a história a seguir fala de heroísmo e tem relação com o brinquedo “Comandos em ação”. Ela me foi mandada por um amigo americano um ano mais novo do que eu e que morou no Brasil com a família. Éramos vizinhos de muro numa pacata rua da Gávea, no Rio de Janeiro. Eu e o Tommy Locker éramos então adolescentes de 14-15 anos.
Mitchell Paige
Em 15 de novembro de 2003, um coronel reformado do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos, força militar que se vale da Marinha americana para seus deslocamentos, morreu em sua casa em La Quina, na Califórnia, consequência de uma insuficiência cardíaca congestiva. Tinha 85 anos.
Ele era um veterano de combate da Segunda Guerra Mundial, motivo mais que suficiente para homenageá-lo. Mas este fuzileiro naval era um tanto diferente. Seu nome, Mitchell Paige.
Hoje é difícil visualizar — ou para quem é bem idoso, lembrar — como era o mundo em 26 de outubro de 1942.
A Marinha dos Estados Unidos não era a força militar mais poderosa no Pacífico. Não para sustentar uma ação longa. Assim, a Marinha basicamente desembarcou alguns poucos milhares de fuzileiros navais numa praia de Guadalcanal.
Enquanto o sargento de pelotão Mitchell Paige e seus 33 atiradores sentavam praça com cuidado, colocando suas quatro metralhadoras Browning calibre .30 arrefecidas a água, ocupando a fina linha cáqui que deveria defender o Campo (de pouso) Henderson do assalto na noite de 25 de outubro de 1942, é pouco provável que alguém pensasse que eles pudessem dar a resposta definitiva à difícil pergunta: quantos preparados fuzileiros navais americanos são necessários para manter posição num morro contra 2.000 desesperados e motivados atacantes japoneses?
Tampouco tinham a resposta os comandantes do exército japonês, que vinham varrendo tudo diante deles durante décadas, que seu avanço fosse detido em outubro de 1942 por alguma linha de defesa na floresta composta de algumas dezenas de fuzileiros navais.
Quando a noite acabou, o 29º Regimento de Infantaria japonês contou 553 mortos ou desaparecidos e 479 feridos entre 2.554 homens, como contou o historiador David Lippman. As perdas do 16º Regimento japonês não têm registro, mas os encarregados de sepultamento do 164º Regimento dos EUA enterraram 975 corpos de japoneses. A estimativa americana de 2.200 japoneses mortos provavelmente é bem conservadora.
Entre os 90 americanos mortos ou seriamente feridos naquela noite estavam todos os 33 fuzileiros do pelotão do sargento Mitchell Paige. À medida que os intermináveis ataques noturnos prosseguiam, Paige percorria para cima e para baixo sua linha, trazendo seus companheiros mortos e feridos de volta para suas minitrincheiras e nesse meio tempo dando algumas rajadas de cada uma das quatro Brownings, mostrando aos japoneses morro abaixo que as posições americanas estavam firmes.
A mensagem na Citação da Medalha de Honra de Paige descreve o evento: “Quando o inimigo rompeu a linha diretamente em frente de sua posição, o sargento de pelotão Paige, operando o setor que tinha uma metralhadora, com uma determinação intrépida, continuou a dirigir o fogo aos seus inimigos até que todos estivem mortos ou feridos. Sozinho, contra as saraivadas de balas japonesas, ele lutou com sua arma, e quando ela era destruída, pegava outra, indo de metralhadora em metralhadora, sem cessar seu fogo devastador.”
No fim, o sargento Paige pegou a última das Brownings de 22 kg alimentadas por pente (igual à que John M. Browning disparou continuamente por 25 minutos até acabar a munição, com o cano vermelho vivo, na sua demonstração para o exército americano) e fez algo para o quê a arma nunca havia sido projetada. O sargento Paige desceu o morro em direção ao ponto onde podia escutar os japoneses que sobreviveram se movimentando pelos flancos, a arma alimentada com o pente encaixada sob seu braço disparando enquanto ele caminhava. A metralhadora não falhou.
Ao alvorecer, o oficial executivo do batalhão, major Odell M. Conoley, foi o primeiro a achar a resposta para nossa pergunta: quantos preparados fuzileiros são necessários para manter posição num morro contra dois regimentos de experientes combatentes de infantaria japoneses que não sabiam o que era derrota?
Num morro onde os corpos estavam empilhados como lenha, Mitchell Paine sozinho ficou sentado atrás de sua Browning .30, esperando o que o amanhecer traria.
Um morro, um fuzileiro naval. Só.
Mas nas primeiras luzes da manhã o inimigo podia ser avistado poucas centenas de metros distante, e o vapor dos canos de suas metralhadoras era claramente visível, como conta o historiador Lippman. “Foi decidido que a posição seria atacada”.
Para a missão, o major Conoley juntou “três operadores de comunicação, vários atiradores, alguns elementos esparsos da companhia que estavam por ali, mais o cozinheiro e alguns soldados da cantina que haviam trazido alimentação para linha de defesa na noite anterior.”
Com a adesão de Paige, essa força ad hoc, específica, contra-atacou às 5h40 da manhã e constatou que a pequena distância permitia o uso otimizado de granadas. O inimigo foi aniquilado.
E foi nesse episódio que a antes inquebrável onda de conquistas japonesas finalmente foi quebrada e começou a retroceder. Numa trilha de floresta deserta numa ilha insignificante, da qual ninguém havia ouvido falar: Guadalcanal.
Mas quem hoje se lembra de quão crítica estava a situação naquela trilha mantida por um único fuzileiro naval, no outono de 1942?
Muito tempo depois, quando a gigantesca Hasbro Toy Co. , de Pawtucket, estado de Rhode Island, telefonou para Paige pedindo ao coronel reformado autorização para colocar seu rosto em algum boneco de criança, ele achou que era um trote.
Mas não era. Hoje é seu o rosto do fuzileiro naval de brinquedo chamado “G.I. Joe”.
BS