Criador do Eagle faleceu ontem aos 86 anos, vitimado por uma pneumonia.
Poucos pilotos, incluindo muitos campeões mundiais, marcaram presença no automobilismo de forma tão ampla quanto Dan Gurney: piloto, construtor, mecânico e, acima de tudo, autoentusiasta. Muitos sequer imaginam que foi ele o criador de um artefato extremamente comum em carros de competição, o “gãrnei”, como muitos se referem à pequena tira de metal que completa a extremidade posterior de um aerofólio ou defletor de ar.
Novaiorquino, filho do cantor de ópera John Gurney e de Roma Sexton, Dan Gurney nasceu em Port Jefferson (Long Island) em 13 de abril de 1931 e cresceu na Califórnia, onde instalou a All American Racers, berçário de um sem-número de carros vencedores. Também construiu um dos mais bonitos F-1 de todos os tempos, o Eagle-Weslake T1G, vencedor do GP da Bélgica de 1967, fabricado em sua base da Inglaterra na oficina chamada de Anglo American Racers e situada em Rye, em Sussex do Leste.
Daniel Sexton Gurney foi casado com Arleo Bodie — com quem teve quatro filhos (Daniel Jr, John, James e Lyndee) e posteriormente com Eva Butz, com quem se casou em 1969 e teve Justin e Alex. Eva é irmã de Norbert Haug (ex-diretor de motorsport da Mercedes), trabalhou como secretária de Huschke von Hanstein, diretor de competições da Porsche, e foi editora de revistas.
Encontrei Dan Gurney raras vezes, mas desde minha infância ele marcou presença em minha vida de autoentusiasta. Em 1968 escrevi uma carta a ele pedindo uma foto e uma jaqueta de sua equipe e caprichei no envelope, desenhando junto à descrição de destinatário o número 48, aquele que identificou a maioria dos seus carros nos Estados Unidos, uma forma de mostrar que eu não era um fã qualquer. Semanas depois recebi a resposta em um envelope pequeno demais para conter sequer uma camiseta, mas grande o suficiente para não decepcionar um jovem admirador: junto com a foto de seu Eagle, em preto e branco, veio um punhado de páginas xerocadas do catálogo de merchandising que ajudava a sustentar seu negócio e uma mensagem de agradecimento e incentivo, minha primeira lição para entender que o automobilismo é um grande negócio.
Piloto de alto nível, Gurney foi o único rival a quem Jim Clark se referia com muita reverência e uma forte dose de temor. Por participar de várias categorias com dedicação ímpar certamente não pôde transformar sua perícia em títulos importantes. Entre suas conquistas na pista sem a dúvida a mais importante foi na 24 Horas de Le Mans de 1967, em dupla com A.J. Foyt e a bordo de um Ford GT MK IV, marcando a primeira vitória toda americana no circuito de Sarthe.
Foi nessa prova que ele criou, acidentalmente, o gesto de espirrar espuma de champagne ao celebrar a vitória, gesto que alguns erroneamente atribuem a Jackie Stewart.
Piloto com grande conhecimento de mecânica, Dan Gurney era capaz de resolver problemas com uma facilidade que espantava muitos engenheiros e projetistas. Certa vez, disputando uma prova de carros esporte nos Estados Unidos, Dan Gurney notava que seus motores caiam de rendimento por perder muito óleo. Ao final dos treinos de sábado isolou-se na sua garagem e durante toda a noite instalou um sistema onde o respiro do lubrificante teve sua saída direcionada a um reservatório com características internas que criavam o efeito de centrifugação. Isso permitiu recuperar o óleo que era expelido do motor, redirecioná-lo para o cárter e completar a corrida entre os primeiros.
Essa capacidade o aproximou bastante de Bruce McLaren e Jack Brabham, outros dois pilotos-construtores de primeira linha e para quem pilotou várias vezes em provas de F-1 e Can-Am. Há quem diga que a decisão de recusar a oferta de ser piloto de Brabham na temporada de 1967 impediu que ele vencesse mais corridas e até mesmo conquistar o título mundial, que sobrou para Dennis Hulme. Na F-1 disputou 86 GPs pela Ferrari (1959), BRM (1960), Porsche (1961/2), Brabham (1963/4/5 e algumas provas em 1968) Eagle (1966/67/68) e fez algumas apresentações pela McLaren em 1968 e 1970).
Coube a Dan Gurney dar a única vitória à Porsche na Fórmula 1, ao vencer o GP da França de 1962, em Rouen, com o 804 8-cilindros de 1,5 litro (carro prata nº 10 na foto abaixo).
A história de Gurney na Nascar é semelhante: participou de pouco mais de 15 corridas em seis temporadas, mas venceu quatro consecutivas. A atenção pela aerodinâmica ajudou a marcar época ao ser o primeiro piloto a usar o capacete Bell Star, o primeiro modelo integral, na 500 Milhas de Indianápolis. Sua vocação para a mecânica certamente tem a ver com seu avô paterno, Frederick W. Gurney, que na década de 1900 inventou os rolamentos de contato angular e carreiras duplas.
Após a F-Indy e a F-1 Dan Gurney dedicou-se um bom tempo às corridas de protótipos nos Estados Unidos, onde administrou a equipe da Toyota na série Imsa. Mais recentemente desenvolveu uma motocicleta especial, a Gator, e um triciclo especial para atletas com limitações físicas. O portfólio de automóveis construídos pela All American Racers e Anglo American Racers inclui modelos de F-1, Indy, F-5000, Imsa, F-Ford, Trans-Am, Can-Am e o protótipo do Delta Wing.
Dedicou-se também à fabricação de itens especiais para motores, como os cabeçotes de alumínio para o motor Ford 302 V-8 do Maverick Divisão 3 da equipe Greco, com a devida assinatura Gurney Weslake nas tampas de válvulas, que o editor-chefe do AE, o Bob, pilotou na temporada de 1976.
Requiescat in pace, Dan Gurney
WG