Gustave Henry Edward Heinemann (1908-1991) foi o principal inovador responsável por 23 aviões ao longo de quatro décadas de trabalho contínuo em fabricantes. Deste período, passou a maior parte do tempo na Douglas Aircraft, sediada em El Segundo, Califórnia.
Tendo começado sua carreira no projeto de um avião leve da hoje extinta empresa Moreland, rapidamente passou para a Northrop e depois para a Douglas Aircraft, onde junto com uma equipe muito competente foi subindo na carreira de desenhista até se tornar engenheiro-chefe, responsável por aviões de combate para a Marinha americana (US Navy). O mais incrível em sua vida profissional é que apesar do cargo, ele jamais fez um curso formal de engenharia, tendo uma base técnica e de desenho, galgando postos cada vez mais altos por sua habilidade com os projetos e seu relacionamento com as pessoas, o mais claro e honesto possível.
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Seus bombardeiros de mergulho fizeram um grande trabalho na Segunda Guerra Mundial, e depois na Coreia e Vietnã. Passou pela fase mais rica e incerta tecnicamente na história da aviação, a passagem dos aviões de motor a pistão para o jato.
O livro contém detalhes importantes para esclarecer a lógica do projeto de aviões, com os casos reais de aumento de massa e os problemas que isso causa em um veículo voador. Não há porém, um excesso de explicações técnicas, o que pode deixar alguns mais fanáticos sentindo um vazio na alma, mas mesmo assim é obra imperdível para quem considera aviões muito mais que um meio de transporte ou uma arma.
Heinemann conta com um pouco de humor o seu procedimento que ele chamava de “homem das cavernas” para verificar a situação de protótipos e mock-ups (modelos em tamanho real e que tem funções próximas do avião de verdade) sem que seja preciso usar qualquer conhecimento além do bom senso. Um dia ele verificava o mock-up da cabine de comando de um Skynight, um jato de caça noturno e ataque ao solo, e todos os instrumentos estavam instalados e com as luzes acesas. Após manusear algumas teclas e botões, ele deu alguns socos na parte superior do painel, algumas luzes apagaram e algumas teclas caíram no piso. Diante de seus engenheiros, ele perguntou: “Se com as minhas mãos aconteceu isso, o que vocês acham que pode acontecer com o avião pousando no convés de um porta-aviões em meio a uma tempestade?”
Para quem é fissurado em aviões navais, é muito bom aprender sobre a história desse tipo de aeronave, os requisitos ferozes de resistência a pousos violentos, a importância do mínimo peso, as soluções para a melhor visibilidade possível e a mais simples facilidade de manutenção dentro de um navio que, apesar de enorme, não pode levar todas as peças de reposição para todas as aeronaves embarcadas em todas as missões.
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Para os atraídos pela parte administrativa, ao final do livro Ed Heinemann descreve algumas diretrizes que o guiaram pela sua vida de sucesso profissional, mas que teve alguns projetos que simplesmente não deram certo, e que serviram para ensinar muitas lições.
Algumas dessas regras-chave colocadas em prática por ele são:
– Utilize as melhores habilidades de cada pessoa
– Evite longas reuniões de comitê
– Evite paralisia por análise
– Afaste-se de políticos de escritório
– Se você é o chefe, dê orientação, direção, e mais importante, respostas decisivas às perguntas
– Não desperdice tempo
– Planeje adiante
– Não faça aos outros o que você não quer que façam a você (esta deveria ser a máxima da humanidade – nota do Juvenal)
Isso não é tudo, mas permite ter uma visão do raciocínio lógico desse engenheiro de coração e mente, que passou muito tempo no topo da Douglas Aircraft, mas que frequentemente ia à fábrica conversar com as pessoas que fabricavam os aviões cujas criações ele liderou, pois sabia que dali provinham valiosas informações.
Durante a Segunda Guerra Mundial ele foi convidado a passar um período nas bases americanas e porta-aviões no Pacífico, e de lá veio com um diário cheio de anotações de melhorias a serem incluídas nos próximos projetos, e de alterações que podiam ser feitas nos aviões que estavam sendo fabricados e fornecidos à Marinha americana. Pequenas alterações que jamais alguém iria julgar serem de grande facilitação de trabalho das equipes de manutenção foram adotadas, e Ed Heinemann, apesar de sua incrível presença entre as pessoas no topo da força naval americana e do Departamento de Defesa, sabia que os marinheiros e aviadores que estavam na frente de combate é que lhe fariam os mais sinceros elogios e críticas sobre seus produtos. Uma boa parte desse diário de cerca de 30 dias está transcrito no livro.
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Muito interessante também é sua descrição dos encontros que teve com dois grandes projetistas de aeronaves, Willy Messerschmitt e Andrei Tupolev, ambos de nações inimigas dos EUA na II Guerra Mundial e na Guerra da Coreia, respectivamente, mas que passados alguns anos, em visitas a este país, se mostraram abertos e muito gentis na troca de informações. Ed notou inclusive que o tamanho das engenharias na Douglas e nos dois fabricantes, da Alemanha e Rússia, respectivamente, eram similares, com cerca de 500 profissionais. Com Messerschmitt, ele conta que conversou e desenhou desde o final de um jantar às 9 da noite de um dia até depois do sol nascer no dia seguinte, sem nem mesmo perceber o tempo passar.
Capítulo especial é o que fala sobre a criação do A-4 Skyhawk, avião leve de ataque que é fruto de sua experiência e absoluta rejeição ao excesso de peso. O apelido principal do Skyhawk é “Heinemann’s Hot Rod”, e é exemplo de vida operacional longa, algo só possível em grandes projetos. O A-4 entrou em operação com a Marinha dos EUA em outubro de 1956, e continua em operação até hoje na Argentina, Cingapura e na Marinha do Brasil.
Na foto de abertura Heinemann posa ao lado do A-4 Skyhawk.
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Seus projetos, prêmios, participação em grupos e corpos diretivos de empresas e organizações públicas e privadas são numerosos, mostrando a inventividade e clareza de pensamento deste impressionante personagem, que tem também diversas patentes, a maioria dividida com seus colegas de trabalho, pessoas a quem ele, em regra, atribuía a maior parte de seu sucesso. Uma dessas patentes é a carretilha inercial, utilizada em praticamente todos os cintos de seguranças de carros e aviões, e que permite que o cinto de desenrole, enrole e trave apenas em desacelerações bruscas. Está em praticamente todos os automóveis e aviões.
Este exemplo mostra que o conhecimento está em todo lugar, e às vezes aprendemos algo que nem desconfiamos encontrar. É por esta e outras que não deixarei jamais de ser um entusiasta dos livros.
São 334 páginas com muitas fotos e desenhos de seus aviões. Publicado em 1980, foi escrito por Heinemann em colaboração com Rosario Rausa, comandante da Marinha americana, e pode ser encontrado novo ou usado na Amazon.com.
A galeria a seguir tem as imagens de algumas páginas da obra, fotos minhas.
JJ