Falamos um pouco aqui no AE sobre os principais carros e equipes que dominaram os anos dourados da séria Can-Am norte-americana. Tanto os Porsches turbo como os McLaren V-8 eram máquinas espetaculares e nas mãos de grandes pilotos fizeram história.
A categoria permitia a inscrição de praticamente qualquer carro que tivesse interesse em participar, atendendo os mínimos requisitos do regulamento, e com isso ao longo dos anos viu-se diversos carros diferentes, alguns fabricados pelas próprias equipes e outros comprados por equipes particulares.
Os Chaparral e os Lolas estiveram presentes em toda a primeira fase da Can-Am, de 1966 a 1974, sempre incomodando os carros de ponta, e até que os McLaren se consolidassem como os dominantes da categoria, estavam entre os primeiros.
Jim Hall e seus Chaparral
Um terceiro construtor teve grande visibilidade tanto no campeonato quanto fora dele, conquistando reconhecimento global principalmente pela sua criatividade e seus carros revolucionários. Esta foi a equipe Chaparral, fundada pelo texano Jim Hall.
Antes mesmo de a Can-Am ser criada, Hall já colocava seus carros entre os melhores em diversas provas ao redor do mundo, e utilizando de engenhosidade de primeira para melhorar seus carros. Hall havia visualizado o ganho que se tinha com o uso da aerodinâmica nos carros de corrida, o seu modelo 2C tinha uma grande asa traseira articulada que era acionada pelo por um pedal à esquerda que controlava a o ângulo de incidência da asa, maior nas curvas para aumentar a downforce (força vertical descendente) e menos menor nas retas para ganhar mais velocidade.
A forte ligação de Jim Hall com a Chevrolet era uma das bases da sua empreitada como construtor, cultivada desde os primeiros anos da equipe, graças ao interesse mútuo de se desenvolver um carro esporte com motor central, mas esta é outra história. Ao longo dos anos, a Chevrolet forneceu recursos como motores e transmissões para os Chaparral, tanto no campeonato norte-americano quanto nos internacionais.
Na primeira temporada da Can-Am, Hall tinha na sua equipe dois carros, um deles pilotado por ele mesmo e o outro pilotado pelo compatriota Phil Hill, cujo currículo era de se admirar: campeão de F-1 em 1961, três vezes vencedor da 24 Horas de Le Mans e da 12 Horas de Sebring.
Tanto Hall quanto Hill corriam com o modelo 2E, um carro fabricado pela Chaparral com um monobloco de alumínio e motor Chevy V-8 de 327 pol³ (5,4 litros). Estas eram as únicas características que podemos chamar de comuns para a época. A transmissão era uma caixa automática de três marchas, algo incomum de se pensar para um carro de corrida, projetada pela Chaparral em parceria com a GM. Hall acreditava que mantendo sempre as mãos no volante e o uso do conversor de torque bem calibrado, com a potência do motor bem aproveitada com poucas marchas, os tempos de volta seriam reduzidos. O restante das diferenças vieram na carroceria e aerodinâmica.
Pela primeira vez uma asa móvel foi montada em um carro de corrida onde sua fixação não era no chassi, mas sim nos componentes da suspensão traseira. A ideia era que a força vertical gerada pela asa fosse distribuída diretamente para os pneus traseiros via suspensão, assim era possível ter o máximo de aderência dos pneus, sem prejudicar o comportamento da carroceria/chassi com a carga aerodinâmica, a qual causava o assoalho batendo no chão e fim de curso de suspensão. Quanto menos interferências no comportamento do chassi, melhor.
No lugar do pedal de embreagem, um terceiro pedal comandava hidraulicamente o ângulo de incidência da asa. Nas retas podia-se diminuir esse ângulo da asa para reduzir o arrasto, e nas freadas e curvas, acionava-se o pedal para aumentar o ângulo, gerando mais downforce e também mais arrasto.
A parte de arrefecimento do motor também era uma novidade, com os radiadores montados na lateral do carro, ao invés de estar no bico do carro, para baixar mais a dianteira em prol da aerodinâmica. A ventilação dos radiadores era feita com dutos posicionados na lateral da carroceria.
Com este carro, Hill ficou em quarto e Jim Hall em quinto no campeonato de de 1966, atrás dos Lolas e de Bruce McLaren. Para os dois anos seguintes, Hall correu sozinho com o modelo 2G, mantendo-se entre quarto e quinto no campeonato. O 2G era uma evolução do 2E, com pneus maiores, graças a ligação de Hall com a Firestone, este sempre tinha pneus fresquinhos, e principalmente o novo motor Chevrolet 7-litros de alumínio, seguindo o caminho da McLaren com o aumento da cilindrada e o uso de alumínio. Hall acidentou-se em uma das corridas e não pilotou mais seus carros na Can-Am.
Em 1969, John Surtees correu com o modelo 2H, que foi mais um projeto inovador de Jim Hall. Com a proposta de fazer um carro com o perfil aerodinâmico o mais eficiente possível em termos de coeficiente de penetração, Hall levantou as laterais do carro e baixou a frente o máximo que pode. Inicialmente a ideia era fazer um carro de cockpit fechado, com o piloto sentado quase que no assoalho, mas foi alterada ao longo do projeto como exigência de Surtees, que não aceitava a condição, com péssima visibilidade. Mantendo alguns dos recursos do conceito original, como as janelas laterais para melhorar a visibilidade e um complexo jogo de espelhos instalados no carro para matar os pontos cegos, o 2H ficou no meio do caminho entre o desejo de Hall e de Surtees.
A aerodinâmica arrojada do Chaparral estava presente no 2H, tendo duas versões de asa traseira. Na verdade, uma delas podemos dizer que a asa era central, fixa no meio do carro, e outra onde era móvel, agora fixa na traseira da carroceria mas ligada por meio de um sistema hidráulico à suspensão traseira De Dion, para transmitir a força aerodinâmica para as rodas. O 2H era curto e estreito, até demais para o gosto de John Surtees, sendo muito instável. “Foi o pior carro que pilotei”, nas suas palavras.
Hall não tinha medo de experimentar. Se uma ideia vinha à mente e parecia boa o suficiente para testar, então seria testado, de um jeito ou de outro.
Ao final de 1969, a organização da categoria baniu as asas móveis, e os carros da Chaparral perderiam parte das vantagens e conhecimentos de seu criador. Por um lado, foi uma limitação da categoria que regulamentou as asas no automobilismo, de certa forma com repercussão mundial, mas abriu caminho para outra inovação de Hall, o modelo 2J. Com este carro o mundo viu o conceito do efeito-solo, onde downforce era criado sem o uso de asas e sem prejudicar tanto o arrasto aerodinâmico, apenas com a diferença de pressão entre a parte de cima e a parte de baixo da carroceria.
Com o uso de uma turbina acionada por um pequeno motor bicilindro independente, o ar era sugado da parte de baixo do carro, gerando uma pressão menor) e expelido para a traseira, como uma propulsão de avião. Para conseguir sugar o ar que fica entre o carro e o solo, era preciso de uma espécie de vedação para não sugar o ar que estava ao redor do carro, então um conjunto de lâminas (chamadas “saias”) foi instalado na lateral do carro próximo ao chão.
O conceito era genial, uma forma de gerar downforce com mínima penalização no arrasto. O 2J era mais rápido que seus rivais, sem muito questionamento, mas inúmeros problemas mecânicos impediram que o piloto inglês Vic Elford conseguisse bons resultados na Can-Am. No ano seguinte, o 2J também foi banido pela interpretação de que o sistema de sucção era um “dispositivo aerodinâmico móvel”, termo que originalmente se referia às asas móveis fixadas na suspensão.
Jim Hall e seus Chaparral não foram grandes vencedores, mas revolucionaram o automobilismo de tal maneira que suas criações são utilizadas até hoje, e formam a base de praticamente todos os carros de corrida modernos. Hall sacrificava as vitórias em função do desenvolvimento de suas ideias, rapidamente trocando os conceitos e colocando para rodar suas teorias até então malucas. Enquanto ele revolucionava seus projetos de ano em ano, de carro em carro, os demais engenheiros e construtores seguiam caminhos mais conhecidos, menos arrojados, porém mais confiáveis.
Hall criava as teorias, uma em cima da outra, não gastando muito tempo aprimorando seus projetos e resolvendo os problemas funcionais, mas sim partindo para novas ideias. Seu legado ficou para o mundo, onde tantos outros construtores capturaram os conceitos dos Chaparral e os aprimoravam, passo a passo, até chegar em desenhos robustos e funcionais usados até hoje.
Eric Broadley e os Lolas
A Lola, empresa inglesa construtora de carros de corrida fundada em 1958 e comandada pelo engenheiro Eric Broadley, em meados dos anos 1960 estava inicialmente engajada no projeto do Ford GT40 com a Ford, como contamos aqui no AE. Ao deixar a parceira com a Ford, Eric dedicou-se aos seus carros, e um deles era o modelo T70 e suas variações. Este T70, por sua vez, tinha forte parentesco com o Mk.6 usado como embrião do projeto GT40.
Baixo peso, motor central V-8 com transeixo Hewland, estrutura mesclada de aço e alumínio para ser leve sem perder rigidez e pilotos notórios como John Surtees, Mark Donohue, Graham Hill e Dan Gurney juntos eram a receita para o sucesso. A primeira temporada da Can-Am em 1966 foi dominada pelos T70 Mk.II Spyder, com Surtees campeão, correndo pela própria equipe, e Donohue em segundo, correndo pela equipe de Roger Penske.
O motor V-8 Chevrolet de 302 pol³ (4,9 litros) com cabeçotes de alumínio era dominante na categoria. Com mais de 550 cv de potência em um carro de pouco menos de 700 kg, era um carro rápido. Como vimos antes, potência era a palavra da vez na categoria.
A evolução do carro para o ano de 1967 foi chamada de Mk.III B, ainda com uma carroceria aberta, uma vez que na Europa a Lola utilizava o Mk.III Coupé, mais adequado para provas de circuitos velozes como Le Mans com longas retas e elevadas velocidades máximas.
O carro era mais leve e com um pouco mais de potência no motor Chevrolet, suspensão e carroceria adaptados para receber pneus maiores e mais largos, mas já não era mais páreo para os McLaren, com apenas uma vitória de Surtees na última corrida do ano.
O novo modelo T160 para o ano seguinte era visualmente similar ao anterior, mesmo sendo um projeto novo. Mais alumínio usado no chassi o deixava mais leve, mas o mais importante era que agora os Lolas podiam ser equipados com os motores de bloco grande, já usados pelos concorrentes e que traziam resultados. O motor usado era o Chevrolet 427 (7 litros) todo em alumínio, injeção de combustível e algo perto de 630 cv, mas ainda assim não era suficiente para acompanhar os McLaren.
As evoluções T162 e T163 bem que tentaram ser competitivas frente aos McLaren, mas conseguiram apenas um terceiro lugar no campeonato de 1969 com Chuck Parsons pilotando um carro para a equipe de Carl Haas.
Os modelos já seguiam a tendência das carrocerias com asa traseira incorporada e frente baixa tipo cunha que ajuda na aerodinâmica do carro.
Alguns carros do modelo T163 tinham a asa traseira alta, montada sobre suportes, seguindo a proposta dos Chaparral, mas foram banidas por questões de segurança em 1970. Roger Penske chegou a encomendar um T163 especial para Broadley, mais leve que os convencionais, mas o carro demorou para ficar pronto e quando foi para pista, só tiveram problemas.
A Lola foi outro fabricante da categoria que Roger Penske sondou para ter carros feitos “sob medida”, com detalhes exclusivos que ele mesmo pedia para incluir nas especificações de projeto, geralmente para casar com as sugestões e desejos de seu principal piloto, Mark Donohue.
A nova geração de carros da Lola veio em 1970, com os modelos T220 e T222. Nova carroceria de maiores proporções, asa traseira baixa, chassi completo em alumínio na forma de um monobloco e um enorme motor Chevrolet de 8 litros e 750 cv eram as armas que Broadley e seu engenheiro chefe, Bob Marston, tinham para lutar contra o domínio da McLaren. Peter Revson e a equipe de Carl Haas bem que tentaram, mas não passaram do oitavo lugar no campeonato naquele ano. O T222 era similar e também não teve o sucesso.
A forma dos T220 e T222 eram similares aos McLaren, o que mostra que na época já havia uma certa convergência nos projetos. Desta forma, os projetistas acabavam criando soluções parecidas em seus projetos, o que deixavam os carros como algumas semelhanças. Obviamente, parte disso era pura cópia do concorrente que estava andando mais.
Curioso lembrar que foi com um Lola modificado com carroceria de T222 que Antonio Carlos Avallone disputou corridas no Brasil e deu origem ao seu conhecido Avallone-Chrysler. Esta foi a base para a criação dos famosos protótipos Avallone. Contaremos aqui no AE mais desta história.
Em 1971, A Lola lançou o T260 com um desenho um pouco diferente dos intimidantes T222, cheios de cantos vivos e superfícies planas. O T260 tinha uma frente arredondada para, em teoria, melhorar a condição de sustentação aerodinâmica que o perfil do 220 gerava.
Pneus cada vez maiores e motores mais potentes seguiam a tendência da época. Jackie Stewart foi o piloto com melhor desempenho, correndo para Carl Haas, vencendo duas corridas e terminando o campeonato em terceiro lugar, atrás apenas dos dois McLaren de Peter Revson e Denny Hulme.
Stewart, que corrida na Tyrrell na F-1, ajudou no desenvolvimento do carro, vetando inclusive algumas soluções criadas por Broadley em prol da segurança, algo que Jackie tinha como uma de suas prioridades no automobilismo.
O T260 tinha um entre-eixos muito curto, o que fazia dele um carro difícil de ser pilotado. Uma curiosa versão do T260 testada em Laguna Seca daquele ano tinha uma enorme asa dianteira fixada à frente do carro para aumentar a downforce dianteira, algo que Jackie reclamava do carro em algumas condições de pista.
Ao final da temporada, Stewart foi contratado para correr com os carros da McLaren, que de acordo com o escocês,“era como um carro de passeio para se pilotar comparado ao Lola” , mas efetivamente não iniciou a temporada seguinte, pois optou por priorizar sua carreira na F-1.
O último modelo da Lola que apareceu na Can-Am na primeira fase da categoria foi o T310, este que voltou a ter uma carroceria angular e de baixo perfil, desenvolvida em parceria com a empresa Specialized Mouldings em túnel de vento com a proposta de reduzir o arrasto ao máximo sem prejudicar a downforce, este que não foi esperado no carro anterior. Nesta época os Lolas já tinham conseguido ter uma relação potência-peso de mais de 1.000 cv/t, com carros pesando menos de 720 kg e motores de mais de 750 cv. David Hobbs foi o melhor piloto com o T310, mas não passou do sétimo lugar no campeonato.
Em 1973, a Porsche já dominava o campeonato com o 917/10 turbo e nem mesmo os McLaren V-8 eram capazes de enfrentar de igual para igual os carros alemães. O modelo T310 não foi bem e modelos anteriores foram utilizados por diversas equipes com melhores resultados.
Sem mais o seu principal cliente da época, a equipe de Carl Haas, a Lola vendia seus últimos modelos para equipes menores, e graças a regularidade de Bob Nagel com um T260, terminou o campeonato em quinto lugar. O último ano da primeira fase da Can-Am (1974) terminou com os Lolas T260 em quarto e quinto no campeonato, Bob Nigel e John Gunn respectivamente.
Os primeiros anos da segunda fase da categoria foram dominados pela Lola, com o T333SC Chevrolet. As regras eram outras, os carros eram diferentes, mas a Lola conseguiu recuperar a boa fase que teve nos EUA no começo da história do campeonato.
MB