Está enganado quem acha que, entre dois modelos, terá melhor desempenho o o que tiver maior potência.
Ainda estudante de engenharia, pilotava nas pistas meu “bravo” DKW. Não tinha grana, mas contava com o patrocínio de uma autorizada da marca. Passava noites na oficina além de incursões na retífica que preparava o motor. Seu dono era um italiano típico, bravo, xingava, gesticulava, mas apaixonado pelo que fazia, além de entender uma barbaridade de mecânica. Um dia ele me desafiou: “Quer deixar seu carro mais rápido sem mudar nada no motor?” Pensei em diversas sugestões, exceto a dele: lubrificar rolamentos das rodas com Molykote, uma graxa superespecial, para reduzir atritos. Dica óbvia, mas pouco lembrada e de muito significado para mim: me fez perceber que motor é fundamental no desempenho, mas não é tudo.
Outros fatores são quase tão importantes quanto, entre eles aerodinâmica e peso. Quanto mais fluidas as linhas da carroceria (foto acima), mais fácil o carro “corta” a barreira de ar que se forma à sua frente e exige menos potência e combustível. Para os não iniciados no assunto, basta colocar a mão para fora da janela de um carro em elevada velocidade. Na vertical, ela gera uma enorme resistência; na horizontal, o esforço para mantê-la é quase nenhum. Por isso a importância do túnel de vento no desenvolvimento de um automóvel: é onde se define a fluidez de suas linhas, definida pelo coeficiente aerodinâmico. Importante lembrar que a resistência da massa de ar à frente do carro aumenta exponencialmente com a velocidade.
Outro fator que influi decisivamente é o peso. Além de reduzir consumo e emissões, o carro mais leve freia melhor e tem mais estabilidade. E a caixa de marchas: quanto mais adequadas as relações, mais o motor trabalha numa faixa ideal de rotações e tanto melhor o desempenho.
Candidatos à compra de um carro novo se enganam com frequência ao procurar um modelo que tenha desempenho razoável, porém de consumo contido. Lançam mão das fichas técnicas para comparar potências e torques. E levam gato por lebre se não levarem em conta outros fatores. A relação peso-potência é um deles: um carro de 100 cv (pesando 1.000 kg) terá melhor desempenho que outro de 120 cv (com peso de 1.500 kg).
Outro tendência enganosa é optar pelo motor de menor cilindrada, supondo consumo inferior. O freguês pode se surpreender ao fazer as contas no fim do mês e constatar que um compacto 1,0 pode rodar menos quilômetros por litro que um 1,4, dependendo das condições topográficas, peso carregado, velocidade média, etc. E da tecnologia: entre dois motores de 1.000 cm³, se um deles tem quatro cilindros, injeção no coletor (indireta), aspirado e com baixa taxa de compressão, terá certamente consumo superior ao de um tricilindro turbo de injeção direta.
Por enquanto, só foram destacados fatores inerentes ao automóvel e que independem das condições a que será submetido ao rodar. Porque aí entram dezenas de outros, como o chumbo no pé do motorista, peso transportado, histórico de manutenção, etc. E outros que dependem das condições ambientais como altitude e topografia. Além da qualidade do combustível, calibragem dos pneus, etc.
É por essas e outras a extrema dificuldade em se determinar o consumo de combustível de um automóvel. O Inmetro implantou recentemente o sistema de etiquetagem veicular que compara o consumo de todos os carros (divididos em categorias) comercializados no Brasil através de testes simulados em laboratórios. Pode até não refletir exatamente o consumo no dia a dia por não levar em conta com exatidão diversos fatores além do motor, como o peso carregado ou sua aerodinâmica. Mas os valores da etiqueta (afixadas nos carros expostos nas concessionárias) permitem — pelo menos — comparar referencialmente o consumo de diversos modelos e contribuem, portanto, par a decisão de compra.
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de total responsabilidade do seu autor e não reflete necessariamente a opinião do AUTOentusiastas.
Mais Boris? autopapo.com.br