Esse ano de 2018 marcou o vigésimo aniversário do show aéreo anual realizado no aeroporto Willow Run, a cerca de meia-hora a oeste de Detroit. É o Thunder over Michigan (trovão sobre Michigan).
Esse ano ele aconteceu no final de semana de 25 e 26 de agosto, um sábado que teve bastante chuva até pouco depois do almoço e um domingo que começou muito nublado e impediu as apresentações aéreas na parte da manhã. Durante a tarde as nuvens deram uma trégua, um sol de verão inclemente castigou o público, e houve voos desde as 13h30min até às 16h30min, com pequenos intervalos.
Estive presente, e posso dizer que juntar diversos aviões próximo de muita gente é uma das atividades mais bacanas que o ser humano pode presenciar. A mistura de aviões de várias épocas, pessoas de todas as idades, interesses diversos e nível de entusiasmo que vai de zero a 100% é bem curioso. É fácil também ver os fanáticos por aviões, sempre tirando fotos e se contorcendo para enxergar detalhes de algumas aeronaves.
É interessante saber que esse aeroporto foi construído em 1941 — durante a Segunda Guerra Mundial — pela Ford, para a fabricação de bombardeiros, os Consolidated Vultee B-24 Liberator que combateram principalmente na Europa, mas que também fizeram suas missões no cenário das ilhas do Pacífico. Muitas técnicas de organização da manufatura que a Ford utilizava em seus carros foi aplicada nessa fábrica para aumentar a velocidade de produção. Foram 8.685 Liberators que saíram desse local, fruto do trabalho de 42 mil pessoas no pico de produção.
O Thunder over Michigan é um evento basicamente de apoio ao Yankee Air Museum, que teve seu hangar principal destruído em um incêndio em 2004. Desde então ele está localizado em edifício provisório e vem sendo construído um novo para abrigar o acervo, que tem entre outras preciosidades um bombardeiro Boeing B-17G em condição de voo, batizado de Yankee Lady (foto de abertura). Portanto, atualmente o show é pago, para arrecadar dinheiro para o museu.
Estive no domingo, e as fotos abaixo mostram algumas das atrações, a última do dia sendo a apresentação dos Thunderbirds, a esquadrilha de demonstração acrobática da Força Aérea dos Estados Unidos (USAF). O ano de 2018 marca os 65 anos de atividade, mostrando em todos os lugares que visitam o padrão de treinamento da força aérea. O calendário para 2019 tem 37 apresentações, e sempre há vários pilotos que trabalham em rodízio para evitar algum problema de ausência em momento de show.
Hoje há mais de uma centena de pessoas no time, alguns deles civis, e doze pilotos, sendo duas mulheres. As apresentações padrão contam com sete aviões, um deles decola antes do grupo e fica orbitando em área afastada, só sendo chamado a compor a formação em caso de problema de alguma aeronave da apresentação. Trata-se do “slot pilot”, e um dos raros acidentes da esquadrilha foi em 4 de abril passado, quando o Major Stephen Del Bagno, que cumpria essa função, sofreu um acidente fatal em um treinamento em Nevada — próximo da base de Nellis — onde fica a casa dos Thunderbirds. O restante das apresentações de 2018 são dedicadas a esse oficial.
Lockheed-Martin F-35A Lightning II, jato de superioridade aérea e ataque ao solo com características de baixa assinatura de radar, é o mais novo avião de alto desempenho americano, resultado do longo programa JSF (Joint Strike Fighter), do qual participaram os EUA, Grã-Bretanha, Itália, Canadá, Turquia, Austrália, Noruega, Dinamarca e Holanda, alguns já operando o avião em suas forças. Voou pela primeira vez em 2006 e começou e ser entregue à USAF em 2011. Tem também a versão B, de pouso e decolagem verticais, para as marinhas e pode chegar a 1.930 km/h. Na galeria abaixo mais algumas fotos desse avião
O Boeing B-29 Superfortress (Super Fortaleza) foi utilizado apenas na guerra no Pacífico, já perto do final da Segunda Guerra Mundial, de maio de 1944 até agosto de 1945. Dois deles lançaram as bombas atômicas sobre o Japão, por isso é conhecido como “o avião que acabou com a guerra”. O exemplar presente no evento é batizado “Doc”, e foi restaurado recentemente. Há apenas dois B-29 voando atualmente, e sua apresentação no domingo foi decepcionante. Decolou com passageiros pagantes, voou durante quase meia hora longe do aeroporto e pousou. Não fez nenhuma passagem baixa e nem próxima do público. Mesmo assim, valeu a pena poder vê-lo bem de perto. Mais fotos abaixo
Painel dianteiro do Lockheed C-130 Hercules, talvez o mais versátil avião do mundo, cargueiro para qualquer missão, inclusive ataque ao solo com canhões de diversos calibres, na versão Spectre
Republic Aviation P-47 Thunderbolt, o avião usado pelos brasileiros no Esquadrão Senta a Pua, o 1° Grupo de Aviação de Caça, que combateu na Itália durante a Segunda Guerra Mundial. Feito para escoltar os B-17 nos ataques à Alemanha, foi superado em velocidade e manobrabilidade pelo P-51 Mustang, mas sua robustez e capacidade de carga o fez eficiente como bombardeiro leve e avião de ataque ao solo. Os mais de 15 mil Thunderbolt fabricados destruíram muitos trens, pontes e depósitos de munições do governo nacional-socialista de Adolf Hitler, mostrando sua importância para a história. Uma piada que era contada pelos britânicos, eméritos gozadores, era que a fuselagem do Thunderbolt era tão grande que o piloto podia deixar a cabine e se esconder nela quando atacado pelos alemães. Chegava a quase 700 km/h e pesava 7.900 kg com tanques cheios e totalmente municiado com metralhadoras, bombas e foguetes
Derivado do Boeing 707 que voou pela primeira vez em 1956 e se tornou o primeiro jato comercial de grande sucesso, o KC-135 Stratotanker é a versão de reabastecimento aéreo utilizada pelas forças armadas dos Estados Unidos e de alguns outros países, como a França, Chile e Turquia. Já com mais de 50 anos de serviço ativo, e mesmo já tendo sido revitalizado algumas vezes, deverá ter toda a frota de mais de 360 aeronaves substituída em alguns anos, pois os custos de manutenção aumentam constantemente. Esse avião é da Guarda Aérea Nacional sediada em Michigan, sendo da versão R, equipada com motores turbofan CFM 56, e pode levar 90 toneladas de combustível para abastecer outras aeronaves
Sem prestar muita atenção dá para enxergar nessa foto um Electra, o famoso quadrimotor turbo-hélice que a Varig operou na ponte aérea Rio-São Paulo durante décadas, mas se trata do P-3 Orion, versão de patrulha e ataque marítimo muito modernizada do Electra. O Brasil tem nove desses aviões, que estão substituindo os Embraer EMB-111 Bandeirante Patrulha (ou Bandeirulha, como é carinhosamente chamado). O Orion pode voar até 16 horas sem precisar reabastecer, mas missões mais curtas, de cerca de 4.000 km sobre o oceano são mais comuns, em velocidade de cruzeiro de 610 km/h
Pagando um pequeno valor para ajudar na manutenção, podia-se entrar em um B-17, e não perdi a oportunidade. Essa foto mostra o nariz do avião, onde se acomodava o bombardeador, munido do Norden Bombsight, o dispositivo de mira americano que foi considerado o melhor até então. Imaginem a visão voando! Abaixo outras fotos do B-17
O Curtiss SB2C-5 Helldiver é um bombardeiro torpedeiro (TBM) da marinha americana, fabricado em grande quantidade, mais de 7 mil exemplares, e este é o único que ainda voa. Operou a partir de porta-aviões, iniciando em dezembro de 1942. Feito na urgência da guerra, tinha problemas de resposta dos ailerons, que eram muito lentos abaixo de 170 km/h, tinha pouca potência e por isso, difícil de operar em porta-aviões. Levava o piloto e o operador de rádio e artilheiro, que ficava sentado voltado para trás, e precisava baixar uma parte da fuselagem e abrir a carlinga para operar a metralhadora de defesa. Outras fotos abaixo.
O Fairchild-Republic A-10 recebeu o nome Thunderbolt II em homenagem ao avião de Segunda Guerra Mundial, e tem a missão mais específica do que seu parente: destruir tanques blindados. Para isso foi desenvolvido o mais poderoso canhão voador que jamais foi instalado em um avião de um só tripulante. O GAU-8/A Avenger, rotativo de sete canos que lança projéteis de 37 mm de diâmetro por 137 mm de comprimento, a uma cadência de até 4.200 tiros por minutos. São cerca de 1.350 desses projéteis no enorme depósito atrás do piloto, e o alcance de avião é curto, não mais de 460 km para ataque e outro tanto para retorno. Opera desde 1976 e atualmente se discute se a frota de 283 aeronaves será revitalizada ou ele será substituído por um novo avião. A velocidade máxima é de pouco mais de 860 km/h
O Bell P-39 Airacobra é um daqueles projetos incríveis, feitos com um objetivo que, para ser atingido, padrões tiveram que ser jogados na lata de lixo. Para carregar dois canhões Browning M2, de calibre .50 (12,7 mm) que prejudicariam muito a aerodinâmica se fossem montados nas asas, decidiu-se colocá-los na fuselagem, atirando pelo centro da hélice. Como o espaço para motor e canhões era pequeno no nariz do avião, o motor foi colocado atrás da cabine. O resultado é notável, e mais estranho que isso é o acesso por duas portas que abrem como nos carros, de ambos os lados da cabine. Como elas abriam para a frente, impossíveis de abrir contra o fluxo de ar para o piloto saltar em emergências, ambas eram ejetáveis por alavanca. Como a parte de cima da cabine é fixa, o piloto tinha que ser esguio e ágil para sair rápido pela lateral. E não podia ser muito alto. Tudo complicado, mas funcionava razoavelmente bem. Adicionei fotos que tirei em outra ocasião desse conjunto de canhões, motor e transmissão de força para a hélice, na galeria abaixo
Para finalizar, a galeria da apresentação dos Thunderbirds, após a foto que para mim foi a representação perfeita do nome do show, quando dois F-16 passaram a baixa altura sobre o público. Verdadeiros trovões!