Nos dias de hoje, no nosso cotidiano, o automóvel as vezes pode nos parecer o causador do caos urbano, poluidor e perigoso, mas é indiscutível sua importância no desenvolvimento do ser humano, seja pela mobilidade que ele propiciou, seja pelos grandes avanços técnicos e desenvolvimento econômico que foram gerados graças à indústria automobilística.
Mas todos nós, autoentusiastas, amantes do automóvel, sabemos que há muita emoção positiva, paixão, e admiração embutida nesta que eu chamo de arte do automóvel.
Um designer profissional, então, eleva este sentimento a um nível superior já que ele passa uma boa parte de sua vida ao redor dele. O designer é o artista da indústria, e arte sempre esteve ligado a beleza física, à estética.
Nosso drama é lidar com os parâmetros técnicos, políticos e financeiros para gerar milhões de esculturas ambulantes.
No fundo, o automóvel meio que parece com o dono e é um dos seus maiores símbolos de status e, por isso, ele tem que ser bonito, e gosto não se discute. Cada um julga a beleza conforme sua cultura e entendimento, mas, é claro, existem entre os especialistas normas que qualificam o que é e o que não é bonito, e a melhor maneira de se fixar a beleza de qualquer obra é a fotografia.
O automóvel foi sempre meu tema preferido não só para o desenho e pintura mas especialmente para a fotografia. Fotografo carros desde antes da tecnologia digital ser inventada, o que aliás era complicado, já que só 20% das 36 fotos de cada rolo de filme eram de uma qualidade razoável, e uma vez dado o clique não havia maneira de melhorá-la. A tecnologia digital nos liberou, nos deu liberdade para tentar e perseguir a foto perfeita.
Quando eu falo “fotografar” me refiro ao ato de sair com a intenção única de praticar o ato de fotografar e não tirar selfies para postar nas redes sociais.
Além disso, toda foto minha recebe um pós-tratamento, seja somente no corte, para enquadrar o sujeito da foto devidamente ou manipulá-la para extrair efeitos e dramaticidade.
Nesta série que vou chamar de “cada foto uma história” separei para você fragmentos da minha visão sobre a beleza e poesia dos automóveis, contada através de fotos escolhidas entre as centenas que eu tenho produzido durante minha vida.
Espero que gostem.
LV
Carrinho de “Bate-Bate” Esta foi tirada num parquinho de inverno na cidade de Wolfsburg, trabalhando em algum dos muitos modelos lá desenvolvidos. A foto é especial para mim porque ela descreve bem a emoção da velocidade, e o perigo do acidente iminente que esta inserido no ato de dirigir. Se o tema lhe parece meio estranho para um site respeitado como o nosso, não se esqueça que estamos falando da emoção de dirigir e dos sentidos que estão envolvidos, traduzidos em uma fotografia
Fotos tiradas nos salões de automóveis são minha preferidas. Por muitos anos fiz o report das feiras de automóveis de Genebra, Frankfurt e Paris e casualmente China e EUA. O ambiente da feira é ótimo porque você tem muitas situações de ótima iluminação e também de visibilidade – claro em se tratando dos press days. Os carros são corretamente posicionados, especialmente pela o que chamamos de “atitude”, que implica em rebaixar a suspensão para uma posição de carro semicarregado, o que deixa os modelos mais baixos, portanto, mais esportivos. Os carros destinados aos salões são construídos desde a linha de montagem com cuidado especial e passam por intensos controles de engenharia e qualidade garantido que não haja absolutamente nenhum desvio de todos elementos que o compõem, conforme as definições de Design e engenharia. Esta foto foi escolhida porque ela mostra este 500 vintage, humilde e tímido (mas muito bem acompanhado) frente a frente com a grandiosidade de toda tecnologia envolvida nas centenas de lançamentos, show cars, protótipos, carros de luxo e alto desempenho. Foto tirada no Salão de Genebra.
A beleza do automóvel tem muitas facetas. Uma delas é o reflexo da sua superfície externa, que por ser brilhante acaba tendo uma função de espelho, onde o ambiente ao redor é refletido na superfície, fazendo com que o carro, de alguma maneira, se incorpore ao ambiente e vice-versa. Agora, a superfície externa é lisa e brilhante não só por motivos estéticos, mas também para impedir que a pintura fique encardida com pouco tempo de vida. A operação total de limpeza e pintura de um automóvel é uma das mais caras do processo e normalmente tem um altíssimo nível de qualidade e controle. As pinturas modernas já dispensaram o “primer”(pintura de base para fixação do pigmento colorido e verniz) e são à base de água, situação que permite um completo controle sobre poluição do solo. Quanto mais lisa a superfície, mais fácil de limpar, e superfícies opacas, em razão da microtextura que quebra o brilho, encardem e não permitem retoque! Esta foto foi tirada em frente ao Cassino de Mônaco, que se vê refletido na superfície deste lindo Aston Martin.
Uma vez, o Raul Pires, que na época era chefe de exterior da Bentley, me disse que ele tinha sido chamado para fazer algumas propostas de design para a grafia do carro de corrida que disputou e ganhou em Le Mans em 2003. Sendo ele um designer-chefe competente, perguntou-me se não poderia também “melhorar a superfície do carro”, que parecia para o Raul um tanto “rústicas”. Pois para sua frustração, nenhum milímetro da superfície poderia ser mudada já que ela era a melhor solução aerodinâmica ditada pelo pessoal do túnel de vento. Quando comparamos as soluções dos pioneiros automóveis de corrida, vemos as tentativas quase que poéticas de interpretar a aerodinâmica através de formas suaves e bem esculpidas. Hoje o que se vê são formas completamente geradas por computadores que são “disfarçadas” pelas grafias dos patrocinadores, pelas incontáveis “asas”, que direcionam o fluxo de ar, e pela grafia e cores da marca. Mesmo assim não podemos dizer que os carros modernos são mais feios, ou mais bonitos… É só que a linguagem, a estética do automóvel, está mudando para uma interpretação mais técnica levada pelos modernos processos de fabricação, quase todos baseados na realidade virtual. Esta foto foi tirada no Salão de Paris e se não estou enganado é um protótipo Peugeot 908 HDI FAP construído para disputar Le Mans.
Esta imagem eu chamei de “o herói da favela”. Todos sabemos que o automóvel é um dos mais importantes símbolos de status para o homem. (e também para as mulheres, claro) Esta “fusqueta” que às vezes aparecia na rua da praia pertencia a um morador de uma comunidade perto de casa. Ele era o único da sua comunidade que possuía um automóvel, portanto seu status era altíssimo no “pedaço”, sempre trazendo as vizinhas para a praia.. Além do mais, o carro era absolutamente depenado, mas com muita personalidade e limpeza, tinha uma “atitude” muito boa, graças à Suspensão rebaixada, pintura saia e blusa (feita em casa), um par de dados no retrovisor interno e o conjunto estava perfeito.
Sempre adorei os encontros de automóveis na Alemanha, porque sempre via carros completamente desconhecidos e surpreendentes de várias maneiras. Esta figurinha carimbada (que imagino ser um derivado modificado de um Opel Kadett dos anos ’50) mostra muito bem como pequenos detalhes e “atitude” podem embutir caráter em um automóvel. Este foi fotografado em Peine, uma pequena cidade perto de Hannover, norte da Alemanha. Durante a primavera e verão acontecem dezenas de encontros de automóveis antigos no norte da Europa, principalmente na Alemanha e Inglaterra, todas em pequenas cidades, o que acabou se tornando um dos meus melhores passatempos para fins de semana.
Este incrível Bugatti Veyron, todo feito em prata, foi uma das mais impressionantes apresentações, ou “display”, que eu tive o prazer de vivenciar. Fica em um prédio chamado Premiun Clubhouse, dentro do complexo da Autostadt na cidade-mãe da Volkswagen, Wolfsburg. Por uma rampa continua em forma de espiral, que vem do andar térreo, descemos ao redor do modelo, permitindo a vista do mesmo em todas posições. No teto uma grande linha de luz em forma de elipse atravessa toda extensão do salão, projetando “high lights” na superfície intocada e de um brilho perfeito. Em um dos cantos da linha também um grande modulo de luzes frias e coloridas também se projetam tornando o ambiente um refúgio saído do futuro.
Esta foto, tirada no Salão de Genebra, depois de devidamente cortada e tratada (nesta época e ainda hoje trato todas minhas fotos no Photoshop ou outros programas de imagens) me fez lembrar os maravilhosos catálogos americanos dos anos 60/70, quando a fotografia ainda não tinha dominado os estúdios gráficos, e as ilustrações eram feitas por ilustradores da marca, usando guache ou acrílico. Nesta imagem também está escondida uma mensagem subliminar, que nos atinge a lembrança e nos remetem a histórias e poesia, sem palavras. Mulheres e automóveis sempre vão muito bem.