Percebendo uma possibilidade interessante, um Chevrolet Impala competiu numa prova do Campeonato Britânico de Sedãs, que lá é chamado saloon. O ano era 1961 e o piloto ninguém menos que Daniel Sexton Gurney (1931–2018), conhecido mundialmente como Dan Gurney, que enxergou o uso do carro americano na “Ilha dos Entusiastas” (como eu chamo a Inglaterra) desafiando os Jaguar Mk II 3,8-litros que dominavam o campeonato e tinham, entre outros pilotos, Graham Hill, que no ano seguinte seria campeão mundial de Fórmula 1 pela primeira vez.
O Impala ’61 era a terceira geração do carro, tinha motor V-8 de 6,7 litros, ou 409 polegadas cúbicas — o famoso “Four Oh Nine” dos Beach Boys — com 390 hp SAE brutos. Com sabedoria, foi especificado para o Impala o pacote de uso pesado, usado pelas unidades de polícia: barra estabilizadora mais grossa, molas mais duras e amortecedores de mais carga — menos oscilações de carroceria — e freios a tambor com material de atrito em metal sinterizado e tambores específicos. Não havia freio a disco na linha Impala naquele ano.
Entregue em fevereiro de 1961, foi trabalhado por Bill Fowler e Bill Thomas, para prepará-lo para corrida. Isso incluiu o balanceamento do motor, inclusão de barra estabilizadora traseira do Corvette, adição de dutos de ar para arrefecer os freios dianteiros, rodas de 15 polegadas de diâmetro de aço estampado com pneus 7.60-15 Goodyear Blue Streak. E só.
Nos primeiros testes de ajustes, o carro bateu o recorde para carros de rua na pista de Riverside, na Califórnia, sendo enviado em seguida para o 13th Annual International Trophy Meeting, em Silverstone. O carro foi embarcado para a Inglaterra em maio, com banco inteiriço, aquecedor e rádio.
A primeira prova em que o Impala foi inscrito foi em Silverstone, e a pole position foi conquistada com 1,2 segundo de vantagem sobre o Jaguar Mk2 de 3,8 litros pilotado por Graham Hill. Os britânicos ficaram de orelha em pé.
Na hora da corrida, narizes torcidos para aquele carro americano muito diferente dos que se tinha como hábito na Europa, e que não era nem mesmo vendido oficialmente por lá. Largada com o Impala fácil na frente, e depois de quase todas as voltas liderando, a roda traseira direita trincou junto da fixação, e quebrou de forma a quase descontrolar o carro. Não havia como continuar. Faltavam apenas duas voltas.
Gurney sabia a solução e ela estava em casa. Rodas robustas utilizadas na categoria Nascar, que foram imediatamente embarcadas dos Estados Unidos para serem usadas na próxima corrida do Campeonato, que seria em 8 de julho.
Na noite do dia 7, Gurney foi avisado que o carro não estava homologado pela Federação Internacional do Automóvel (FIA) e não poderia correr. O problema era apenas documentação, que havia sido enviada pela divisão Chevrolet da GM, mas fora direcionada erroneamente dentro da FIA. Com isso havia ocorrido um atraso para chegar ao departamento correto, e a homologação não fora feita. Assim, não havia chance de permitir que o carro participasse daquele campeonato, algo bem estranho, já que duas semanas antes, na primeira prova, não havia esse problema.
Gurney afirmou até antes de sua morte que o engano havia sido deliberadamente provocado pelo chefe de competições da Jaguar, Lofty England, através de seus amigos dentro da FIA, em Paris. Segundo ele, isso era do jogo das corridas, e sempre será.
Sem perder tempo, pois participava também da F-1 naquele ano, Gurney escreveu uma carta de protesto endereçada à FIA, e vendeu o carro para um amigo australiano. O carro ficou na Austrália até ano passado, quando foi enviado para os EUA para ser restaurado.
Quando Dan Gurney faleceu em janeiro de 2018, faltava pouco para se completar a restauração do Impala. O trabalho foi quase todo feito pela Jordan Engineering, a pedido de Ed Foster. Ele havia comprado o carro sabendo exatamente do que se tratava, e tinha como meta conseguir que Dan Gurney o dirigisse no evento de Goodwood, organizado pela empresa onde trabalha Foster.
O Goodwood Revival Meeting ocorre anualmente em setembro, e tem entre seus acontecimentos o Festival of Speed (festival da velocidade), que reúne centenas de carros antigos de todos os tipos. O sucesso foi tão crescente na última década que é comum protótipos camuflados serem exibidos pelos fabricantes muito antes dos seus modelos serem lançados no mercado. Propaganda direcionadíssima, mostrar carro novo para entusiastas, antes de começar a vender.
Agora, em 11 de dezembro, o carro apareceu também diante do Museu Jim Clark, que vai reabrir ampliado em meados de 2019, no verão. Fica em Duns, na Escócia. Gurney competiu com Jim Clark na F-1 e outras categorias, e o respeito sempre foi mútuo, como convém a cavalheiros, mesmo rivais.
Abaixo, dois vídeos, a primeira parte de quatro no total, que mostra resumidamente como o carro foi restaurado, e outro mostrando o piloto Dario Franchitti apresentando o Impala no festival de Goodwood deste ano.
JJ
Fotos: Goodwood Revival Meeting, Ed Foster, revistas Motorsport, Autosport e Road&Track