A chegada do Volkswagen up! em 2011 na Europa e depois de três anos ao mercado brasileiro foi muito comemorada principalmente pelo motivo da qualidade construtiva de carroceria, muito bem projetada e que ao menos na sensação que o carro passa ao ser dirigido, mais resistente à torção que qualquer outro carro de tamanho similar disponível no mercado nacional.
Mas a concepção do up! é muito anterior, de 1982. Já naquele ano o departamento de Design da Volkswagen em Wolfsburg, Alemanha, estudava um carro pequeno, talvez em um pensamento saudoso com o aumento de tamanho do Golf, que entrou em sua segunda geração em 1983. Os mais afeitos a carros simples e leves sabiam que o futuro seria cada vez mais pesados, já que normas de segurança só fariam aumentar a necessidade de carrocerias mais fortes e quase sempre mais pesadas e adoção de equipamentos de segurança.
Um modelo de Design em clay, como já bem explicado nesse matéria do Luiz Veiga aparece nas fotos a seguir. Notem que dentro do estúdio o modelo mostra claramente um disco de freio, e pouco visível a suspensão dianteira. O conceito foi feito com quase toda mecânica do Polo, e dessa forma peças reais deste modelo foram utilizadas, facilitando essa parte do trabalho dos estilistas, que puderam utilizar como base física de construção itens normais de produção, o que ajuda em todos os sentidos.
Hoje podemos entender melhor como evoluiu esse conceito ao observar o up!, que excetuando-se o que o tempo provocou, é muito similar. O carro de que estamos falando se chama Student, código EA-48, EA significando Entwicklungsauftrag, pedido de desenvolvimento, um termo bem alemão, nada romântico e totalmente técnico.
O interior tem instrumentos básicos diante do motorista, com um volante com dois raios na configuração clássica da década de 1980, o V invertido, absolutamente horrível para quem gosta de empunhar um volante de forma segura e prática, mas que os designers gostavam muito por permitir ótima visualização dos instrumentos. Os comandos de ventilação e rádio estavam no centro do painel e havia prateleiras à frente de ambos ocupantes da frente.
Os bancos eram da menor espessura possível, para permitir espaço para as pernas de quem vai atrás. O traseiro era dividido ao meio e os encostos basculavam para frente para melhor aproveitar o espaço quando se precisasse carregar volumes que não coubessem no porta-malas. Essa característica de banco traseiro dividido é algo que sempre repetimos no AE, deveria ser item normal em qualquer carro de qualquer fabricante, mesmo os de menor preço, pois representam uma enorme ajuda ao dono do carro. É um item que faz a diferença entre ter o carro como seu amigo ou algo que não lhe ajuda quando necessário.
O espaço interno com área de passageiros e bagagem de 2,31 m², apenas quatro porcento menor que o Polo, mesmo tendo 3,30 m contra 3,65 m de comprimento deste. Na tentativa de fazer o carro mais barato foi escolhido apenas duas portas, que não são práticas nos estacionamentos e garagens, e não ajudam nada o acesso para que se senta atrás, mas que sem dúvida contribuem para um desenho com menos elementos na lateral.
O formato geral e pelo menos uma característica construtiva fazem sem dúvida remeter o pensamento ao up!. A porta traseira (escotilha ou hatch) é toda em vidro, exatamente como o up! é fabricado na Europa, e que infelizmente não chegou ao Brasil, mercado extremamente conservador e que veria isso como uma fragilidade e uma facilidade para acesso ao carro por parte dos amigos do alheio. Uma pena esse conservadorismo brasileiro.
A forma e a simplicidade externa, sem enfeites ou excesso de vincos, fez o coeficiente de arrasto ser de apenas 0,31 no EA-48, que era 21% melhor que o Golf de segunda geração, o carro do grupo Volkswagen mais moderno naquele ano, novidade no mercado.
Mecanicamente o conceito era todo provindo do Polo. Deveria ser dotado de duas opções de motores. O mais barato, um quatro-cilindros 1,2-litro de 50 cv, com aceleração de 0 a 100 km/h 14 segundos e velocidade máxima de 165 km/h, 13 km/h menos que os 178 km/h com o motor maior, de 75 cv, indo da imobilidade a 100 km/h em torno de 10 segundos. Os consumos médios no ciclo europeu seriam 23 km/l no primeiro e 17,2 km/l no segundo.
Suspensões, freios e direção, os mesmos do Polo de produção, o carro menor e mais leve da empresa de Wolfsburg. Haviam torres McPherson na frente e eixo de torção na traseira, arquitetura básica da maioria dos carros de carroceria monobloco do planeta, simples, de baixo custo e eficientes.
As pequenas dimensões, 3.130 mm de comprimento, 1.510 mm de largura e 1.310 mm de altura permitiam o peso estimado para produção ser pouco acima do conceito, e o valor era absolutamente ótimo neste, 590 kg com o motor menor, com tanque vazio. A versão move do up! pesa hoje 952 kg em ordem de marcha, uma diferença de mais de 350 kg!
Quando um carro conceito interessante fica apenas em um desejo é lamentável pelo aspecto da evolução dos automóveis. Melhor quando, mesmo depois de muito tempo, vemos uma boa ideia se materializar, mesmo que uma boa parte do que as cabeças que o criaram seja obrigatoriamente perdido pelas normas e regulamentos que se precisa atender.
JJ
Fotos: cardesignnews, carstyling.ru, ranwhenparked.net