Partir de São Paulo para uma viagem de final de semana no começo da tarde de uma quinta-feira é um privilégio raro, ainda mais com um carro praticamente inexplorado, o Renault Captur Intense, a versão mais chique entre as dotadas do motor 1,6-litro.
Marcando pouco mais de 2 mil km no hodômetro, ao colocar as bagagem no porta-malas imediatamente lembrei do rival, o recém-avaliado no Teste de 30 Dias Citroën C4 Cactus no qual, com certeza, o espaço na área de carga não era o forte. Já no Captur, o espaço sobrou no bem revestido compartimento de anunciados 437 litros de capacidade.
Três a bordo, dia de sol e um fim de semana esticadão pela frente mas, como contarei mais adiante, nem tudo foi uma maravilha, a começar pelo congestionamento acima do normal para o dia e horário de saída da capital paulista.
O enrosco até chegar à rodovia, pouco mais de 20 quilômetros percorridos a passo de tartaruga cansada, teve ao menos a utilidade de confirmar o quanto irritante é um “tique” do Captur: o zunido constante que se percebe apenas quando o carro está parado, ligado e com vidros fechados. Não demorou nada para que eu descobrisse que a origem do ruidinho chato é o sistema de direção com assistência eletro-hidráulica, pois basta mover levemente o volante para que ele suma e volte em seguida.
Defeito da unidade ou característica do sistema? Até onde pesquisei parece ser a segunda hipótese. Relatos de tal zunido são recorrentes quando o assunto é Captur e Duster, que se vale do mesmo sistema de assistência de direção. Uma chateação sonora que só se revela na específica condição que relatei, com carro parado e motor ligado. Espero que seja um mal de juventude.
Na retilínea rodovia, cravados os 120 km/h regulamentares, o Captur recuperou a imagem perante ao povo instalado na ampla cabine mostrando um silêncio a bordo que compensou o ruído irritante ouvido no congestionamento. O convívio ia bem, até que a chegada do pedágio fez o Captur perder pontos novamente. Causa? Certa lerdeza na aceleração.
Esse joguinho de prós — conforto quando embalado — e contras — a lerdeza — marcou o trajeto de quase duas horas que antecedeu a descida da serra: a cada pedágio simulava uma largada variando o procedimento em busca de desempenho. Ora afundava o pé no acelerador com câmbio em “D”, outras vezes tentei a alavanca, e outras vezes ainda acelerei progressivamente, com ar ligado, sem ele… De qualquer jeito, infelizmente, o veredicto é que este Renault não é, definitivamente, um campeão das arrancadas, está longe disso.
Falta potência? Bem, 120 cv declarados com 16,2 m·kgf de torque (álcool) para empurrar quase 1,3 tonelada em ordem de marcha não é receita de esportivo, mas a sensação de quem está no volante é de que os tais 120 cv declarados não estão lá de verdade. Considerando que havia apenas três adultos a bordo e bagagem mínima imagino como seria se a lotação fosse plena.
A Renault divulga uma aceleração 0-100 km/h de 13,1 s com álcool, tempo que a meu ver não é um desastre, e talvez o problema não seja mesmo o tempo em si que ele leva para alcançar os 120 km/h, mas sim como isso acontece.
Suponho que a sensação de lerdeza se deve não apenas ao câmbio CVT, que por natureza deixa o giro do motor subir e se estabiliza em um patamar alto, ruidoso (como praticamente todos deste tipo). Quando nosso ouvido percebe um motor girando alto qual a mensagem que o cérebro recebe? Que a velocidade tem de aumentar, claro. No Captur ela aumenta, mas a pegada inicial é morna demais. Isso também acontece quando o câmbio é manual por determinação do motorista ao empregar marchas baixas, o que não acontece com o CVT. Creio que a resposta inicial dependa de vários fatores, do ajuste especificado para o acelerador eletrônico ao gerenciamento do sistema de injeção. Seja o que for, a aceleração até os 10 ou 15 km/h realmente passa a impressão que o Captur é fraco demais.
Uma vez embalado, o Renault procede sem que seja necessário usar muito acelerador o que mostra que, vencida a inércia, a preguiça da cavalaria passa. Mas com certeza pressa ou esportividade não combinam com o Captur que, como disse linhas acima, se revela bastante agradável em velocidade de cruzeiro, os tais 120 km/h, em que segue a pouco menos de 2.500 rpm. Caso seja necessário elevar o ritmo a 130 km/h ou mais, o sofrimento não é tão grande. Enfim, quando embala, vai que vai.
É curioso pensar que este mesmo carro tem uma versão com motor maior (mais antiquado e pesado), de 2 litros e creditado em 150 cv. Porém, um Captur com motor assim só pode ser comprado com uma anacrônica caixa automática convencional (epicíclica) de quatro marchas. Qual teria sido o entrave de “casar” o atual câmbio CVT X-Tronic (ou o seis-marchas manual que era usado no Fluence) ao motor 2- litros? Vai saber!
Na descida da serra aproveitei para verificar se a impressão que tinha ao ver os Captur nas ruas, com aquela carroceria alta e distância ao solo idem, iria realmente resultar numa rolagem exagerada. Descobri que não, a impressão ao volante nas curvas de raio médio tomadas de maneira mais animada é que ele está bem plantado no chão, com o volante comunicando bem o que se passa entre pneus e asfalto.
Outra coisa positiva vem da ação do câmbio, que quando solicitado à redução através da alavanca age prontamente, oferecendo um freio-motor até que razoável para ser o que é, ou seja, um CVT. Outra boa impressão? Sim, os freios, que mordem de maneira progressiva e, quando mais exigidos, dão a impressão de ter competência para segurar toda aquela massa de carro de modo mais do que decente.
Na chegada ao destino, as boas-vindas foram dadas pela pavimentação ruim, lombadas e uma dose de estradinha “de chão”. Neste cenário a direção, que me pareceu tão boa até ali, mostrou uma característica menos agradável, passando às minhas mãos mais do que seria adequado quando transitando sobre irregularidades. Me pareceu que quanto mais esterçado estiver o volante, mais a aspereza do chão se refletia nas mãos e isso, com certeza, não é elogiável.
Ao estacionar, mais de quatro horas depois da partida, o computador de bordo me avisou que a média do consumo de álcool foi de 9,4 km/l, cifra melhor do que o dado oficial, 8,1 km/l, embora fosse descendo do planalto para o litoral… Exagerei nas largadas do pedágio? Sim, mas mesmo assim, achei a marca algo acima do que estou acostumado a verificar nesse manjado trajeto, embora, como eu disse, ela fosse melhor do que a fábrica informa.
Analisando os dados do computador de bordo deduzi que talvez abastecer seria necessário para chegar de volta a São Paulo. Normalmente, mesmo usando álcool, consigo ir e voltar com um tanque, mas desta vez parecia que não ia dar.
E, não deu mesmo: depois de uma sexta e sábado de pequenas andanças o ponteiro baixou fortemente. O vai-e-vem litorâneo não ajudou ao consumo, que mergulhou a ponto de me mostrar, no momento da volta a à capital, uma autonomia de 90 km, e faltavam 250 km para casa. Minha esperança? Que com o ritmo de rodovia (e apesar da subida da serra) a autonomia fosse sendo reconquistada. Doce ilusão! Os litros no tanque talvez fossem suficientes caso não me deparasse com uma subida de serra congestionada, daquelas de feriadão.
Para chegar a São Paulo normalmente levo 1h~1h15. Desta vez levei 2h30 sendo que em algumas vezes, nos trechos mais íngremes, parei. Zero por hora na rodovia. Solução? Paciência e aumentar o volume do (bom) sistema de som, esquecer o trânsito, o zunido da direção e a lerdeza do Captur no 0-15 km/h, agravado pelo forte gradiente da rodovia no trecho de serra, 7,25% — isso média, há pontos em que ela é mais acentuada.
Faltando 120 km para o destino, abasteci. A luz amarela avisando nível baixo de combustível acendera fazia tempo, o ponteiro estava morto e o indicador de autonomia do computador de bordo me abandonara uma dezena de quilômetros antes, e mostrava dois preocupantes tracinhos. Ao abastecer, conferi que luz, ponteiro e computador de bordo mentem. Entraram 39,6 litros em um tanque de capacidade declarada de 50 litros. Mesmo assim não daria para chegar, pois a média deste trecho ficou em 9,1 km/l.. De qualquer maneira, o consumo médio da ida e da volta ficou em 9,2 km/h, melhor do que oficial informado.
A conturbada viagem de volta não teve só engarrafamento na subida da serra, neblina e estresse de pane seca: logo depois do abastecimento o horizonte ficou cinza-chumbo e uma tempestade bíblica desabou. Bom para aferir a eficiência dos limpadores de para-brisa, dos faróis e principalmente dos pneus, os ótimos Continental ContiCross LX2 que encararam a espessa película de água de maneira valente, sem jamais sequer fazer menção de aquaplanar. Evidentemente a velocidade nestes quinze ou vinte minutos de chuva fortíssima foi reduzida a algo entre 60 e 80 km/h. Tal ocasião também evidenciou o despreparo de muitos motoristas, que cometem o crasso erro de prosseguir com a luz do pisca-alerta ligadas, ou outros que parados no acostamento não as ligam.
Passada a tempestade, recorri ao controlador de velocidade que funciona a contento e tem acionamento intuitivo a não ser pelo botão liga-desliga, afundado no console central, escondido pela alavanca do freio de mão, lugar onde está também o botão ECO que altera a gestão eletrônica do motor em busca de maior economia. Pouco o usei durante esta viagem por sentir que a performance, nada exuberante, seria ainda mais comprometida.
Na SP-125 Rodovia Oswaldo Cruz, entre Taubaté e Ubatuba, grave erro de sinalização: linha central tracejada que permite transposição para ultrapassar e placa de ultrapassagem proibida. Onde a engenharia rodoviária do DER-SP está com a cabeça?
Saldo do percurso? O Captur é confortável, tem excelente porta-malas, cabine com boa variedade de porta-objetos e ergonomia razoável (faz falta o ajuste de distância no volante). O encosto do banco me pareceu passível de melhoria mas a climatização cumpre seu papel assim como o sistema multimídia.
Como ponto positivo destaco a boa dirigibilidade, não afetada pela importante altura mínima em relação ao solo de 21,2 cm (carro vazio), que me deixou ignorar valetas, lombadas, desníveis pronunciados e o que mais viesse pela frente.
Falta motor? Infelizmente sim. Não o torna inseguro, não faz dele inviável em viagem mas desperdiça o potencial de um conjunto razoavelmente afinado, que peca em detalhes (o zunido e aspereza da direção sob irregularidade), mas não no todo. Como insiste a propaganda da Renault, no Captur o design ocupa posição de destaque, é realmente atraente e conquista a maioria das pessoas. Certamente as vendas responderiam de modo positivo à correção de pequenos detalhes entre os quais o maior deles é a pegada fraca do motor.
Para a 3ª semana do Teste de 30 Dias com o Renault Captur, a intenção é passar do álcool à gasolina e ver se, proporcionalmente, o rendimento do motor SCe melhora. Uso urbano e talvez mais uma viagenzinha estão no horizonte, que pelo menos aqui no sudeste do país continua cinza-chumbo, cheio de água.
RA
Veja o relatório da 1ª semana
Renault Captur Intense 1.6 CVT X-Tronic
Dias: 14
Quilometragem total: 703 km
Distância na cidade: 243 km (35%)
Distância na estrada: 460 km (65%)
Consumo médio: 7,9 km/l (álcool)
Melhor média (álcool): 11,3 km/l (rodovia)/5,6 km/l (cidade)
Pior média (álcool): 9,4 km/l (rodovia)/3,8 km/l (cidade)
Velocidade média: 24 km/h
Tempo ao volante: 29h10min
FICHA TÉCNICA RENAULT CAPTUR INTENSE 1,6 SCe CVT X-TRONIC | |
MOTOR | |
Denominação | 1.6 SCe |
Descrição | 4 cil. em linha, dianteiro, transversal, bloco e cabeçote de alumínio, duplo comando de válvulas, corrente, variador de fase na admissão, 4 válvulas por cilindro, injeção no duto, aspiração atmosférica, flex |
Diâmetro x curso (mm) | 78 x 83,6 |
Cilindrada (cm³) | 1.597 |
Aspiração | Atmosférica |
Taxa de compressão (:1) | 10,7 |
Potência máxima (cv/rpm) (G/A) | 118/120/5.500 |
Torque máximo (m·kgf/rpm) (G/A) | 16,2/16,2/4.000 |
TRANSMISSÃO | |
Câmbio | Transeixo dianteiro automático CVT X-Tronic com conversor de torque, tração dianteira |
N° de marchas simuladas | 6 à frente e 1 à ré |
Relações simuladas (:1) | 3,874 a 0,532 |
Espectro (:1) | 7,281 |
Relação do diferencial (:1) | 4,88 |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | Independente, McPherson, braço triangular, mola helicoidal. amortecedor pressurizado e barra antirrolagem |
Traseira | Eixo de torção, mola helicoidal e amortecedor pressurizado |
DIREÇÃO | |
Tipo | Pinhão e cremalheira, assistência eletro-hidráulica indexada à velocidade |
Diâmetro mínimo de curva (m) | 10,7 |
FREIOS | |
De serviço | Hidráulico, duplo-circuito em diagonal, servoassistido, ABS (obrigatório), distribuição eletrônica das forças da frenagem e auxílio às frenagens de emergência |
Dianteiros (Ø mm) | Disco ventilado, 269 |
Traseiros (Ø mm) | Tambor, 229 |
RODAS E PNEUS | |
Rodas | Liga de alumínio, 6,5J x 17 |
Pneus | 215/60R17V |
PESOS (kg) | |
Em ordem de marcha | 1.286 |
Carga útil | 449 |
CONSTRUÇÃO | |
Tipo | Monobloco em aço, 4-portas, 5 lugares |
DIMENSÕES EXTERNAS (mm) | |
Comprimento | 4.329 |
Largura (sem espelhos) | 1.813 |
Altura | 1.619 |
Distância entre eixos | 2.673 |
Distância mínima do solo (vazio) | 212 |
CAPACIDADES | |
Porta-malas (L) | 437 |
Tanque de combustível (L) | 50 |
DESEMPENHO | |
Aceleração 0-100 km/h (s) (G/A) | 14,5/13,1 |
Velocidade máxima (km/h) (G/A) | 168/169 |
CONSUMO DE COMBUSTÍVEL (INMETRO/PBEV) | |
Cidade (km/l) (G/A) | 10,5/7,3 |
Estrada (km/l) (G/A) | 11,7/8,1 |
CÁLCULOS DE CÂMBIO | |
v/1000 em 6ª simulD (km/h) | 48,6 |
Rotação a 120 km/h em 6ª simulada (rpm) | 2.470 |
GARANTIA E MANUTENÇÃO | |
Duração da garantia | 3 anos ou 100.000 km |
Revisões, intervalo (km) | 10.000 |
Troca de óleo do motor (km/tempo) | 10.000 / 1 ano |