Ettore Bugatti era um dos grandes gênios projetistas de automóveis de sua época. Os Bugattis eram refinados, tinham recursos raramente vistos em outros modelos até sua aplicação, e nas pistas de corrida todo o refinamento era convertido em vitórias.
O Tipo 35 foi um dos maiores vencedores de corridas de todos os tempos, com mais de mil vitórias registradas ao longo dos anos em que esteve na ativa. A construção do carro todo era voltada para a leveza e eficiência, com recursos avançados para a época como o eixo rígido tubular usado na suspensão, os feixes de mola montados em um alojamento no meio do eixo e rodas de liga leve. O motor do 35 era um oito-cilindros em linha, três válvulas por cilindro, comando no cabeçote e posteriormente, supercarregado.
Cada pequeno detalhe do Tipo 35 o tornou um vencedor, assim como cada pequeno detalhe dos Bugattis de passeio os tornavam especiais, criando uma mítica aura que perdura até hoje.
O fim das participações da Bugatti no mundo do automobilismo ocorreu nos anos 1930 e foi sacramentada pela Segunda Guerra Mundial, quando a produção da marca estaria dedicada a equipamentos militares. A fábrica de Molsheim, no leste da França, foi destruída por ataques aéreos durante a guerra, e confiscada pelo governo no período. Ettore já estava descrente e com sua saúde abalada, uma vez que, além de perder a fábrica, havia perdido seu filho Jean em 1939, num acidente durante os testes do Tipo 57 de corrida.
Recluso em uma morada em Paris, Ettore adoeceu a ponto de ficar em coma por semanas, fruto de um problema neurológico, que o levou à morte em 21 de agosto de 1947. O que havia restado da Bugatti foi alvo de disputas familiares por conta dos herdeiros dos dois casamentos de Ettore.
A produção estava tentando se reerguer com uma nova fábrica em Levallois, nos arredores de Paris, mas pouco foi feito e algumas unidades foram fabricadas do Tipo 101, obra de Pierre Marco, o gerente-geral da Bugatti, e Roland Bugatti, o filho mais novo de Ettore de seu primeiro casamento. O 101 era uma evolução do Tipo 57.
Outro ponto glorioso que Roland queria reviver era a participação nos Grandes Prêmios, agora conhecidos como Fórmula 1, com carros que levavam o nome de sua família. Diferente do Tipo 101, o novo carro de corrida não poderia ser apenas uma melhoria de um carro já usado no passado pela marca. A competitividade das pistas não seria conivente com tal tentativa. Os rivais já tinham carros muito mais modernos.
O principal desafio seria criar um novo motor para o carro de corrida, uma vez que as regras da F-1 ditavam motores de 2,5 litros aspirados ou 750 cm³ supercarregados, completamente diferentes do tradicional 2-litros supercarregado do Tipo 35. Para tal desenvolvimento, Roland e Pierre conseguiram contratar um homem extremamente qualificado desenhar um motor aspirado de corrida: ninguém menos que Gioacchino Colombo, o pai do motor “Colombo” V-12 da Ferrari.
O currículo de Colombo era extenso e respeitável, com o famoso V-12 Ferrari, o motor do Alfa Romeo Alfetta dos anos 30 e depois dos primeiros F-1 nos anos 1950, além da usina de força do Maserati 250F, seu último trabalho antes de migrar para a Bugatti. O conceito do carro todo seria uma novidade para a Bugatti, com sua tradição na configuração de motor dianteiro longitudinal e tração traseira.
Para o motor novo, Colombo projetou um oito cilindros em linha, dividido em duas metades, como dois motores de quatro cilindros unidos pelo centro. Para conseguir potência no motor sem supercarregamento, a solução era aumentar a rotação. Com cilindros de 75 mm de diâmetro e curso dos pistões de pouco menos de 69 mm (configuração chamada de superquadrada, onde o curso do pistão é menor que o diâmetro do cilindro), o motor conseguia maiores rotações, batendo a marca de 9.000 rpm.
Dupla ignição, duplo comando de válvulas e quatro carburadores Weber gerenciavam as centelhas e a mistura ar-combustível para os cilindros de forma harmoniosa para conseguir perto de 250 cv. Para a época, uma respeitável marca de 100 cv/litro em um motor aspirado. Os comandos eram acionados pelo centro do motor por meio de engrenagens, um recurso usado no caso de virabrequins longos, para reduzir o esforço de torção causado pelo acionamento em uma das extremidades da árvore de comando de válvulas..
Assim como os comandos, a árvore de saída de potência para a transmissão também era no meio do bloco. Mas por que fazer a saída do motor no centro? Pelo simples fato de que o motor seria montado transversalmente atrás do piloto. Seria o primeiro Bugatti de motor central, e um dos primeiros carros de F-1 com este conceito. Colombo projetou o carro para receber o motor nesta posição, pois sabia que um oito-em-linha seria grande demais para montar na longitudinal e prejudicaria o equilíbrio do carro.
Para otimizar a montagem do motor atrás do piloto, Colombo posicionou a admissão do motor virada para frente e criou um sistema de dutos que captam o ar próximo ao para-brisa e o levam diretamente aos Webers,numa espécie de indução forçada de ar, cujo conceito é usado até hoje em quase todos os carros de corrida, em que a velocidade do carro captando ar e enviando diretamente para a admissão de motor cria um supercarregamento natural..
O câmbio de cinco marchas sincronizadas, projetado por Porsche, era montada paralela ao bloco do motor, abaixo dos coletores de escapamento, que transferia o torque para as rodas traseiras por semárvores vindas do diferencial central, montado junto com a parte de trás do câmbio.
Com o motor montado no centro do carro, o radiador, que permaneceu na extremidade dianteira, tinha que ser conectado ao bloco de alguma forma. A solução para evitar a adição de dutos foi passar toda a água por dentro dos tubos da própria estrutura do chassis. Este, por sua vez, era de certa forma convencional, sem grandes novidades.
A suspensão do carro era pouco convencional, contrastando com o chassi. A dianteira utilizava eixo rígido, algo já abandonado pelas outras equipes há tempos, com um feixe de mola transversal único montado sobre o chassi. A traseira era um complicado sistema De Dion, de eixo rígido mas com diferencial suspenso, ligando as rodas e amortecedores com molas helicoidais montados de forma cruzada no centro do carro, com acionamento por alavanca, similar ao sistema pushrod com balancins dos carros de F-1 modernos.
Com o chassi largo para caber o motor montado de lado, Colombo sugeriu um entre-eixos curto para que o carro ganhasse agilidade, no que ele pode ter exagerado um pouco. No primeiro teste em 1955, o experiente piloto francês Maurice Trintignant teve dificuldades com a estabilidade do carro, justamente pelo entreeixos ser curto demais. A complicada suspensão não ajudava também, e logo Colombo preparou um chassi com entre eixos maior e sem a suspensão traseira pushrod. Esta nova configuração agradou mais a Maurice.
A primeira e única participação do Tipo 251 em uma corrida oficial foi no Grande Prêmio da França de 1956, na pista de Reims com seus oito quilômetros de extensão. Mesmo com o primeiro carro pronto em 1955, muitas corridas na Europa foram canceladas por conta do trágico acidente em Le Mans com o Mercedes-Benz voando sobre a arquibancada, e praticamente não houveram oportunidades para o time correr.
Durante os treinos, Maurice andou com os dois carros, mesmo preferindo o entre-eixos longo, foi para a corrida com o primeiro carro, arisco e difícil de controlar. Conseguiu classificar-se em 18° lugar de um total de vinte carros, mesmo sofrendo com a pilotagem. Na corrida, depois de dezoito voltas, o carro voltou para os boxes com problemas no acelerador que travava constantemente. Trintignant aproveitou a parada para desistir da corrida, revoltado com a dinâmica sofrível do carro.
Depois do resultado no GP de Reims, Maurice não viu futuro no projeto do Tipo 251 e pulou fora do barco, voltando para a Vanwall até o fim da temporada de 1956. Este foi um duro golpe para a Bugatti, que tinha um projeto sem futuro e agora sem piloto.
A tentativa de se reerguer da guerra e da morte de Ettore Bugatti através da visibilidade do automobilismo foi louvável, mas fracassada. O 251 foi uma aposta alta em termos de inovação, com um conceito bem diferente dos demais concorrentes. Era o clássico cenário de que ou poderia dar muito certo, ou daria muito errado. A surpresa foi que, mesmo com pessoas do calibre de Colombo, o carro foi um fracasso.
É bem possível que, se o projeto do 251 não tivesse sido tão arrojado, poderia ter sido competitivo ao ponto de rivalizar em igualdade com os italianos e alemães. Colombo era um excelente projetista e estava em alta na época, quem sabe um pouco menos de radicalismo no projeto teria feito do 251 um carro competitivo. De qualquer forma, hoje ele é uma referência de inovação na época, mesmo sendo fracassada.
Para Roland Bugatti, não só na F-1 sua marca ia de mal a pior. As vendas do modelo 101 de passeio eram muito fracas, com apenas nove carros completos que não pagavam a estrutura envolvida na fabricação. Não havia outra opção a não ser fechar as portas da mais refinada fabricante de automóveis da França.
A fabricação de carros fora suspensa, e até o começo dos anos 1960, Roland tentou viabilizar o que foi conhecido como o Tipo 252, um carro esporte desenhado por Giovanni Michelotti que não passou da fase de protótipo quando a marca foi comprada pela Hispano-Suiza. Este foi o fim dos carros da família Bugatti, frutos da vontade de um italiano em fabricar os melhores carros do mundo.
MB