A pandemia do Covid-19 segue causando prejuízos na economia e, principalmente, vítimas mundo afora. Frente a um realinhamento de valores em que o mundo começa a desvendar, atividades não essenciais são reinventadas para preservar a própria existência e aqui entra o cenário da F-1 deste ano. Com nove de suas 22 datas já postergadas desde março, a abertura da temporada 2020 cobra soluções criativas e urgentes que ajudem a manter a estrutura internacional do automobilismo: se o universo Grand Prix ruir levará consigo empregos, empresas de serviços, fábricas e, especialmente, muitos sonhos dela própria e de várias outras categorias.
Nem Chase Carey, executivo que comanda o aspecto comercial da F-1, tampouco Jean Todt, presidente da Federação Internacional do Automóvel (FIA), dormem tranquilos nos últimos 30 dias. A Liberty Media, empresa dirigida pelo americano, já sabe que o retorno dos US$ 8 bilhões investidos em 7 de setembro de 2016 para comprar os direitos comerciais da categoria demandará um pouco mais de tempo do que o previsto. Por seu lado, o francês tem claro que não pode permitir que a galinha dos ovos de ouro de sua entidade morra durante seu terceiro mandato:
“Eu tenho certeza que muitas equipes, fornecedores e fabricantes estão revendo seus programas, programas que podem ser interrompidos. Eu não quero ser demasiadamente confiante, mas eu espero que alguns donos ou patrocinadores de equipes sigam motivados. Por esse motivo temos que garantir que eles continuem apreciando e necessitando do esporte. Garantir que isso aconteça é nossa responsabilidade.”
Ocorre que a F-1 assumiu dimensões maiores que o tamanho que representa para a maioria da população mundial, cortesia do crescimento infinito perpetrado pela genialidade de Bernie Ecclestone. O inglês soube explorar a demanda exibicionista de consumidores de grifes e símbolos de riqueza em episódios regulares durante o ano inteiro exibidos em palcos tão contrastantes como Abu Dhabi e São Paulo. Nada que não seja replicado em doses mais homeopáticas em outras esferas e camadas sociais, mas estamos falando do único seriado cujo crescimento levou à criação de escuderias com alguns poucos milhares de empregados para construir cerca de meia dúzia de automóveis usados por dois pilotos a cada ano. Será difícil sustentar o preço disso na era pós Covid-19
Por mais que a F-1 possa contribuir para desenvolver tecnologia e a criatividade de engenheiros altamente capazes, as empresas que garantem os recursos financeiros para manter essa engrenagem funcionando já passam por transformações com objetivo de se manterem vivas e tão saudáveis economicamente quanto possível. Neste processo os valores até então aplicados em tecnologia e na publicidade estampada nos automóveis inevitavelmente ganharão limites mais contidos e essa mudança começa pela queda na fabricação de automóveis, a principal cadeia produtiva envolvida na categoria. No mês de março, último dado divulgado pela Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), saíram das fábricas instaladas no Brasil cerca de 163 mil automóveis, contra 201 mil produzidos em fevereiro e os 209,2 mil contabilizados em março do ano passado. De acordo com o site www.statista.com, a projeção de vendas mundiais para 2020 atualizada no final de março indica queda de vendas nos três principais mercados mundiais: 15,3% nos Estados Unidos, 13,6% na Europa e 10% na China. Em fevereiro o país asiático vendeu a média de 7.100 automóveis por dia, contra 45.000 do mesmo período no ano anterior. Há estimativas ainda mais sombrias.
Diante de tais números as equipes que disputam o Campeonato Mundial, a Liberty Media e a FIA estão unidas em torno de fixar um limite de gastos por temporada, mas nem tanto no que diz respeito ao número que vai quantificar esse limite. Do lado das equipes menores fala-se em US$ 125 milhões e até um pouco menos, Todt quer chegar à casa de dois dígitos e a Liberty Media ainda não quantificou seu valor ideal. Sem qualquer vestígio de surpresa, a Ferrari é contra cortes tão drásticos e defende que ela e as suas parceiras de primeira linha merecem como teto um duplex de cobertura com vista para o mar. Se a Scuderia, a Mercedes e a Red Bull são os times menos afetados até o momento, as demais já sentem os efeitos da pandemia não no corpo, mas no bolso, e Franz Tost, o executivo principal da AlphaTauri (a antiga Toro Rosso), já fez o mundo saber que se as corridas não voltarem até julho a situação ficará muito perto do insustentável.
A AlphaTauri e sua controladora, a equipe Red Bull, pertencem em última análise ao bilionário austríaco Dietrich Mateschitz, que soube replicar mundialmente o poder do Krating Daeng, energético baseado em um produto similar japonês e que fez de Chaleo Yoovidhya o terceiro homem mais rico da Tailândia. Nesse país Krating Daeng quer dizer…Touro Vermelho. No país de Franz Schubert e Gustav Mahler, uma das maiores fortunas é sem dúvida a de Mateschitz, que investe pesado onde entra em cena. Comprou e remodelou o circuito de Osterreichring (local do GP da Áustria) e deu vida nova a uma região essencialmente agrícola no estado da Styria ao investir na restauração de castelos e edifícios históricos.
Assim, não é de se estranhar que o Ministro dos Esportes do país, Werner Kogler, tenha mostrado seu apoio à realização do GP programado para 5 de julho, cinco dias após o término do processo que visa reabrir todos os estabelecimentos comerciais do país e que inicia nesta terça, 15 de abril; a última das quatro fases desse programa liberaa realização de eventos públicos a partir de 1º de julho A postura do político austríaco deixa claro sua intenção de manter a engrenagem econômica girando, independente da ignorância que o mundo ainda tem sobre a cura ou controle do coronavírus e suas mutações.
Pináculo do mercado de trabalho do automobilismo, a F-1 busca soluções no que diz respeito ao seu futuro. Os pilotos e executivos que tiveram seus salários reduzidos como demonstração de espírito de equipe provavelmente não serão reajustados quando o campeonato começar, se começar. Mais: enquanto uma nova ordem econômica não for consolidada, as antessalas da outrora rica e exuberante categoria também refletirão os obstáculos desse renascimento.
Stirling Moss (17/9/1929 – 11/4/2020)
Um dos nomes mais carismáticos da era romântica da Fórmula 1, Sir Stirling Crawford Moss faleceu no último domingo vítima de uma longa doença; a causa mortis não foi divulgada, mas desde 2016 sofria problemas respiratórios. No ano 2000 foi condecorado com o título de Cavaleiro do Império Britânico e era presença de honra em eventos de primeira grandeza até 2018, quando afastou-se de aparições públicas. Extremamente rápido e versátil, Moss venceu em praticamente todas as categorias que participou e nas oito temporadas que disputou a F-1 integralmente conseguiu quatro vice-campeonatos (1956/7/8/9) e ficou três vezes em terceiro lugar (1959/60/61). Seu currículo exibe 66 largadas, 16 pole positions, outras tantas vitórias e 20 voltas mais rápidas. O triunfo mais significativo, porém, aconteceu na edição de 1955 da Mille Miglia, quando o jornalista inglês Dennis Jenkinson atuou como seu navegador. Moss precisou de pouco mais de 10 horas para cobrir os 1.600 km da prova disputada em estradas ao longo da Itália.
Em 1962 Sir Stirling Moss abandonou as pistas em consequência de um acidente em Goodwood e passou a se explorar sua imagem de várias formas e entre outros empreendimentos criou o SMART (Stirling Moss Auto Racing Team). Incentivado por pelo piloto carioca Ricardo Achcar promoveu uma seletiva em que participaram outros três pilotos brasileiros: Luiz Pereira Bueno, Milton Amaral Jr e Norman Casari. Bueno e Achcar foram selecionados para disputar a temporada inglesa de F-Ford em 1969. A dificuldade em conseguir patrocínio atrasou a ida para a Inglaterra e o projeto não avançou como esperado, apesar das vitórias de Luizinho na segunda metade da temporada.
WG