Minha matéria anterior para este Autoentusiastas, “Esqueceram de mim”, enfatizava a importância de se dar aos pedestres a segurança nas travessias, atualmente precária em muitos casos.
Foi um texto em que procurei demonstrar a absoluta falta da garantia para se atravessar uma rua com a segurança esperada.
Sempre que escrevo vem-me à lembrança o sábio conselho da poetisa Cora Coralina, residente em Goiás Velho, a capital de Goiás até 1937, quando Goiânia, foi fundada, ao escrever, filosofando: “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprendeu o que ensina”
É uma verdade, sinto-me feliz em poder deixar para os jovens o que com muito esforço e dedicação aprendi, numa causa que depois da Marinha é minha paixão, a luta pelo bem-estar dos habitantes das cidades.
Eu poderia simplesmente viver a minha vidinha simples, cercado do respeito da comunidade que constitui o “universo” dos estudiosos e interessados no trânsito urbano.
Não escondo o orgulho profissional de haver implantado vastas áreas de pedestres nas áreas centrais das duas maiores cidades brasileiras, São Paulo e Rio de Janeiro. Elas estão lá até hoje, embora agredidas, no Rio, pela introdução da passagem do VLT, sigla de Veículo Leve sobre Trilhos, o bonde moderno bastante usado em várias cidades europeias.
Eu disse agredidas porque a linha férrea corre numa rua de pedestres, a evitar senão em casos excepcionais, uma vez que normalmente uma rua com tal mudança se espalha pela área sob a influência desse meio de transporte como a gota de azeite se espalha num tecido poroso. Não foi para isso que aquele espaço foi criado.
Quando consultor de trânsito de Goiânia tive oportunidade, em 1981, de salvar vidas de pedestres ao corrigir um erro crasso contra a segurança dos pedestres cometido por uma excepcional urbanista de São Paulo ao transformar a importante e movimentada Avenida Anhanguera em via para acolher pedestres.
O seu projeto inovava ao ocupar parte das largas calçadas com mesas, amenizada com jardins e limitando a largura dos passeios ao tipo de atividade comercial ali existente, o que constituiria para o pedestre um ambiente dos mais agradáveis
Ao ser apresentado o projeto por todos aplaudido, perguntei à urbanista se aquela ambientação criada faria o pedestre se desligar dos perigos do trânsito.
À sua resposta afirmativa, o que era verdade, acrescentei: “E o tráfego de ônibus, felizmente num sentido único, previsto em seu excelente projeto, não é um perigo ao pedestre distraído pela ambiência que o rodearia?”
“O senhor tem razão”, respondeu francamente a urbanista, e acrescentou, disfarçando uma leve irritação: “O que o senhor sugere a fim prevenir este risco?”
“Goiânia é, talvez, a única capital com um intenso tráfego de bicicletas. Seria fácil criar nos lados das canaletas dos ônibus ciclovias, uma em cada sentido, que em fluxo quase que contínuo irá despertar a atenção do pedestre distraído. Convenhamos que o atropelamento por bicicleta, se ocorresse, teria consequências incomparavelmente menores do que por um ônibus”, concluí, sob gargalhadas e aplausos. A sugestão foi incluída no projeto.
Se pensarmos bem, veículos e pedestres nunca deveriam se cruzar ou estar no mesmo nível, mas isso é impraticável. Como já dizia Collin Buchanan, o grande especialista britânico em trânsito, em 1963, “as gerações futuras irão julgar a nossa com o mesmo repúdio com que a nossa julga a deficiência de higiene nos tempos passados, pelo fato de deixarmos haver, no mesmo nível, o cruzamento de pedestres e veículos.”
Minha matéria de quinze dias atrás recebeu expressivo número de comentários, mais de 70, o que mostra que os leitores deste site, de e para autoentusiastas, têm interesse pelas questões de trânsito. Muitos, com razão, atribuem os atropelamentos à indisciplina dos pedestres, um fato inegável.
Contudo, independente disso, a questão dos atropelamentos serviu para rebuscar na minha invejável biblioteca técnica a publicação inglesa, editada pelo Department of the Environement (LONDON,:Her Majesty´s Stationery Office, 1973) sob o título “Pedestrian safety ao preço de uma libra e trinta centavos”..Endereço, para compra::49 High Holborn MC1V 6 HB.
Está aí a dica para quem quiser entender a fundo as maneiras de reduzir o trágico quadro que temos hoje no nosso país.
Felizmente, serviu também, para que eu pudesse lhes esclarecer o porquê do nome da travessia com luzes pisacantes amarelas se denominar “Pelican Crossing: é a abreviatura de:Pedestrian Light-Controlled Crossing — que seria “Pelicon” mas que evoluiu para “Pelican”, conforme expliquei..
No mais, após este desabafo, em prol da cultura, um bom fim de semana prolongado pelo feriado de segunda-feira, na certeza de que, caso o editor-chefe do AUTOentusiastas concorde, continuarei teimosamente a abordar o assunto ‘Pedestre’ transcrevendo, no nosso encontro quinzenal, o que pensa a revista The arquitetural FORUM/Special Editon, dos Estados Unidos, em artigo intitulado:”Forgotten man in the City”, publicado em 1968.
Afinal, a velhice lúcida tem suas vantagens…
CF