“O mundo gira, a Lusitana roda”. Lema e bordão publicitário de transportadora especializada em mudanças de mobília residencial e comercial. Mostrando comprometimento, indica que, enquanto tudo acontece no mundo (que não para), ela também cumpre sua missão incansavelmente.
É possível que no trajeto circular do Sol atravessando o céu da Terra ao longo do dia, algum primitivo habitante deste planeta tenha visualizado o que viria a ser o corpo redondo ideal para movimento.
Há controvérsias entre historiadores, e com o passar dos séculos fica cada vez mais difícil saber quem está mais próximo da verdade por trás da criação e evolução. Boa parte das informações converge para a utilização da sequência de troncos rolando, transportando sobre si uma carga ou animal resultado da caça, como a primeira ação de transformar atrito de escorregamento no de rolamento. Esses troncos foram cortados em fatias e transformados em discos, mais leves, mas que dependiam de algo unindo-os.
Mas há quem defenda que as primeiras rodas tenham sido de argila e pedra. Essas fontes dão conta de que, devido a isso, o transporte não tenha sido a primeira aplicação usual dos discos. A roda acionada pelos pés dos oleiros de cerâmica, ou até mesmo a roda d’água, teriam tido essa primazia. E diversas outras aplicações surgiram em paralelo ao longo da história, tais como as moendas e moinhos. Por quê?
Teoria de questão física e animal. Um ser humano comum não conseguiria carregar muito mais que metade do seu peso próprio. E andar o dia todo com essa carga não deixaria percorrer mais que umas duas dezenas de quilômetros. Muito pouco se comparado ao que carregam mulas, cavalos e bois.
Acontece que os antecessores desses animais não eram adeptos da domesticação e teria sido apenas com as raças “recentes” de cavalos e bois que se tornou mais aplicável arrastar a carga rodando os troncos, ou ainda melhor, sobre uma prancha com os discos e um eixo ligando-os. Protótipo da carroça.
Mecanismo eficiente
Assim como no bordão publicitário, há uma ligeira diferença a destacar. Girar está mais para algo se mover em torno do seu próprio eixo imaginário, sem sair do lugar. Rodar é verbo que vem, claro, de roda e, sim, indica mais que movimento, implica em deslocamento. Há uma relação intrínseca entre os dois fatos. O veículo roda (verbo) porque a roda (substantivo) gira em torno do eixo.
As primeiras, feitas das seções de árvores, aproveitavam o nó da madeira para usar como furo para passagem do eixo fixado à carroça. A razão é a maior resistência da madeira ao redor do nó; algo útil particularmente para suportar o atrito entre as duas peças e aos impactos com as irregularidades do terreno. Aumentava a durabilidade e facilitava a necessária lubrificação, e esta trouxe a necessidade de proteção contra as usuais impurezas dos caminhos; surgiram assim as primeiras calotas. Quem diria?!
A relação entre diâmetro de roda e diâmetro do eixo é fundamental. É na proporção entre diâmetros que está a essência do sistema; e que usamos até os dias de hoje, mas de outras formas.
Quanto maior o diâmetro do contorno, mais pontual é o contato com o piso e menor o atrito de rolamento. As forças atuantes tendem a se concentrar num só ponto da roda e da superfície. Quanto menor o diâmetro do eixo, menor a área de contato dele com o furo e, portanto, menor a resistência ao escorregamento relativo entre eles.
Ou seja, a carga sobre o eixo, e a ser transportada, atua numa distância curvilínea menor que a percorrida pelo contorno. E esta, a do contorno, seria a distância linear em que a carga teria de ser arrastada não fosse o movimento circular. Por isso as rodas de carroções e charretes eram tão grandes, e continuaram grandes nos primeiros veículos automotores devido à pouca potência destes.
Nos dias de hoje, por conta da melhoria nos pavimentos e da relação peso-potência, as rodas são menores e mais leves. Essa redução de peso da massa suspensa traz as reconhecidas vantagens em dinâmica, permitindo maiores acelerações com o mesmo torque do motor. Além disso, rodas menores giram mais rápido; assim sua velocidade é mais próxima daquela do motor e com isto aliviamos a transmissão também. A contrapartida é o espaço para os freios quando estes estão na roda.
A diversidade através do tempo
A evolução do aro e do miolo deu-se por questões estruturais e estéticas; é assim até hoje.
Mesmo de madeira, a roda era pesada e difícil de manusear. Logo veio a técnica de adicionar diversos furos para aliviar peso e disto chegou-se aos raios. Em paralelo, o contorno irregular e desgastável foi inicialmente revestido por madeira que era conformada à vapor; depois veio a cobertura de metal e mais à frente a de couro e de borracha.
Mas foi a vulcanização no século XIX que abriu caminho para uso em larga escala. Primeiramente anéis de borracha maciça, depois os mesmos com interior oco para dissipação do calor. Somente a consolidação da manufatura dos pneus é que os tornou o revestimento mais apreciado até hoje.
Mesmo com a adoção da borracha, as rodas eram raiadas de madeira, algumas com reforços metálicos.
Em paralelo, havia as rodas de tirantes metálicos do tipo utilizadas em bicicletas e desenvolvidas para veículos por volta de 1870. Lá pelos anos 1910 surgiram as primeiras com raios ainda de madeira, mas passível de remover o aro (com o pneu) e substituí-lo aparafusando outro nos raios do disco central. Uma solução para os rotineiros furos de pneu. Depois esses raios passaram a ser de metal.
Em seguida viriam as rodas totalmente metálicas; a primeira lançada pela Michelin em 1914, cujo conceito disco de aço estampado permanece o de maior sucesso e até hoje aplicado. Logo após, a britânica Sankey, em 1920 apresentou a sua versão. Desmontável, duas partes de chapa de aço estampado unidas entre si formando uma peça única com raios, e separada do eixo.
Mas foi no Grande Prêmio da França de 1924 que surgiu a significativa mudança. O Bugatti tipo 35 utilizou liga metálica leve de alumínio num conjunto único de aro e disco central (foto abaixo). Relativamente frágil e muito cara, foi relegada ao descrédito inicial, apesar da óbvia vantagem de redução do momento de inércia da massa não suspensa. Somente nos anos 1950 e 1960 a solução alcançaria mais confiabilidade e aplicação em larga escala de produção nos EUA e Europa.
Cada uma na sua
Os três principais conceitos produtivos têm suas vantagens e desvantagens.
As de raios (foto abaixo), tirantes tensionados entre cubo e aro, têm na disposição a possibilidade de suportar tanto esforços longitudinais como transversais além dos verticais, como nas bicicletas e motos. Flexibilidade e absorção de impactos com boa ventilação dos freios à despeito da limitação de largura. Também não ajudaram a mantê-las em produção o fato de precisarem de constantes regulagens.
Já as de disco central em aço, com perfil ondulado estampado ligado ao aro por parafusos ou solda, são as mais difundidas. Durabilidade, baixo custo e resistência compatíveis às potências que as de tirantes não atendiam, fizeram delas as preferidas. Ainda por cima, permitem trabalhar com furos no disco para aliviar o peso e direcionar o fluxo de ar para os freios. A calota resolve a questão estética.
Por sua vez, as fundidas ou forjadas em materiais de liga leve são o sonho de todo designer. Permitem arroubos estéticos e estudos de fluxo de ar não só para os freios, mas também para a aerodinâmica do veículo. É possível dar forma desejada na parte de fixação ao eixo e ao aro, e contar com a maior resistência aos esforços transversais dada pelo canal em “V”, graças aos pneus sem câmara.
Depõem contra ela a fragilidade, que já foi bem maior, e o custo de produção e acabamento; para alguns, compatível com os benefícios. Mas é no peso, ou redução dele, que está a verdadeira vantagem. Ocorre que nem sempre ela é realmente mais leve que uma similar em aço estampado. Acredite!
Outras tendências?
O compósito de fibra de carbono é conhecido pela sua leveza e resistência, mas também por sua fragilidade no ponto de concentração de tensões. Uma aplicação de mínimo esforço nesse ponto e ele literalmente vira pó. Mas como os benefícios são bem maiores que a desvantagem, ele tem larga aplicação em competições.
Recentemente, em 2015, a Ford aplicou esse material nas rodas de 20 polegadas do Mustang Shelby GT 350R, o primeiro veículo de série a utilizá-las. Depois foi a vez do superesportivo GT500.
Mas se para alguns a fragilidade é um problema, para outros é oportunidade.A fabricante de rodas Maxion, do grupo Iochpe-Maxion, em parceira com a Michelin, lançou recentemente a roda Acorus de flanges flexíveis de borracha; ficam entre pneu e aro (foto abaixo). Por ora, é reservada aos de maior diâmetro e pneus de perfil baixo.
E se você acha que a evolução estacionou por aí, está enganado(a). A aplicação daquele princípio de rodar ao invés de arrastar é mais do que nunca essencial na autonomia dos veículos elétricos. Os estudos de aplicação da chamada in-wheel electric drive (tração elétrica dentro da roda, em tradução livre) estão cada vez mais avançados (foto abaixo).
E neste caso, embora por fora pareça igual, o pneu é bem específico.
Mas isso é assunto para outra ocasião.
MP
(Atualizado em 18/10/20 às 11h25, correção de texto referente às rodas Acorus)