Se a compra de um carro no Brasil inclui preocupação com segurança, a única informação disponível vem da entidade uruguaia Latin NCAP, que avalia veículos comercializados na América Latina.
Mas os resultados podem ser distorcidos:
1- A legislação de outros países não é compatível com a brasileira. Não exige, por exemplo, como a nossa, bolsas infláveis frontais. Então, crash test de um mesmo carro vendido aqui e em outro país, porém sem as bolsas, terá nenhuma ou apenas uma estrela (das cinco possíveis). Claro que, testado aqui, teria melhor avaliação.
2 – Pela mudança de protocolos. Carro testado hoje ganha quatro ou cinco estrelas. Daqui a dois ou três anos o Latin NCAP aperta o protocolo e reduz suas estrelas pela falta de algum equipamento de segurança. Mas seu concorrente, preparado para o novo protocolo, é contemplado com mais estrelas apesar de oferecer o mesmo nível de segurança, outra distorção que confunde o consumidor e prejudica os fabricantes. Os uruguaios “remendam” a lambança com asteriscos explicativos e estrelas de cores distintas para cada protocolo.
O Latin NCAP testou o novo Hyundai HB20 no ano passado, à época de seu lançamento e o aprovou com quatro estrelas. Mas acaba de reprovar uma segunda unidade, testada meses depois, que perdeu três delas.
Duas situações poderiam explicar esta redução de estrelas:
`• A exclusão de componente que compromete a segurança, como bolsa inflável ou barras de proteção lateral;
• O Latin NCAP ter alterado o protocolo com a exigência de mais algum equipamento de segurança como o controle eletrônico de estabilidade. Se o modelo não o tem, perde estrelas.
Mas, como explicar o rebaixamento do HB20 no segundo teste, se carro e protocolo eram os mesmos?
O relatório da entidade uruguaia, subjetivo e de rigor técnico questionável, diz “não ter encontrado diferença na construção dos dois veículos” e também que “a deformação da estrutura parece a mesma, com deformação interna semelhante e pontos de impacto similares no dummy”.
Alejandro Furas, do Latin NCAP, afirma textualmente que o segundo carro teve mesmo comportamento que o primeiro. Mas alega que o rebaixamento estelar “em princípio, explica-se pela diferença no comportamento do painel interno plástico da porta frontal”. E que este painel plástico estaria “impactando o dummy de forma diferente”. E a drástica redução de três estrelas.
O engenheiro Furas se dá ao direito de repreender a Hyundai e outras fábricas brasileiras por oferecerem carros com menor nível de segurança que na Europa. Mas se contradiz ao sugerir que a fábrica coreana instale bolsas infláveis laterais no HB20. Ora, se este é o problema, por que a primeira unidade testada, também sem as bolsas, foi aprovada com 4 estrelas? Revela também um raro domínio em manufatura e processos industriais, pois insinua “oscilação na qualidade da produção” na fábrica de Piracicaba da Hyundai.
A Hyundai, perplexa, emitiu comunicado em que questiona o disparate dos resultados: “Não houve qualquer mudança no processo de produção ou na especificação do veículo que possa justificar a extrema variação entre os dois testes realizados pelo Latin NCAP em menos de um ano”.
Numa outra entrevista (para a revista Autoesporte) ele acusa genérica e levianamente empresas brasileiras: ”Existem fabricantes que desenvolvem a segurança de seus carros para passar no teste e atingir o objetivo de estrelas e outros que os desenvolvem para proteger as pessoas”. Então, Furas duvida de suas próprias estrelas? Elas não bastam para definir o nível de proteção do carro?
A impertinência do Latin NCAP se explica por ser a única entidade independente a realizar crash tests em nossos carros sem a voz de uma comissão de técnicos e autoridades brasileiras que estabeleça critérios para avaliar sua segurança e a prioridade dos testes (os modelos mais vendidos, por exemplo). A solução óbvia é a criação de um “Brazil NCAP” para avaliar nossos automóveis, com observância da nossa legislação e peculiaridades mercadológicas.
Depois de entrevistar alguns de seus executivos, percebe-se ser complicada e delicada a situação das fábricas brasileiras em relação ao assunto. Não escondem sua perplexidade com o comportamento do Latin NCAP, mas “impedidas” de se manifestar, pois há vários critérios subjetivos na avaliação de um carro. Protestar publicamente contra as questionáveis “estrelinhas” que confundem o consumidor poderia resultar em “represálias”…
BF
A coluna “Opinião de Boris Feldman” é de exclusiva responsabilidade do seu autor.
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