A América do Sul tem uma das cadeias de montanhas mais bacanas do mundo, a Cordilheira dos Andes (foto de abertura). É um maciço rochoso que corta o nosso continente de norte a sul, se estendendo da Venezuela até o extremo sul do continente na região da Patagônia, totalizando quase 8.000 quilômetros de extensão, sendo, assim, a mais comprida cadeia de montanhas do mundo.
Não bastasse a extensão, tem uma altitude média de 4.000 metros, alcançando o máximo de 6.962 metros de altitude no Pico do Aconcágua, na Argentina. Em grande parte de sua extensão, a Cordilheira dos Andes serve de divisa entre a Argentina e o Chile.
Bem, esse não é um site de geografia, certo? Então, por que falar tanto da Cordilheira?
Apenas para incentivar você a conhecê-la, desbravá-la, se encantar e viver ótimas experiências atravessando esse lugar ímpar e que, de certa forma, é pertinho da gente. Pense que vêm pessoas do mundo inteiro para conhecer e desbravar essa região do planeta. E temos o privilégio de estar relativamente perto e poder ir até lá com nossos valentes e fiéis veículos 4×4 (ou, claro, com veículos 4×2 acessando os caminhos mais normais e bem consolidados).
Mas, devido às grandes altitudes, é importante você conhecer algumas técnicas e situações críticas ao trafegar de carro por terrenos tão altos. E são itens importantes para você, seus acompanhantes, seu carro e sua segurança.
Vale a pena conhecer. E, claro, são dicas que servem para qualquer travessia que você faça acima de 2.500 metros de altitude.
Ar rarefeito
A grandes altitudes (acima de 2.500 metros) o grande problema é que o ar fica “rarefeito”, ou seja, temos menos oxigênio disponível em função da baixa pressão atmosférica. E isso causa efeitos nas pessoas, como cansaço, tontura e falta de ar. E, também, causa efeitos nos veículos, já que o princípio de funcionamento dos motores dos veículos é a combustão interna (claro, não se aplica a veículos eletrificados). E para que ocorra combustão você precisa da mistura ar-combustível. Dessa forma, se temos menos “ar” temos alteração no desempenho e força dos veículos.
Para as pessoas, evite ao máximo o esforço físico: caminhe devagar, evite carregar peso, fale devagar, respirando mais e mais vezes. Com esses princípios básicos, você consegue evitar bastante os piores efeitos do “mal da altitude”.
Antes de Ir
Analise no percurso que você pretende fazer, qual a maior altitude que você alcançará. Lembre-se que quanto mais se sobe, mais rarefeito o ar fica. Acima de 3.500 metros de altitude a situação vai ficando mais e mais crítica. E saiba que na travessia da Cordilheira dos Andes você pode alcançar altitudes próximas a 5.000 metros (até com certa facilidade, dependendo da região que você irá atravessar). E em alguns pontos até ultrapassar essa marca.
Além de analisar o máximo de altitude que você alcançará, sempre é importante verificar por quanto tempo você permanecerá em grandes altitudes. Isso porque, de certa forma, existe uma “curva” onde os efeitos da altitude pioram.
Logo que você alcança grandes altitudes, num primeiro momento, você pouco sente os efeitos. Seu corpo ainda responde bem. Logo a seguir você começa a senti-los. E vai piorando gradativamente. Depois de alcançar o pico você começa a sentir menos os efeitos, pois, seu corpo vai se “aclimatando” às condições do ar rarefeito.
No entanto, isso varia muito — muito mesmo — de pessoa para pessoa. Cada um reage de um jeito. Com maior ou menor intensidade. Até você ter a primeira experiência em altitude não dá para saber como será e qual será a sua reação e a reação das demais pessoas que estiverem com você. E, também, sempre dependerá das condições físicas de cada um à época.
Essa questão é tão crítica que pilotos de aviões têm que usar máscara de oxigênio se vão voar acima de 3.000 metros. Nos aviões que voam acima dessa altitude, 10.000 a 11.000 metros, como os que estamos habituados a viajar, a cabine é pressurizada justamente para simular altitudes bem inferiores àquela crítica, como 1.500 metros.
Prevenindo
Estar em boas condições físicas ajuda bastante a você sentir menos os males da altitude. Por isso, fazer caminhadas por algum período antes da viagem ajuda a você melhorar suas condições aeróbicas e, assim, sofrer com menor intensidade.
Leve consigo um oxímetro para acompanhar os seus batimentos cardíacos e a taxa de saturação de oxigênio no sangue (idealmente acima de 90%, mas que a elevadas altitudes pode cair um pouco — veja mais informações neste site.
Levar um cilindro de oxigênio no carro pode ajudar as pessoas que ficam em piores condições. IMPORTANTE: simplesmente levar o oxigênio é perigoso, pois, é preciso SABER como dosar a quantidade de oxigênio. Se você der ou tomar a dose errada, pode saturar além do recomendável e isso pode ser um problema, por vezes ainda pior. Informe-se BEM e aprenda como agir e dosar o oxigênio antes de adotar essa medida.
Para poder “monitorar” as diferenças de altitude, leve consigo um altímetro. A melhor opção é ter um GPS que tenha um bom altímetro. Além de ajudar para caminhos e rotas, você pode monitorar a elevação em que está e se prevenir.
Rendimento do carro
Cada carro vai reagir de uma determinada maneira quando estiver em grandes altitudes. E isso vai variar conforme a potência, tecnologia e tipo de combustível de cada motor. E vai depender muito de você, conduzindo o veículo, para minimizar esses efeitos.
O que acontece é que se temos menos ar teremos sempre uma mistura ar-combustível pior (mais fraca, digamos assim, por estar mais rica) e isso sempre resultará em força menor.
No entanto, se o seu veículo tem um motor bem potente, essa potência a menor pode não ser suficiente para uma grande perda de rendimento, já que há uma grande reserva de força. Por outro lado, se seu veículo tem um motor “justo”, ou seja, o carro usa a força máxima do motor com frequência, você perceberá muito mais essa queda de força.
Além disso, motores com modernos sistemas de injeção eletrônica, que possuem medição da massa de ar que está sendo admitida pelo motor, conseguem adequar de forma melhor e mais inteligente a mistura ar-combustível. Isso evita que a mistura seja excessivamente rica, ou seja, que você tenha maior quantidade de combustível do que de ar, já que o sistema faz a correção. Mas mesmo assim a perda de potência é inevitável devido à menor energia fornecida ao motor.
Motores a diesel, por trabalharem com maior taxa de compressão, necessária para que a mistura ar-combustível se inflame sem a centelha da vela, têm menor perda de rendimento por aproveitarem mais a energia do combustível, mesmo aqueles que trabalham com sistemas puramente mecânicos.
Motores a gasolina e a diesel, quando funcionando em altitudes elevadas, se beneficiam enormemente se dotados de sistema de admissão de ar forçada por meio de compressor ou turbocompressor, pois não dependem exclusivamente da pressão atmosférica para o enchimento dos cilindros. Como regra geral, num motor de aspiração natural (“atmosférica”) há perda de 1% da potência a cada 100 metros acima do nível do mar. A 3.000 metros de altitude, por exemplo,, o motor perde 30% de potência — em vez de 120 cv, apenas 84 cv, por exemplo. Já os motores com admissão forçada mantêm potência de nível do mar até 3.000 metros. Acima disso há perda, porém pequena.
Por isso uma coisa é certa, TODOS os motores apresentarão queda de potência. O quanto essa queda afetará o rendimento do seu veículo é que dependerá de cada projeto e o quanto você irá sentir.
Técnicas para conduzir em altitudes elevadas
Algumas poucas técnicas e precauções ajuda a minimizar os efeitos da altitude. Veja a seguir.
– Arrancadas
Começar a movimentar o veículo sempre é um momento onde se requer bastante força. E, normalmente, numa situação de baixa rotação. Portanto, se o seu veículo tem câmbio manual, eleve um pouco mais o giro do motor antes de soltar o pedal embreagem. Esse giro “a mais” garante um pouco mais de torque e, portanto, potência. O quanto aumentar o giro vai depender de cada veículo. O importante é você “aprender” isso sentindo se o veículo tem maior ou menor dificuldade. Arrancar em subidas pode ser um grande desafio (veja o tópico abaixo). E cuidado para não soltar a embreagem de forma muito gradual, pois, isso vai gerar o efeito de “queimar” a embreagem, que é quando o disco patina entre o platô e volante do motor sem transferir o mesmo giro para o câmbio, ou seja, o platô e o disco não estão “unidos” (se você não entende bem como a embreagem funciona, peça uma demonstração para seu mecânico num sistema desmontado e será fácil de entender o que acontece).
Se o seu veículo tem câmbio automático, ele sozinho pedirá essa elevação de giro para que o torque chegue de forma adequada ao câmbio, através do conversor de torque. Se você sentir que ele pede uma elevação muito grande do giro, é sinal de que a “reduzida”, se o veículo a tiver, pode ser necessária. Veja a seguir.
Veículos com câmbio automático do tipo CVT tendem a equilibrar de forma mais “transparente” esse comportamento e a “relação” de transmissão para ajudar o carro a sair da imobilidade e vencer a inércia inicial. Mas, muito provavelmente, irão requer, também, maior giro do motor para ter a força suficiente e necessária para deslocar a massa do veículo.
– Reduzida (se o seu veículo é assim equipado)
Se o veículo está “sofrendo” com pouca força, nada melhor do que utilizar a reduzida do seu valente 4×4 para permitir que ele volte a ter força em arrancadas e em situações mais críticas. Considere que, muitas vezes, numa viagem dessas você está com muito peso no veículo (pessoas, bagagem para vários dias, equipamentos, peças sobressalentes, etc.). Não force em demasia a arrancada em modo “normal”. Isso desgasta o câmbio (seja automático ou manual). Utilize a reduzida até que você alcance condições melhores para utilizar o modo normal.
Lembre-se, a reduzida está lá para ser usada. Você está dirigindo um veículo que muitas vezes é grande, pesado, carregado e não é demérito nenhum utilizar a reduzida em situações assim (ou em qualquer outra onde se requeira maior força, como terrenos difíceis, grandes inclinações, etc.).
– Troca de marchas – torque e potência máximos
Se você está com problema de menor torque e potência no seu veículo, uma boa medida é “esticar” mais cada uma das marchas, buscando sempre com que a cada troca a marcha seguinte “encaixe” num giro onde você tem o torque máximo disponível, o que lhe garantirá maior potência naquele momento. Entenda a curva de torque e potência do motor do seu veículo e faça a melhor troca possível.
Nos carros com câmbio manual, isso é quase natural e aos poucos você vai buscar o melhor encaixe, praticamente, sempre esticando um pouco mais cada marcha.
Nos carros com câmbio automático isso pode variar. Nos veículos mais modernos com câmbios “inteligentes” que “conversam” com o motor, naturalmente ele vai buscar níveis altos de torque para trocar cada marcha. Nos veículos mais antigos, sem que haja essa “inteligência”, talvez o câmbio fique meio “maluco” trocando marchas de forma excessiva e errônea. Se perceber isso, utilize a alavanca para “comandar” o câmbio. Por exemplo, comece com ele em “1” ou “L” (depende de cada carro, mas, indica para o câmbio usar a primeira marcha) e só passe para “2” quando perceber que o motor alcançou um giro elevado, o que vai garantir que a próxima marcha vai “encaixar” num giro com bastante torque disponível. Essa “esticada” vai depender bastante da quantidade de marchas do seu câmbio. Se for um câmbio de apenas três marchas, muitas vezes você terá que levar o giro quase ao limite. Se for um câmbio de quatro) marchas isso melhora bastante. Normalmente, câmbios automáticos com cinco ou mais marchas já são modernos e inteligentes e devem conseguir trabalhar bem nessa situação, sempre buscando o melhor compromisso entre marcha selecionada e regime de rotações do motor.
– Pressão dos pneus
Variações grandes de altitude podem representar, também, grandes alterações de temperatura. Por exemplo, você saiu de manhã de uma cidade que está a 1.000 metros de altitude e calibrou os pneus com 25 psi (pounds per square inch, libras por polegada quadrada) a uma temperatura de 25 graus. Ok, perfeito. No entanto, horas depois, você chegou a 3.500 metros de altitude e parou para almoçar e a temperatura baixou para meros 5 graus. Nessa condição, a pressão dos seus pneus não será mais as 25 psi. Será bem menor. E com pressão menor, o arrasto dos pneus aumenta, requerendo ainda mais força do seu motor. Justamente, num momento em que ele já não consegue te entregar a força normal por estar em altitudes elevadas. Portanto, mantenha com você um calibrador e, se possível, um pequeno compressor de ar para “corrigir” a pressão de ar nos pneus nessas situações.
Lembre-se que o contrário também acontece. Se você calibrou os pneus na altitude em baixas temperaturas, quando “descer” a pressão será muito maior do que a recomendada. E isso vai requerer que você esvazie os pneus. Ou seja, é um monitoramento constante para que tudo corra bem.
Superaquecimento – Atenção!!
Além do esforço adicional do motor para vencer subidas, muitas vezes prolongadas, a menor pressão atmosférica e o ar mais rarefeito dificultam a troca de calor do radiador com o ambiente, tendendo o motor a aquecer mais. Também, a hélice do ventilador do radiador, seja por acionamento mecânico a partir do virabrequim, seja por motor elétrico, perde eficiência com o ar rarefeito. Por isso você precisa ter certeza absoluta de que todo o sistema de arrefecimento do motor está em perfeitas condições numa empreitada dessas.
Motores funcionam normalmente com a temperatura da água (melhor dizendo, do líquido de arrefecimento) entre 90 e 100 graus. O liquido não “ferve” a 100 graus (não entra em ebulição) porque todo sistema de arrefecimento é pressurizado para que isso não ocorra. Enquanto no nível do mar a água ferve a 100 graus, com a pressurização adicional de 15 psi, a normalmente utilizada pela indústria, ela só ferve a 121 graus. Os aditivos de radiador, geralmente à base de etilenoglicol, também são importantes não só para ajudar a elevar a temperatura de ebulição, como para abaixar o ponto de congelamento do líquido, fundamental se você for trafegar com temperaturas subzero.. Sistema de arrefecimento em perfeitas condições significa também líquido com a proporção de aditivo indicada pelo fabricante do veículo.
É importante saber que a menos que o motor tenha injeção eletrônica que corrija o enriquecimento da mistura ar-combustível devido à menor pressão atmosférica, mistura rica reduz a potência e faz aumentar o consumo. Leve isso em conta no seu planejamento de viagem. Nos veículos a diesel o sinal de mistura excessivamente rica é a fumaça preta que sai pelo escapamento (atenção aos veículos mais modernos com DPF – Diesel Particulate Filter, filtro de particulado de diesel — que tende a “mascarar” esse comportamento, já que o filtro absorve esse material particulado). fique atento a ela e evite que o motor trabalhe em condições com excessiva fumaça preta. Será comum ela ficar mais espessa e em maior quantidade nas arrancadas. Mas, ela deve diminuir muito ou sumir com giros mais altos.
Nos veículos com carburador, se você for trafegar muitos dias em altitudes elevadas, pode ser interessante fazer uma recalibração do carburador para empobrecer a mistura. Se não souber como fazê-lo, um bom mecânico local o fará para você. Basicamente, a operação consiste em trocar giclês por outros de menor passagem de combustível. É algo que se faz com frequência em veículos com carburador nesses locais e regiões de elevadas altitudes.
Em todos os casos, verifique constantemente o filtro de ar ao trafegar em regiões poeirentas. Limpe-o ou troque-o (conforme o estado e quantidade de poeira pela qual você trafegou) para fazer com o que o veículo tenha condições de aspirar a maior quantidade possível de ar, sem que um filtro sujo restrinja a passagem de ar ainda mais, o que, certamente, vai deixar a situação ainda pior.
E, claro, SEMPRE esteja atendo ao medidor da temperatura do motor., seja por termômetro ou luz-espia. Sempre. Sempre. Sempre.
Verão e inverno
Se você vai atravessar grandes altitudes, sempre analise as condições climáticas. Sempre. Em grandes altitudes é normal as condições do tempo serem muito mais severas, mudarem com muito mais facilidade e de forma extrema. Ventos mais fortes, mudanças bruscas de temperatura. Tudo é possível. Seja no verão ou inverno.
Mas, no inverno, você precisa considerar a possibilidade de nevascas grandes, longas e perigosas. Pode acontecer, e muito mais rápido do que você imagina, que uma nevasca repentina feche ou bloqueie uma estrada. Para os off-roaders que gostam de trafegar por caminhos pouco usuais ou difíceis, essa é uma situação que requer ainda mais atenção, já que as condições de apoio, resgate e, no limite, sobrevivência ficam ainda mais difíceis também.
Converse com pessoas locais para entender os riscos. Consulte a previsão meteorológica. Esteja preparado com roupas adequadas, suprimentos de água e alimentos, mapas e informações da região, entenda quais são os caminhos alternativos que você pode utilizar para evitar bloqueios, considere levar um bom sistema de comunicação por satélite. Na altitude as condições são extremas e severas. Se você vai encarar o desafio numa época onde as condições do clima são ainda piores, tenha a certeza de estar preparado.
Explore e divirta-se
Algumas das paisagens mais deslumbrantes da América do Sul estão na Cordilheira dos Andes. Assim, como em outras grandes montanhas do mundo (Alpes, Himalaia, etc.). Muitas vezes são lugares de difícil acesso, uma verdadeira aventura. São viagens inesquecíveis e que sempre rendem boas histórias.
Aproveite. Atenção e cuidado. Informe-se. Explore. Divirta-se.
E quem sabe, nos encontramos por aí andando acima das nuvens a mais de 4.000 metros de altitude. Mas, na hora de falar “oi” e dar um abraço (pós-pandemia, infelizmente!), faça-o devagar para não perdermos o fôlego…
Abraços 4×4.
LFC
Nota: O autor Luís Fernando Carqueijo, além de editor de off-road do AE, é titular da Trailway Eventos, que engloba os setores Trailway 4×4 e Trailway Car Solutions, www.trailway.com.br .