Vamos voltar à origem dos tempos do projeto do Volkswagen com o croqui orientativo que fazia parte do documento preparado pela firma Dr. Ing. h.c. F. Porsche GmbH. um manual descritivo chamado Exposé betreffend den Bau eines Deutschen Volkswagens (Descrição da construção de um carro popular alemão), datado de 17 de janeiro de 1934. Este documento foi tomado por base para o contrato entre a RDA – Reichsverband der Automobilindustrie (Associação Alemã da Indústria Automobilística do III Reich) para a construção do ‘VW Fusca’ – assinado sob pressão do governo em 22 de junho de 1934 (data esta 61 anos depois escolhida para ser o “Dia Mundial do Fusca”).
O croqui em questão estava no anexo deste documento e já previa o ajuste da carroceria às melhores condições de aerodinâmica; este croqui também detalha como era a ideia original para o chassi do carro, com duas vigas longitudinais e uma transversal.
Este conceito acabou recebendo modificações no decorrer do projeto. Este foi fortemente influenciado e onerado pela meta inalcançável do carro ter um preço final de 1.000 RM — Reichmarks, marcos do III Reich — meta esta que havia sido definida por Hitler. Este também foi o motivo de vários atrasos no desenvolvimento do projeto.
Para ajudar no entendimento desta matéria, descrevo os protótipos que serão tratados e os tipos de motores que foram projetados, caso contrário pode ficar complicado acompanhar o assunto.
Glossário de tipos de protótipos
Vamos falar da primeira leva de protótipos constituída por dois veículos, o V1 e o V2, o primeiro um sedã e o segundo, um conversível:
A primeira foto conhecida do V2, que foi o primeiro Volkswagen cabriolé, foi tirada na praça do mercado de Tübingen em novembro de 1935. O motorista é Ferry Porsche, a seu lado sua esposa Dorothy. No banco de trás o amigo de Ferry, Helmuth Zarges, e o primo de Ferry, Herbert Kaes:
Estes foram os pioneiros do projeto do Volkswagen. Depois entrou a série V3, que teve três sedãs, a saber V3/1, V3/2 (cuja fabricação atrasou muito) e o V3/3; cito os códigos de cada um pois há diferenças construtivas. Na foto de abertura aparecem na direita o V3/1 e a seu lado o V3/3 ainda diferenciados pelos faróis, coisa que depois foi equalizada na versão dos faróis nos para-lamas adaptados também no V3/1.
Na foto do V3/2 abaixo se pode perceber a diferença na quantidade de venezianas para a entrada de ar, nos outros dois eram oito e neste, eram dez venezianas. Também se observa que a tampa de abertura traseira era bem grande. O que atrasou neste carro foi a carroceria, pois o chassi ficou dois meses esperando por ela:
Para completar a apresentação deste protótipos apresento um vídeo (03:37) com imagens raras deles em movimento:
Glossário do tipo de motores em estudo
Na verdade, a questão da escolha do motor para o Volkswagen merece um estudo em si. Aqui vou dar a sua denominação genérica para permitir o entendimento do contexto da matéria. Em linhas gerais existiram os seguintes estudos principais:
Motor A – de dois tempos com pistões duplos e 845 cm³ com 25 cv, que era a alternativa preferida por Porsche — foi construído antes da apresentação do “Exposé” de janeiro de 1934. Seguiram se várias alternativas com cilindradas maiores e outras que incluíram, por exemplo, até injeção de combustível na versão A3.
Motor B – era um motor de dois tempos também, mas com câmaras de combustão de forma diferente; esta alternativa logo foi abandonada.
Motor C – motor quatro-tempos de dois cilindros horizontais e opostos e várias alternativas de carburação construídos no início de 1935. Este motor tinha uma potência calculada de 27 cv com uma cilindrada de 800 cm³.
Motor D – era uma versão melhorada do motor C na tentativa de aumentar a sua potência. Era basicamente o mesmo motor com comando de válvulas no cabeçote. O primeiro motor D também era de 800 cm³, mas foram estudadas as alternativas D1 com 1.000 cm³ e a D2, com 1.263 cm³. Foram feitas experiências com dois carburadores e com um único central.
Motor E – finalmente veio o motor de 4 cilindros horizontais e opostos dois a dois, 985 cm³ e 23,5 cv, cuja alternativa denominada E60 foi a que veio a ser usada no Volkswagen. Os primeiros motores E60 foram projetados muito rapidamente, com base no trabalho de desenvolvimento de Franz Xaver Reimspiess. Inicialmente, eles não tinham um radiador de óleo vertical, mas isso acabou sendo necessário. É possível ver na foto abaixo os dutos de admissão duplos de grandes seções transversais:
Da madeira ao aço
Agora passamos ao foco da matéria que é o assoalho de madeira do Volkswagen. O uso de madeira para o assoalho dos automóveis era comum também na década de 30. Aliás, foi o que levou à conhecida expressão “pé na tábua”, acelerador todo aberto.
Quando eu estava preparando esta matéria falei com um grande restaurador brasileiro de veículos antigos, o Ricardo Oppi, para saber de sua experiência com carros alemães da década de 30 com assoalho de madeira e ele de bate-pronto respondeu que já restaurou um Adler-Trumpf, e dois BMW, um de 1936 e outro de 1939, todos com assoalho de madeira. Abaixo fotos ilustrativas destes carros encontradas na internet nesta sequência:
Voltando a nosso Volkswagen, o chassi como previsto no “Exposé” foi detalhado resultando, por exemplo, no esquema abaixo do esboço SK 1071 (em que SK vem de “Skizze” — esboço em alemão), feito por Karl Frölich, no caso equipado com um motor B. O detalhe é o tanque de gasolina previsto para ficar ao lado do motor disposto de maneira longitudinal:
Mas antes mesmo do estudo acima surgiu o esboço SK 1032, que apontou para uma direção radicalmente diferente; ele estava listado no plano de dez anos de Porsche como sendo o estudo de chassi Nº 5 e que acabou sobressaindo e desbancando todos os outros estudos.
Com base no SK 1032 Reimspiess desenhou uma sugestão para uma suspensão traseira totalmente nova e muito mais simples. Em seu esboço SK 1077 Reimspiess mostra como as tábuas de assoalho eram afixadas às travessas do chassi com tubo central em aço. Assim foram feitos os protótipos V1 e V2.
Abaixo uma foto do primeiro chassi que foi construído. O esqueleto foi fabricado pela firma Allgaier. Esta foto foi tirada algum tempo depois da construção do chassi, já que na foto ele está equipado com um motor D que só estaria disponível entre setembro e outubro de 1935. A dúvida que pairava no ar era se seria possível usar este tipo de chassi num carro que deveria custar abaixo de 1.000 RM. Este chassi era para ser usado com assoalho de madeira que ainda não tinha sido montado.
Na foto acima podem ser vistos os tubos de alojamento dos dois feixes de lâminas de torção dianteiras, ainda sem os amortecedores montados.
Chegamos à série V3 de protótipos, e os V3/1 e V3/2 também tinham o assoalho de madeira. No caso destes dois protótipos o assoalho de madeira era recoberto com uma chapa fina de aço, mas o esforço estrutural era assumido pelas tábuas de madeira, não por esta chapa fina de aço.
Os estudos de chassi foram continuados com a participação da Universidade de Karlsruhe que concluiu pelo uso de assoalho de chapa de aço em vez de madeira, dando ao veículo maior rigidez. Neste sentido foi emitido o desenho K 3472 (não tendo sido emitido esboço anterior) que é reproduzido abaixo. Na época ainda estava em discussão que tamanho de roda seria usado, mais largas de 16 polegadas ou mais finas de 17, sendo que o raio de rolagem dinâmico (dynamic rolling radius) resultante permaneceria aproximadamente o mesmo variando o perfil do pneu.
Abaixo o primeiro chassi da série V3 executado conforme o desenho K 3472 ainda equipado com um motor da série D, já que os motores da série E ainda não estavam prontos. Hoje não se sabe qual das alternativas de motor D tinha sido usado, havia três alternativas de 800 cm³, a D1 de 1.000 cm³ e a D2 de 1.263 cm³.
Dai em diante a era do assoalho de madeira no Volkswagen acabou. Os veículos da subsequente série VW30 já eram equipados com chassi integral em aço. Ainda faltava um ponto a evoluir, era a orientação das nervuras de reforço estrutural a serem prensados nas chapas inicialmente lisas. Nos veículos da série VW30 estas nervuras ainda eram longitudinais, como mostra a foto abaixo:
Com o auxílio da Universidade de Karlsuhe estas nervuras acabaram sendo transversais, concluindo esta parte do estudo do chassi totalmente em aço.
AG
Para a elaboração desta matéria foram consultados vários livros como “Birth of the Beetle – The development of the Volkswagen by Ferdinand Porsche” de Chris Barber; “Die Käfer-Chronik – Die Geschichte einer Autolegende” de Bernd Wiersch (o meu exemplar é autografado pelo autor!); “Der Käfer – Eine Dokumentation II” de Etzold; ” The VW Beetle” de Robin Fry.
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