Na minha última crônica, em que sugeri criar um espaço exclusivo para os motociclistas com o propósito de tornar a sua circulação mais segura, sofri duras críticas da turma da “meia ciência”, fato que de certa forma me frustrou, pela sua falta de compreensão da mudança do que propus.
Na de hoje, novamente irei provocar críticas, desta feita que sejam plenamente justificadas e não apenas a crítica destrutiva, sem dar outra opção. Vou tentar lhes mostrar como cheguei ao que aqui irei propor.
Do livro “Problemas das Áreas Metropolitanas”, no qual são reunidas as propostas apresentadas no Congresso realizado em Toronto, por ocasião do Centenário do Canadá, em 1967, destaco a proposição do Professor Ernest Weissman, conselheiro do Centro para Vivendas, Construção e Planificação da ONU, quando na introdução do capítulo Planejamento e Traçado Urbano ele deixa bem claro que “é preciso deixar de olhar o passado e começar a utilizar uma técnica progressista e os melhores recursos que a ciência do nosso tempo possa oferecer, para resolver um problema que, superado apenas pela manutenção da paz mundial, é sem dúvida o mais grave problema que o homem deva enfrentar, que é o socioeconômico”.
No seu texto deste capítulo cita e, se baseia nos ensinamentos no livro vencedor do Prêmio Nacional do livro (National Book Award) nos Estados Unidos, intitulado “The City in History- The classic study”, por Lewis Munford, este renomado técnico americano. Sem dúvida, trata-se de um clássico imprescindível para quem deseja se aprofundar no urbanismo.
É fora de dúvida que no problema social estão prioritariamente as cidades, considerando-se a constante migração urbana que acontece no nosso mundo. E nas cidades aparece o problema da mobilidade no trânsito, classificado pelo professor Hilton Gadret em seu livro “Trânsito, Super Função Urbana”, inclusive comparando a sua função com a da circulação sanguínea do corpo humano, para sua necessária existência.
E neste ponto chegamos. devidamente embasada, à importância do trânsito urbano organizado e que para consegui-lo os administradores criaram um Código do procedimento ideal, tentado salvaguardar a ordem e a fluidez nas malhas viárias urbanas. Infelizmente criaram uma lei socialmente injusta para um problema social, na medida em que pune pecuniariamente, atingindo de maneira desigual considerando o poder aquisitivo dos infratores.
É bem verdade que o atual Código de Trânsito, vigente desde 1997, criou a contagem de pontos para cada infração, tornando-o socialmente mais justo ao punir igualmente ricos e pobres, embora ter a autorização de dirigir suspensa por um ano só aconteça após o motorista acumular, no período de um ano, 20 pontos — total erroneamente aumentado para 40 pontos há dois meses —, de quase nada adiante em termos educacionais, uma vez que ao atingir este total o infrator não mais se lembra das faltas cometidas, o que anula o efeito educacional.
Também, é preciso que se tenha a coragem de dizer que, de acordo com as estatísticas, é um instrumento de muito baixo efeito para redução dos acidentes que a todos nós afligem. Esqueceram-se da norma básica da utilização das medidas construtivas e somente focaram a punição legal. Esqueceram-se de que um elevado número de multas indica o fracasso da administração, uma vez que o policiamento de trânsito deve ser preventivo. Levei mais de 40 anos para chegar a uma fórmula educacional socialmente justa e profundamente educativa, inspirando-me na Internacional Board quando a entidade criou o “cartão amarelo” antes da aplicação do “cartão vermelho”, no intuito de fazer valer as regras disciplinares do futebol.
O que proponho, repetindo o que já abordei em outra crônica, é a eliminação da multa imediata, sendo substituída por uma advertência. Ao recebê-la, em lugar da multa pela sua transgressão caberia ao infrator guardar um período sem cometer nenhuma infração, período correspondente ao grau de sua transgressão, após o que teria a advertência anulada, evitando a multa. Não haveria necessidade de haver a criação de pontos por infrações, com veremos a seguir.
Estes períodos seriam de duas semanas para as infrações LEVES, quatro semanas para as MÉDIAS, oito semanas para as GRAVES e doze semanas para as GRAVÍSSIMAS (foto de abertura). Não haveria o direito de recorrer por não se tratar, ainda, de infração.
No entanto, caso o infrator cometesse alguma infração durante o período de bom comportamento obrigatório a fim se livrar da multa, a teria aplicada e a suspensão da autorização de dirigir pelo período que deveria ter agido impecavelmente. A fim de evitar a burocracia não teria a sua CNH recolhida, bastaria apenas ser avisado na ocasião da suspensão de sua habilitação que caso dirigisse no período de suspensão estaria cometendo CRIME.
Ao terminar o período de suspensão iniciaria outro de exigência de bom comportamento relativo à infração que provocou a sua punição.
Com este novo sistema de punição/educacional estaremos levando ao trânsito a tão desejada paz, segundo a publicidade oficial jamais alcançada com a regulamentação atual, conforme comprovam as estatísticas.
Por falar em estatísticas, este regime, aqui proposto, exige um rigoroso controle estatístico, aliás comportamento administrativo imprescindível para se obter um eficiente controle do trânsito.
Quando estive como diretor de Trânsito, sempre criei uma seção de ANÁLISE E DIVULGAÇÃO para este mister, dirigida por um engenheiro especializado, que apresentava anualmente uma publicação intitulada LIVRO NEGRO DO TRÂNSITO, na qual vinham registradas, detalhadamente, as infrações que aconteceram naquele ano, fato que também avaliava a nossa administração.
É fácil de se imaginar o quanto seria eficiente esta nova orientação para a — repito —, paz no trânsito. No entanto, podem ter a certeza de que jamais será implantada no nosso país, uma vez ela implicaria numa drástica redução de arrecadação da “indústria da multa”.
Pobres de nós que tentamos melhorar, ou melhor, civilizar o comportamento do nosso motorista. O nosso consolo é escrever e esperar pelas críticas — a favor ou contra.
CF