Uma das coisas que mais gosto de fazer neste espaço é atender pedidos de leitores sobre assuntos a serem abordados. Costumo demorar um pouquinho mais do que gostaria em responder — geralmente porque a pesquisa é que é demorada — mas na maioria das vezes consigo escrever a respeito do que me sugerem.
Este é mais um caso: em março, morreu a piloto alemã Sabine Schmitz. Ela foi a ganhadora por duas vezes da exigente prova 24 Horas de Nürburgring, em 1996 e 1997, ao volante de um BMW M3 E36 copilotado pelo veterano piloto alemão Johannes Scheid. Naquela época, ela usava o sobrenome do marido e era conhecida como Sabine Reck.
O feito tem outra efeméride importantíssima para a categoria: ela foi não apenas a primeira mulher a vencer a 24 Horas de Nürburgring, mas também a primeira mulher a vencer uma competição automobilística com duração de um dia. Por isso mesmo, ela foi apelidada de “Rainha de Nürburgring”. O leitor Bean Counter havia me solicitado uma coluna sobre ela e achei uma excelente ideia e muitíssimo merecida lembrança . Acabei demorando mais do que gostaria e meu colega Augusto Botelho escreveu sobre o tema há menos de um mês, mas vou abordar aqui outros aspectos da vida dela que ficaram de fora do belo texto do Augusto.
Sabine alcançou muito sucesso nas pistas, especialmente em seu país, mas também ficou conhecida no meio por ter apresentado os programas especializados em automobilismo Top Gear e Fifth Gear, ambos da televisão britânica.
Há pessoas que parecem destinadas a determinadas profissões — como a própria Sabine. A família dela morava no Hotel am Tiegarten e era dona do restaurante Pistenklause, no andar térreo do hotel, ambos localizados, adivinhem onde? Dentro do complexo Nürburgring Nordschleife, a só 300 metros do circuito e onde pilotos como Alberto Ascari e Nélson Piquet ficaram hospedados, segundo contava a própria Sabine. Essa proximidade com o asfalto fez com que não somente Sabine, mas também suas duas irmãs se interessassem por competições automobilísticas e tentassem carreira como piloto — embora apenas Sabine tenha alcançado grande sucesso. Em 1989, Susanne, Petra e Sabine chegaram a correr o VLN (Nürburgring Veedol Trohpy) juntas, dividindo um Vauxhall Astra.
Mas Sabine não foi diretamente para as pistas. Ela chegou a estudar para seguir no ramo da família e se formou em Hotelaria e Catering, além de sommelière e até o ano 2000 foi casada com um hoteleiro. Mas o apelo do asfalto foi mais forte. Sua primeira volta no circuito foi aos 17 anos, a bordo do BMW de sua mãe, depois de mentir ao pessoal da pista e dizer que tinha 18 anos e carta de motorista. Claro que a mãe só soube disso depois do fato…
Ela estreou em 1995 no campeonato sul-africano de turismo com o sobrenome do seu marido à época, como Sabine Reck, mas sem bons resultados. Havia sido enviada para lá pela BMW para disputar a Taça de Super Turismo. Depois disso, voltou à Europa e, como já escrevi aqui, já no seu primeiro ano europeu ela venceu a 24 Horas de Nürburgring.
Eu gostaria aqui de destacar algo pouco divulgado: Sabine Schmitz esteve no Brasil nos anos 1990 correndo na Espron Series com ninguém menos do que Ingo Hoffmann e Nélson Piquet. O convite, dizem, foi feito pelo próprio Piquet e ela aceitou de muitíssimo bom grado e ela chegou a participar parcialmente de duas temporadas no Brasil.
Junto com seu segundo marido, Klaus Abbelen, também piloto alemão, ela dividiu o volante do Porsche 997 de número 97 e disputaram a prova VLN Endurance em 2006. O campeonato daquele ano foi vencido por outra mulher, Claudia Hürtgen.
Sabine e Abbelen, montaram a equipe Frikadelli — e aí vem o toque divertido, pelo menos para mim: frikadelle é uma espécie de almôndega alemã. Já pensaram uma equipe chamada Almôndega? Bem, corriam junto com Edgar Althoff e Keneth Heyer e alcançaram resultados bastante bons, como um quinto, três sextos e dois sétimos lugares na VLN. E um segundo lugar na 24 Horas na categoria SP7.
As regras do VLN Endurance são muito semelhantes às da 24 Horas de Nürburgring e talvez por isso mesmo os participantes costumam correr nas duas categorias.
Para os leigos, ou aqueles que não acompanham as competições automobilísticas, Sabine ficou mais conhecida pela sua participação na TV inglesa, mas também ao volante de um BMW M5 chamado de “Ring taxi” . É algo bastante comum nos circuitos europeus: o turista paga para andar num carro de competição, pilotado por um profissional. Eu mesma fiz isso em Hungaroring (como contei aqui). É ótimo pois é a sensação mais próxima de estar competindo já que nenhum de nós, pobres mortais, conseguiria andar em velocidade de corrida numa pista — pelo menos não por mais do que alguns metros. Provavelmente, apenas até a primeira curva ou o primeiro acidente. “É divertido assustar as pessoas. Elas adoram ser assustadas e me pagam para isso”, dizia a simpática piloto.
A pista de Nürburgring por onde Sabine levou felizardos turistas até 2011 tem 20,8 quilômetros de extensão e, segundo estimava ela mesma, deve ter andado mais de 33.000 vezes nesse circuito. Compreensível, mais uma vez, o apelido de “Rainha de Nürburgring “, não? Ela também era chamada de “a motorista de táxi mais rápida do mundo”. Ah, e até hoje existe o “Ring Taxi” com outros pilotos.
Em dezembro de 2004, Sabine ficou ainda mais conhecida do público inglês quando apareceu no programa Top Gear disputando com o apresentador especializado em automobilismo Jeremy Clarkson. Ele deu uma volta completa em Nürburgring com um Jaguar S-type a diesel em 9 minutos e 59 segundos. Sabine tripudiou dele. Primeiro disse que faria essa volta com um van e depois, com o mesmo Jaguar de Clarkson, cravou 9 minutos e 12 segundos — ou seja, 47 (!) segundos a menos na mesma distância percorrida por Clarkson. A equipe do programa contou que ao tentar filmar Sabine enquanto dirigia o Jaguar simplesmente não conseguiam acompanhá-la e tiveram de pedir ao piloto de testes da própria Jaguar, Wolfgang Schubauer, que dirigisse o carro que faria o registro, um Jaguar S-type R. E, claro, era uma equipe treinada para isso, não era uma senhorinha qualquer atrás do volante, não.
Pouquíssimo tempo depois Sabine realmente correu no circuito com um van — Ford Transit diesel — e ficou apenas 9 segundos atrás do tempo de Clarkson, com o Jaguar mencionado. Ela era boa ou não?
Sabine morreu no dia 16 de março deste ano, com somente 51 anos, após lutar durante quatro anos contra um câncer extremamente agressivo. As homenagens que recebeu foram muito emocionantes. Talvez a mais tocante tenha sido da administração do circuito de Nürburgring: eles batizaram a primeira curva do circuito, a Nordkehre (“curva Norte”) como Sabine Schmitz.
Mudando de assunto: recebi esta foto e confesso que fiquei curiosa com a coincidência.
NG
(Atualizada em 15/07/21 às 11h55, terceiro parágrafo, quem escreveu antes sobre Sabine Schmitz antes foi Augusto Botelho e não Gerson Borini)