O Grande Prêmio de Abu Dhabi domingo último levantou discussões para todos os lados sobre as decisões do diretor de prova que, aos olhos de muitos, favoreceram a Red Bull e ajudou a dar o título a Max Verstappen.
A questão de liberar os retardatários que estavam entre Hamilton e Max, para muitos, foi polêmico, pois parecia ser muita coincidência dar a chance na última volta para que o RB16B de Max com pneus macios novinhos atacasse o W12 de Lewis com pneus duros e ainda por cima gastos. Na verdade, não há nada de polêmico, pois é previsto em regulamento, artigo 48.12 do Código Desportivo Internacional da FIA 2021.
O problema que gerou toda a polêmica sobre ser um resultado manipulado ou não, foi que o diretor da prova, o australiano Michael Masi, primeiro informou que não liberaria os retardatários, e depois dos áudios de Christian Horner questionando a decisão, mudou de ideia e liberou as ultrapassagens, resultando em não ficar nenhum carro entre Hamilton e Verstappen — a diferença entre eles antes da batida de Latifi era de 11 segundos. Aí fica difícil não surgirem as teorias da conspiração. A decisão de o Safety Car intervir é responsabilidade exclusiva do diretor da prova.
Outro ponto que levantou as reclamações da equipe de Hamilton é que, pela regra, os carros que passaram o Safety Car não tiveram tempo de realinhar no fim da fila, para só depois a corrida poder recomeçar. Isto, pelo tempo disponível, levaria mais uma volta, e a corrida terminaria em bandeira amarela. Seria um final de campeonato extremamente sem graça, e possivelmente foi isso que a direção da FIA tentou evitar. E, pelas teorias da conspiração que a Nora bem mencionou aqui, seria o jogo inverso. O Williams, equipado com motor Mercedes, poderia ter causado o acidente para segurar a corrida na bandeira amarela até o fim, e dar o campeonato à Hamilton. De qualquer modo, não estaria bom, nem para um lado, nem para o outro.
De qualquer maneira, a questão que venho a colocar aqui não é o que aconteceu nas últimas voltas da prova que decidiu o campeonato, mas, as incontáveis regras que FIA criou ao longo dos anos. A proposta é sempre de equilibrar a disputa entre os pilotos e trazer mais competitividade às provas, além da segurança.
Infelizmente, quando se tem muitas regras, a chance de se complicar demais o esporte é grande. E é o que vem acontecendo com a categoria. O livro de regras desportivas da F-1 tem nada menos que 89 páginas. É preciso ter regras claras para controlar o esporte, manter a segurança de todos os envolvidos e nivelar (de forma justa) as disputas, mas, acho que há um limite para tudo.
O que me chama a atenção é a forma com que as regras relativas à punições evoluíram e afetam os resultados das corridas de forma irreal, a começar pelos famosos comunicados de “situação será investigada depois da corrida”.
A mim não faz sentido avaliar uma disputa e aplicar uma punição intermediária depois da corrida terminada. Se é um caso grave, a desclassificação do piloto pode ocorrer, como já era feito há anos. Mas uma coisa é desclassificar um piloto, outra é dar uma penalidade de dez, quinze segundos no tempo total e modificar o resultado final da corrida que requer cálculos para saber onde cada piloto vai terminar.
Isto é uma aberração que não deveria existir. No passado, se algo fosse dado como irregular, o piloto era penalizado durante a corrida, com uma punição do tipo stop-and-go (entrar no box, parar e permanecer estacionário por alguns segundos) ou um drive-through (passar pela frente dos boxes (pit lane) à velocidade máxima obrigatória de 80 km/h) e, pronto, penalidade aplicada, vida que segue.
A diferença de aplicar uma punição durante a corrida e depois da corrida, ao meu ver, é clara. Se aplicada na hora, a posição real, física, do carro, é alterada. Se a punição é aplicada depois da corrida, significa que aquele carro estava numa posição que não era sua posição real, mas, ainda pode afetar outros carros e outras posições à sua volta.
Para deixar mais claro: se numa disputa direta em que dez carros estão andando juntos, com uma diferença de um segundo entre eles, e o segundo colocado é penalizado em dez segundos depois da corrida, significa que aquele carro possivelmente se classificaria entre nono e décimo lugar.
Isto está afetando diretamente a posição física dos carros atrás. Se ele andar mais devagar, ou mesmo se envolver em um acidente com algum dos carros próximos, vai segurar todos que estão atrás dele, e estes afetados nada têm a ver com isso, pois o carro penalizado não deveria estar ali. Só depois da corrida é que será calculada qual seria a posição real dele. Se ele fosse penalizado com um drive-through, este carro não estaria mais na pista perto dos outros, deixaria de afetar diretamente o resultado dos demais e retornaria para a pista na sua posição real.
É mais ou menos como marcar ou anular uma falta ou um impedimento de uma jogada no futebol depois do jogo. O que aconteceu a partir daquele momento da infração, não vai refletir uma condição real.
O que ocorre na pista tem que ser resolvido na pista. Pode demorar uma, duas, ou cinco voltas, mas a punição tem que ser aplicada durante a corrida, para que aquele carro se posicione conforme a penalidade e daí continuar sua corrida.
O regulamento na verdade permite o seguinte: a punição originalmente é para ser paga nos boxes, mas, o piloto pode optar por não parar e pagar o tempo adicional depois da corrida, contanto que ele não faça nenhuma parada nos boxes até o fim da corrida.
As penalidades que ocorrem entre os treinos e a corrida, como perda de posições de largada, ou ainda, penalidades para a corrida seguinte, também são recursos bem estranhos. Hoje em dia parece que a classificação só termina depois de algumas horas após a bandeirada, quando todas as penalidades foram aplicadas e o grid foi redefinido.
Outras regras, ou melhor, interpretações dos comissários, sobre disputas duras entre pilotos, também afetam os resultados das provas. Com a condição de manter a segurança entre os pilotos, muitas disputas que antigamente eram perfeitamente normais, hoje são analisadas como perigosas e um piloto pode ser punido.
Pilotos reconhecidamente “reclamões”, como Fernando Alonso, pedem socorro pelo rádio se o carro à sua frente dificulta uma ultrapassagem, mesmo valendo posições. Uma coisa é jogar o adversário para fora da pista, outra é defender a posição custe o que custar, sem um tocar no outro ou espremer para fora do traçado. Parece que tornou-se uma nova regra não dificultar a vida de quem vem tentando uma ultrapassagem.
A parte técnica dos carros, como já comentei aqui num passado remoto, também é muito restrita e complicada. Os carros da categoria evoluíram de tal forma que a aerodinâmica é tão forte que um carro atrapalha demais o outro quando estão próximos, e para permitir mais chances de ultrapassagem, inventaram a asa com superfície móvel, um pecado mortal que de uma hora para outra, virou o Santo Graal do automobilismo.
Não seria mais simples impor uma limpeza de dispositivos aerodinâmicos nos carros e naturalmente permitir que estes andem mais próximos sem tanta interferência do fluxo de ar entre eles, como nos IndyCars? Pois bem, é o que aparentemente veremos em 2022. Efeito solo estará de volta, sem os incontáveis componentes aerodinâmicos da carroceria e linhas mais simples. Ainda, a princípio, com a asa de superfície móvel.
Menos regras, mais bom senso, e, principalmente, consistência nas decisões tomadas, fariam da F-1 um esporte muito mais interessante e menos político, algo que acontece desde antes da era Senna versus Prost. A temporada de 2021 foi de fato emocionante, mas, infelizmente, boa parte da emoção veio de fora da pista, do complicado livro de regras.
Veremos se ano que vêm a situação melhora. A categoria merece, ainda mais em uma temporada que vai marcar uma mudança brusca nos carros como há anos não vemos.
MB