Acredito que muitos já devem ter visto imagens como a foto de abertura, um VW Sedan com a frente rombuda e alguém derrubando algo num bocal localizado na frente do carro. Nesta matéria vamos descobrir o que eram aqueles carros, para que serviam e conferir algumas de suas variações.
Durante a segunda metade da Segunda Guerra Mundial, o petróleo tornou-se escasso na Alemanha, então muitos veículos foram convertidos para funcionar com outros combustíveis mais facilmente disponíveis localmente. O Tipo 230, da lista de projetos da Porsche, era um chamado gerador de gás de madeira, também conhecido como gasogênio, e estava disponível em cinco versões diferentes.
De acordo com a lista de projetos da Porsche, foram construídos entre 1944 e 1945 nove veículos — sete KdF (sedans) e dois Kübelwagens (jipes leves). Todos foram construídos usando chassi Kübelwagen, o que facilitava o esvaziamento da cinza do gerador de gás (que era realizado por uma portinhola na base do gerador de gás) graças à sua distância ao solo 20 cm maior.
A maioria dos geradores de gás queimava carvão vegetal, mas alguns também queimavam linhito, do qual havia grandes depósitos na Alemanha. O linhito é um carvão fóssil, em que se reconhecem ainda restos de vegetais, com teor de carbono fixo inferior ao da hulha (carvão mineral), de cor castanha ou negra, que arde com muitos gases. O linhito é uma das fases da criação do carvão na natureza a partir da fossilização da madeira, que segue o caminho: madeira, turfa, linhito, carvão de pedra e antracito. Também existiram os geradores de gás que funcionavam com cavacos de madeira (mas a madeira também era escassa).
O principal problema era que os motores passavam a ser alimentados com monóxido de carbono. que era o gás gerado no gasogênio, de baixo poder calorífico, e sua potência caía muito. Para se ter uma ideia, o poder calorífico do monóxido de carbono é extremamente baixo, apenas 10,05 megajoules por quilograma (MJ/kg), 23,5% do da gasolina, que é 42,7 MJ/kg.
O desenho de construção 230/1 está faltando nos arquivos, mas o terceiro desenvolvimento (K 3778) datado de 4 de fevereiro de 1944 mostra o Volkswagen com uma seção frontal bulbosa, sob a qual um grande forno com um coletor inferior foi alojado à frente do eixo dianteiro.
Abaixo, um KdF equipado com a versão 230/3 detalhada no desenho acima:
Combustíveis como madeira, linhito ou carvão vegetal, por exemplo, eram queimados no gerador sob baixa oxigenação, produzindo gás monóxido de carbono. O gás era resfriado e filtrado, depois bombeado para a parte traseira onde era limpo novamente e depois misturado com ar em um carburador especial para ser utilizado pelo motor.
Outro desenvolvimento posterior, possivelmente 230/2 (K 3785) de 27 de março de 1944, apresentava dois filtros na extremidade dianteira do carro, onde o para-choque foi removido – uma versão mais volumosa, mas mais simples.
O desenvolvimento 230/4 (K 3795 de 9 de maio de 1944) era da Daimler-Benz, era semelhante a este, mas maior, com dois grandes cilindros verticais dominando a extremidade frontal, um dos quais era o gerador com um grande filtro instalado na frente.
Há outras fotos de outros Volkswagens com gerador a gás de madeira tipo 230, com desenhos menores e menos feios, onde eles tentaram integrar o gerador na tampa frontal especialmente abaulada.
Esquema básico de um Gerador de Gás Genérico
Cada projetista desenvolvia o seu esquema de gerador de gás, mas, em princípio, todos tinham os mesmos componentes principais quanto à sua função. Procurei um esquema para mostrar estes componentes principais:
Legendas:
Gaserzeuger: gerador de gás
Gaskühler: resfriador de gás
Absitzbehälter: decantador (para retirar a umidade do gás)
Nachreiniger: pós-limpeza
Anfachgebläse: ventilador
Esquema para dar a partida num veículo com este tipo de gasogênio
O gerador de gás do veículo é um sistema de gás de sucção porque o motor aspira a quantidade necessária de gás. Inicialmente, um ventilador (funcionando como exaustor) assume a função do motor e aspira ar através de todo o sistema. Uma bucha queimando é segurada no orifício de entrada do gerador de gás, o efeito de sucção atrai a chama para dentro do gerador de gás e, assim, acende o gerador.
Após 7 a 15 minutos, o gás na saída do ventilador pode ser inflamado. Se a chama ficar calma no tubo de saída e queimar de maneira uniforme com cor azul-avermelhada, o ventilador é desligado e a válvula é fechada. Acionando o motor de partida a borboleta do acelerador é aberta lentamente até que uma mistura de gás inflamável seja produzida e o motor dê partida.
Às vezes, o gás piora logo após a partida. Este chamado “buraco de gás” é superado por meio de aceleração total e da borboleta de ar menos aberta, após o que o veículo está pronto para operação. Se o motor parar neste momento, primeiro o sistema deve ser ventilado por alguns minutos e, em seguida, o processo de partida deve ser repetido.
Gasogênio no Brasil
Durante a II Guerra Mundial, com as dificuldades nas importações de combustíveis, aconteceu um racionamento de petróleo e derivados, obrigando o país a adotar alternativas energéticas. Em 28 de Fevereiro de 1939, através de decreto-lei, o presidente Getúlio Vargas criou a CNG (Comissão Nacional do Gasogênio).
Novos decretos em 1940, 1942, e 1943 regulamentaram a fabricação de gasogênios e incentivaram seu uso em veículos motorizados, no transporte coletivo, máquinas agrícolas, geração elétrica, aplicações estacionárias e semiestacionárias. Em 1944, num esforço de propaganda, o governo produziu o documentário curta-metragem “Nosso amigo, o gasogênio”.
Várias empresas do país fabricaram estes equipamentos, dentre as quais: São Paulo (de propriedade do piloto Chico Landi), Securit, Laminação Nacional de Metais e Lorenzetti. Com o fim do conflito e a normalização nas importações de petróleo, o Brasil abandonou o uso do gás pobre produzido por gasogênios.
AG
Fontes de Pesquisa: Livro “Der Käfer – FERDINAND PORSCHE UND DIE ENTWICKLUNG DES VOLKSWAGENS“ de Chris Barber; Livro „DER KÄFER II – Eine Dokumentation“ de Hand-Rüdiger Etzold; Wikipédia; e vários outros sites.
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