O aprendizado de Fusca continuou. Um dia meu pai foi à concessionária Rio Motor, onde comprara o primeiro Fusca, e lhe mostraram o modelo 1955, que agora era 1200 em vez de 1100, Eu e meu irmão, juntos, não perdíamos a oportunidade de ir lá, era um lugar prazeroso. Os três deram uma volta com o Fusca de motor mais potente — 30 cv, o nosso era de 25 cv — e assim a garagem de casa logo ganhou novo “inquilino”, de verde claro a azul claro.
Eram basicamente iguais, mas acho que, pelos anos, o primeiro era produção Brasmotor e o segundo, já VW do Brasil (esse era um detalhe que eu desconhecia). Visualmente, as diferenças eram, externamente, os para-choques com tubos complementares e garras mais altas, e internamente, o revestimento dos bancos, antes tecido (possivelmente importados), agora vinil, mas ambos muito bons. Ambos tinha aquecimento de cabine, equipamento que aprecio até hoje por não gostar de dirigir “enroupado” com casacos, suéteres, gorros.
E o “aprendizado” continuou, já nos meus 12 para 13 anos.
Como era o aquecimento foi um deles. Achei notável usar o ar de arrefecimento, depois de cumprir seu papel, portanto aquecido pelo motor, poder ser conduzido para o interior do carro. Em compensação, desconhecia o fato de que eventual vazamento de gases queimados entre cabeçote e cilindro ser extremamente perigoso, significava encher a cabine do letal monóxido de carbono. Quando exatamente não sei precisar, mas a produção de ar quente passou a ser por caixas com os tubos de escapamento dos cilindros dianteiros (números 3 e 1), por onde o ar frio da turbina passava, aquecendo-o. A possibilidade de vazamento de gases de escapamento passou a ser praticamente zero.
Anos mais tarde, em 1970, quando comprei um Fusca 1500 1967 alemão de mercado americano, vi no manual que os tubos de escapamento dentro das tais caixas eram envoltos por uma estrutura de alumínio aletado para acelerar a troca de calor. O aquecimento era muito mais rápido e eficaz do que o conhecido aqui.
Foi no motor boxer do Fusca que conheci detalhes de genialidade construtiva, por exemplo, o ajuste da tensão da correia trapezoidal de acionamento do dínamo e da turbina de arrefecimento. Como o dínamo ficava num pedestal, fixo, não tinha como movê-lo para esse ajuste, como era feito em todos os carros. A solução foi a polia do dínamo poder varia a largura do “V” por meio de arruelas entre as duas partes do “V” Menos arruelas, a largura do “V” diminuía e a correia se deslocava para a extremidade, esticando-a. Mais arruelas, efeito contrário., a tensão diminuía. Puro gênio.
Você, leitor ou leitora, deve ter lido recentemente minha matéria sobre o efeito da largura do “V” na relação de transmissão dos câmbios CVT.
Outro aprendizado importante, para a vida inteira, foi conhecer a queda de temperatura na vaporização dos líquidos. O “pescoço” do coletor de admissão, imediatamente abaixo do carburador, “suava” de tão frio que ficava pela vaporização da gasolina, no que a umidade do ar se condensava. nele. Não demorou deduzir que quanto mais “suado” ficasse o coletor, melhor era vaporização, especialmente em marcha-lenta, sinal de que a mistura ar-combustível naquela condição estava perfeita.
Foi no Fusca também — nos dois — que aperfeiçoei a técnica da dupla-debreagem mais aceleração interina para engatar a primeira não sincronizada com o carro em movimento. Seria útil quando meu pai comprou um DKW-Vemag 1959, também de primeira “seca”, bem como ao dirigir utilitários 4×4 Jeep e DKW-Vemag Candango 4 ao engatar a reduzida em parar o veículo. E no Renault 1093, que tive também, sem primeira sincronizada.
Conheci no Fusca também o que era macaco eficiente e fácil de usar. O Fusca vinha com um macaco (que soube anos mais tarde ser Bilstein, a famosa marca de amortecedores), de subida rápida e descida expressa.
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Só havia um ponto de colocação do macaco e o carro era levantado o lado todo, as suas duas rodas fora do chão. Para levantar bastavam alguns movimentos da alavanca (não mostrada). Para baixar, havia um ponto no mecanismo que tirava o atrito e o carro baixava de uma vez só. Era completamente diferente do macaco de para-choque do Oldsmobile 88 1950 que tínhamos em casa (aparece na foto do Fusca 1100 da semana passada), de cremalheira, típico dos carros americanos, que levavam uma eternidade para subir e outra, para descer.
Anos mais tarde, em 1985, estava eu com a equipe de rali da Volkswagen participando do Rali da Argentina, etapa do campeonato mundial, em que a equipe oficial de Wolfsburg estava com dois Golf Grupo A. Adivinhe qual macaco os Golf tinham a bordo? O Bilstein, só com haste mais comprida. Falei com o chefe da VW Motorsport, o alemão Klaus-Peter Rosorius para dar os macacos para filial brasileira, e o Golf voltaram para casa sem os macacos Bilstein.
No ano seguinte ele veio ao Brasil e fomos juntos a Goiânia para a 12 Horas do Campeonato Brasileiro de Marcas e Pilotos daquele ano. Ele adorou o programa, especialmente por ver a marca vencer. Uma pessoa admirável e gentil, que me presenteou com a “bíblia Porsche”, o livro “Porsche – Excellence Was Expected”, de Karl Ludivigsen, 867 páginas, com tudo, absolutamente tudo, sobre os Porsches esporte e de competição.
Houve um aprendizado curioso na parte de dirigir, “serrar” o volante de direção nas curvas. Isso eu li em algum lugar que era a técnica do piloto alemão Richard von Frankenberg para fazer curva com carros bem “traseirudos” como o Fusca e o Porsche 356. O serrar era em sentido figurado, obviamente, e consistia em mover o volante para um lado e para o outro repetidamente, com movimentos curtos, como que “serrando” alguma coisa.
Sua teoria, confirmada na prática, era comandar a curva, e antes que a força lateral levasse a traseira a sair, a curva era descomandada, isso num processo contínuo, “serrando”, sawing, durante toda a curva.
Até meu pai aderiu ao “serrar” na nossa Kombi 1955 quando íamos, a família toda, a São Lourenço, MG, onde a família tinha uma pequena fazenda. Era como a Kombi era conduzida — rápido — no trecho de terra que saía da via Dutra em Engenheiro Passos, perto da divisa com São Paulo. Tenho gravada na memória a maneira como ele segurava o volante — polegar, indicador, médio e anular nos raios e o mindinho além do aro… E “serrando”!
BS