Em 1958, quando os irmãos holandeses Hubert e Willem van Doorne criaram um automóvel (DAF 600, foto de abertura) de câmbio automático totalmente diferente do que existia, talvez não antevissem o sucesso que seria. O princípio de funcionamento de sua criação baseou-se no conhecimento dos motores: em vez de variar a carga e rotação do motor pelo acelerador, obedecendo a determinado número de marchas, deixar a rotação a mais constante possível, buscando a maior economia de combustível ao reduzir drasticamente os regimes transientes, e variar continuamente a relação de transmissão, entre dois pontos extremos, de modo a obter a velocidade desejada. Esse câmbio foi denominado CVT, sigla, em inglês, de transmissão continuamente variável.
Como em toda transmissão de movimento, há um elemento condutor e um conduzido, normalmente constituído por engrenagens ou rodas dentadas com corrente (como nas bicicletas), os van Doorne idealizaram duas polias em “V”— uma condutora ligada ao motor e outra, conduzida, ligada às rodas — movimentadas mediante uma correia de borracha, de tal modo que as aberturas dos “V” variassem uma ao inverso da outra. Com isso os pontos de contato da correia com as polias resultavam em diâmetros diferentes, o que se traduz em relações de transmissão diferentes. A variação da largura dos “V” era comandada por massas centrífugas e vácuo no coletor de admissão.
Antes de continuar é preciso abrir um parêntese. Há um erro conceitual que nos chegou da terra de Tio Sam, uma vez que transmissão é o sistema que leva o torque (trabalho) do motor às rodas motrizes e que compreende acoplamento (embreagem ou conversor de torque), câmbio, cardã, diferencial e semiárvores. Estas são inclusas nos eixos rígidos ou nas suspensões independentes por semieixos oscilantes como a do Fusca, Dauphine/Gordini, ou visíveis no caso de suspensão traseira independente com braços de controle. É por isso no AE nunca usamos o termo transmissão quando se trata de falar de câmbio ou caixa de mudanças. Motivo também para não escrevermos as tão comuns siglas MT (manual transmission) e AT (automatic transmission). É importante entender que não se trata do idioma inglês dos Estados Unidos, pois os ingleses usam caixa de mudanças (gearbox) em vez de transmission.
Dirigir um carro com câmbio CVT é diferente de outros câmbios automáticos. Move-se a alavanca seletora para D (a embreagem é automática) e acelera-se. A rotação do motor sobe imediatamente ao ponto que se deseja e aí fica. O carro começa a ganhar velocidade sem nenhuma interrupção no processo de ganhar de velocidade — quem mais aprecia esse comportamento são os passageiros. A velocidade cresce com o motor em rotação constante, as relações vão mudando (alongando) e quando o ponto de equilíbrio potência-velocidade é atingido, esta se estabiliza.
É o mesmo que acontece numa lancha ou num avião na decolagem, os motores são acelerados à potência máxima e a velocidade vai aumentando gradualmente.
Mas…
Mas ocorre que, de maneira geral, os motoristas não gostaram do câmbio CVT. Acharam que “patinava”, que não não havia conexão sólida entre motor e rodas motrizes, e sobretudo estranharam o motor ficar numa rotação só enquanto a velocidade aumentava, efeito logo apelidado de “elástico” ou, como o saudoso Josias Silveira dizia, “o motor vai e o carro fica.” Assim, a indústria tratou de encontrar um “remédio” para continuar aplicando o câmbio CVT sem desagradar o motorista. Para isso a eletrônica caiu do céu.
A solução foi eliminar a variabilidade absoluta, dependente de meios mecânicos, aplicando o controle eletrônico da variação da largura dos “V” para que marchas “aparecessem” aos ouvidos e aos olhos os motoristas no conta-giros. O controle eletrônico permitiu mapear à vontade a variação da largura dos “V” e estabelecer relações fixas, quantas se desejasse. O controle eletrônico trouxe também o automatismo nas trocas de marchas como se conhecia nos câmbio automáticos tradicionais (epicíclicos), além das trocas manuais sequencias pela alavanca seletora ou borboletas atrás do volante. permitindo que motoristas “brincassem de piloto”.
O câmbio CVT passou a ser (muito) bem-vindo pela maioria dos motoristas que querem dar descanso à perna esquerda, mas a verdade é que a emoção prevaleceu sobre a razão. O CVT passou a ser apenas mais um câmbio automático fazendo par com o epicíclico. De CVT restou só o nome. Seu grande mérito, a variação contínua, passou à história nos automóveis, só tendo vingado aos scooters.
BS
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