Porsche, Ferrari e Peugeot. Três marcas que juntas já venceram as 24 Horas de Le Mans nada menos que trinta e uma vezes. E estarão de volta à disputa.
A categoria principal do WEC (World Endurance Championship, ou Campeonato Mundial de Resistência) hoje em dia é a Hypercar, que substituiu a antiga LMP1, e engloba os carros equipados com motorização híbrida e também os protótipos de ponta de motorização convencional.
Na edição deste ano de Le Mans, a Hypercar contou com a participação da Toyota e o modelo GR010, vencedor absoluto com direito a dobradinha, os carros da Glickenhaus, sendo um deles pilotado pelo brasileiro Pipo Derani, e o Alpine que teve André Negrão ao volante. Destes, apenas a Toyota dispunha do sistema híbrido de propulsão.
Para 2023 e os anos seguintes, os três fabricantes citados no começo da matéria estarão na disputa com carros próprios. A Peugeot já estreou na categoria na prova realizada em Monza, com um arrojado carro desprovido de asa traseira. Além destes, a norteamericana Cadillac já anunciou o projeto e iniciou os testes de seus protótipo, que participará tanto da WEC, como da IMSA, a organização equivalente nos Estados Unidos. A BMW também demonstrou forte interesse em participar no futuro.
Quando a proposta da categoria Hypercar surgiu, o principal objetivo era reduzir custos de desenvolvimento e atrair novos participantes, pois a LMP1 sofreu uma grande debandada, restando apenas a Toyota correndo com tecnologia híbrida.
Para uma redução de custos ainda maior, e atingindo um nível praticamente global, o WEC e a IMSA se juntaram para criar um regulamento que permitisse que um mesmo carro disputasse os dois campeonatos. Esta é a LMDH, sigla para Le Mans Daytona Hybrid, onde foi definido que o monocoque central do carro seria fornecido por uma das quatro opções de fabricantes (Ligier, Multimatic, ORECA e Dallara), o sistema híbrido e a transmissão que seriam comuns para todos os participantes, e estes teriam que desenvolver o motor a combustão, suspensão e carroceria.
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A Toyota, Glickenhaus, Ferrari e Peugeot optaram pela Hypercar do WEC, também chamada de LMH (Le Mans Hypercar). Nela, as equipes constroem o carro por completo. A Porsche, Cadillac e BMW, além de uma forte intenção também por parte da Lamborghini em participar, optaram pela LMDH.
Até aí, tudo lindo e maravilhoso. Ver em Le Mans um Ferrari na principal categoria com chances de vitória é uma volta ao passado glorioso da marca, interrompido nos anos 60 pelo ímpeto de um certo homem chamado Henry Ford II. O problema que venho a questionar é bem mais conceitual do que prático, e se resume em três letras: BOP.
Balance of Performance, ou balanceamento de desempenho, foi algo criado há alguns anos com a proposta de fazer as disputas serem mais equilibradas entre os participantes e evitar que uma equipe dominasse a categoria, como ocorreu por um bom tempo, por exemplo, nos tempos da Audi.
Tentar fazer com que a disputa seja equilibrada é perfeitamente válido. O problema é como isto é feito. A solução do BOP foi, de uma maneira resumida, simplesmente penalizar os carros mais rápidos para que os mais lentos pudessem acompanha-los.
Isto não é automobilismo, é manipulação para que a corrida fique mais interessante para quem assiste. É errado buscar este objetivo? Talvez sim, talvez não. No fim das contas, o público realmente quer ver uma boa corrida com disputas acirradas, mas limitar o desempenho de um competidor para que os outros possam ter mais chances de vencer, é um tanto infeliz.
Como engenheiro, é doloroso ver que um projeto mais bem executado será limitado e não poderá ter todo seu potencial explorado apenas pelo fato de que outros não conseguiram chegar no mesmo nível. É como se o melhor aluno da sala não pudesse tirar dez na prova pois seus colegas só conseguem tirar sete, então todo mundo fica com um sete.
Já falei disto no passado aqui no AE, e a situação continua a mesma. Quando um carro tem um desempenho acima dos outros, ele recebe lastros ou tem a potência do motor limitada, usando cálculos complicados para chegar nos valores a serem implementados. Desta forma, nas últimas corridas do WEC, tanto os Glickenhaus como o Alpine conseguiram ser mais rápidos que os Toyotas, que são carros muito mais sofisticados.
Claro que não é tão simples quanto possa parecer, mas, uma vez que o regulamento técnico é igual para todos, seria possível que qualquer competidor tivesse condições de ser o melhor na pista, dependendo única e exclusivamente de um bom projeto e bons pilotos. Obviamente, equipes com mais recursos financeiros conseguem melhores resultados, pois investem mais em pesquisa, testes e tecnologias. Talvez limitar o teto de gastos fosse mais justo do que colocar dez ou vinte quilogramas dentro do carro como castigo por ter feito um bom trabalho.
Para o público, será muito legal ver as disputas entre Porsche, Ferrari e Toyota com igualdade, mas para o esporte, e digo esporte no sentido mais filosófico da palavra, é uma flechada no coração. Será uma disputa maquiada, sem mostrar o real empenho dos projetistas, mecânicos e pilotos. Nunca saberemos de fato se o vencedor foi quem fez o melhor trabalho na criação de seu carro, ou se apenas foi o que se deu melhor nos cálculos que alguém fez e disse quantos quilogramas de lastro ou quanta potência a mais no motor ele merecia ter.
É fato que não só o carro mais veloz ganha uma corrida. Primeiro, é preciso terminar a corrida, e um carro robusto é mandatório para isso. Também uma boa estratégia de pista, como a Audi fez contra a Peugeot nos anos 2000, vencendo Le Mans com um carro três segundos mais lento que o rival francês. Mas com certeza um carro mais rápido é meio caminho andando para um bom resultado.
Mas será mesmo que isto importa? Esperar que o esporte recompense o bom trabalho? Dando ao público o que querem ver, não importa se por trás das câmeras o mais rápido não é o melhor. Seria mais honesto fazer uma categoria monomarca, com um carro igual pra todos.
MB