Com uma injeção de US$ 425 milhões da Nasa, a Boeing construirá e testará um avião baseado em seu conceito de asa treliçada transônica (TTBW, a sigla em inglês), usando asas longas e finas para aumentar a sustentação, reduzir o arrasto, e queimar impressionantes 30% menos combustível.
Quando se queima tanto combustível quanto uma companhia aérea, uma acentuada redução do consumo de combustível resulta em economia significativa. Veja a película Aeroshark de redução de arrasto que a Swiss Airlines colocou em todos os seus 12 Boeing 777 — ela oferece um ganho de eficiência de 1% e, como resultado, em apenas 12 aeronaves a Swiss espera usar 4.800 toneladas de combustível de aviação a menos a cada ano, economizando, por avião, quase meio milhão de dólares aos preços de hoje. Isso seria mais próximo de meio bilhão por ano para uma operadora como a American Airlines, e sua frota de quase1.000 aviões só com um ganho de eficiência de 1%.
Assim, pode-se ver como um avião 30% mais eficiente do que os melhores de corredor único de hoje pode ser altamente atraente. Conhecemos pela primeira vez o conceito de design de “asa treliçada” da Boeing em 2010, como parte do conceito Volt “Subsonic Ultra Green Aircraft Research” (Sugar), ou Pesquisa de Aeronaves Subsônicas Ultra Verdes, que ela projetou como parte de um programa de pesquisa da Nasa.
A ideia tira proveito da maior sustentação com arrasto mais baixo que se obtém com asas mais longas, mais finas e de alta proporção (relação entre a envergadura e a corda da asa) como a dos planadores sem motor. Um conceito que a Boeing estava testando em 2016, por exemplo, tinha asas cerca de 50% mais longas do que aeronaves padrão comparáveis.
Estruturalmente, esse tipo de solução simplesmente não funciona sem um elemento de reforço. Assim, o projeto da Boeing coloca as asas sobre a fuselagem e as amarra por meio de longos montantes saindo da barriga do avião (esse tipo de montagem é antigo, já se via no Piper J3 Cub e nos Paulistinhas nacionais). Estes montantes também são aerofólios, por isso proveem sustentação adicional, bem como resistência e estabilidade estrutural.
Como um conceito subsônico voando em torno de Mach 0,70 a 0,75 (835 a 895 km/h), a Boeing estimou que esses aviões de asa alta poderiam queimar 50% menos combustível em relação a um avião comum de asa baixa. Em 2019, o conceito foi redesenhado para voar no limite da velocidade transônica, em torno de Mach 0,8 (955 km/h). Seja pela maior velocidade ou simplesmente por um melhor entendimento da aerodinâmica, a Boeing foi em busca da maior eficiência.
“Quando combinado com avanços esperados em sistemas de propulsão, materiais e arquitetura de sistemas”, diz um comunicado de imprensa da Boeing, “um avião de corredor único com uma configuração de asa alta pode reduzir o consumo de combustível e as emissões em até 30% em relação ao avião de corredor único mais eficiente da atualidade ,dependendo das rotas.”
A modelagem digital e testes em túnel de vento com modelos em escala não são novidades, mas agora a Nasa concedeu US$ 425 milhões à Boeing através da Lei de Projeto Sustentável de Demonstrador de Voo (SFD, a sigla em inglês) que se somarão aos US$ 725 milhões da própria fabricante e de vários outros parceiros para construir um protótipo e efetuar testes de voo.
A Nasa diz que planeja concluir os testes na aeronave de demonstração com asa transônica fixada com auxílio de montante até o final da presente década para que as tecnologias e soluções apontadas no projeto possam ser aproveitadas pela indústria para definir a próxima geração de aeronaves de corredor único que podem entrar em serviço na década de 2030″.
Desafios
Certamente haverá desafios. Para começar, essas asas superlongas podem simplesmente não caber nos terminais ou hangares de aeroportos existentes. A Boeing não disse nada sobre a aeronave de demonstração, mas no conceito de 2019 ela falou em usar asas dobráveis para resolver esse problema de solo.
E ainda há o fato de que as asas enormes, grossas e de menor proporção dos aviões normais são um espaço vazio perfeito para alojar tanques de combustível. Manter o combustível nas asas coloca muito peso na sua extensão, mais perto do centro de sustentação, reduzindo as tensões de engenharia no ponto onde as asas se juntam à fuselagem. Ajuda um pouco na segurança em caso de acidente, mantendo a queima de combustível longe dos passageiros. E de quebra é liberado espaço na cabine para lucrativos lugares extras. O design de montantes usa asas tão finas que os tanques de combustível provavelmente terão que voltar para a fuselagem.
Por outro lado, a Boeing diz que as asas montadas no alto “poderiam eventualmente acomodar sistemas de propulsão avançados que são limitados pela falta de espaço sob as asas nas configurações atuais de aviões de asa baixa” — embora este demonstrador não vá testar novos motores logo de início.
E nem é preciso dizer que qualquer coisa que possa levar os aviões mais longe com uma determinada quantidade de energia tem relevância excepcional para os esforços de descarbonização. Tecnologias de motorização limpas como elétricas a bateria, hidrogênio-elétricas, hidrogênio a combustão, amônia e outras são limitantes de alcance em relação aos motores atuais que queimam combustível de jato, e soluções como essa podem contribuir decisivamente para atingir esse objetivo.
Pode-se ver alguns dos trabalhos de CFD (sigla em inglês de Dinâmico dos Fluidos Computaciona) e túnel de vento que foram incluídos neste projeto no vídeo abaixo, incluindo uma simulação de vibração de aparência bastante retorcida que nos faz sentir que os trens podem ser uma boa opção.
BS