Beech King Air, Bell 212, Embraer Bandeirante, Super Tucano, Cessna Caravan, Air Tractor, De Havilland DHC-7 Dash 7: o que essas aeronaves tem em comum?
A resposta é uma só: o motor PT6! Aviões agricolas, executivos e mortais inimigos (como o A-29 Super Tucano e o arquirrival AT-6 Volverine) são equipados com esse propulsor, cuja história remonta de 1957 e não tem data para encerrar!
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A Pratt & Whitney Canada
A divisão canadense da americana Pratt & Whitney foi fundada em 1928 como um centro de serviços da americana Pratt & Whitney, fabricante de motores aeronáuticos, uma empresa originaria de uma dissidência de executivos da Wright Aeronautical, fundada por nada menos que os Irmãos Wright!
Na década de 1950, a despeito da grande demanda e lucratividade na produção de motores recíprocos da familia Wasp (Wasp Jr, Wasp, Twin Wasp, Double Wasp e Wasp Major, este ultimo deslocando 71,5 litros em seus 28 cilindros em 4 estrelas) coube a divisão canadense da Pratt & Whitney o desenvolvimento de um turbo-hélice na faixa dos 450 hp, visando bimotores de pequeno porte, projeto-alvo da equipe canadense.
E assim em 1957 com um orçamento de 100.000 dólares canadenses, teve inicio o desenvolvimento do motor PT6.
O desenvolvimento
Naquela época, a Pratt & Whitney Canada contou com uma equipe de 12 engenheiros para o desenvolvimento do novo motor, atenta a um mercado que estava carente de motores nessa faixa de potência.
A configuração escolhida foi inovadora e única: tratava se de um motor cujo fluxo de ar é reverso, diferentemente dos motores turbo-hélices convencionais, dentro de um conceito duplo de “seção fria” do motor (compressores) e “seção quente” (câmara de combustão e turbina), permitindo a desmontagem e manutenção em separado dos componentes.
Considerando que a seção quente sofre maiores desgastes e requer inspeções mais frequentes, é possível fazer as manutenções sem a retirada total do motor da aeronave, o que por si só representa uma agilidade e rapidez maiores na manutenção.
Outro conceito empregado foi o uso da turbina de potência livre, que trabalha em um eixo independente. Assim, existe uma parte do motor que é o gerador de gás propriamente dito, trabalhando em um eixo trabalhando a cerca de 45 mil rpm, onde, além do conjunto, trabalha a caixa de engrenagens (partida e alternador).
Esse conjunto é formado por dois compressores axiais e um centrífugo que comprimem o ar que vai para a câmara de combustão anular, onde é feita a queima do combustível e parte da energia do ar quente gerada é dirigida a uma turbina axial que mantem o fluxo de funcionamento dos compressores e da caixa de engrenagens.
Acoplado ao gerador de gás, há o conjunto gerador de potência onde a(s) turbina(s) (1 ou 2, dependendo da versão do motor) absorvem a energia do gás do gerador de gás, movimentando um eixo a cerca de 30 mil rpm, convertendo em energia mecânica, que chegará à hélice depois de ter sua rotação diminuída para cerca de 1.800 a 2.200 rpm para a árvores da hélice, através de engrenagens epicíclicas.
A saída dos gases se dá por meio de uma dupla saída de escapamento (uma, no caso do Cessna Caravan), e que ainda gera um empuxo residual que convertido em potência acaba se tornando aquilo que é conhecido como potência equivalente (potência medida no eixo acrescido da conversão em potência equivalente do empuxo residual em velocidade zero).
Esse conceito permite o emprego da turbina livre sem o uso de eixos concêntricos para girar os carretéis de compressor, turbina do compressor e turbina de potência como ocorre nos motores tipo turbina de potência livre.
O motor voou pela primeira vez em 30 de maio de 1961, acoplado ao nariz de um Beech 18 (foto no começo do texto), obtendo sua certificação em dezembro de 1963 (60 anos atrás!).
O primeiro emprego do PT6 foi no Beech U-21, aeronave surgida depois de um teste de conceito a partir do Beech A80 Queen Air, onde os motores Lycoming IGSO-540 de 6 cilindros, 8,85 litros e 380 hp a 3.400 rpm foi substituído pelo turbo-hélice PT6A com 550 shp (shaft horsepower ou potencia medida no eixo).
A partir daí o resto é história: O PT6 conquistou o mercado de motores turbo-hélices da faixa de 550 a 1.600 hp, sendo usado por toda a sorte de aeronaves, desde pequenos bimotores executivos (talvez, o menor deles seja o Cessna 425 Conquest I) até aeronaves de maior porte como o De Havilland DHC-7 Dash 7 para 50 passageiros.
O concorrente direto do PT6 é o motor Honeywell TPE-331, surgido na primeira metade da década de 1960 e até hoje produzido.
Trata-se de um motor de eixo único onde o próprio eixo do motor (compressores e turbinas) é acoplado à caixa de redução num conceito denominado “direct drive turboprop” ou turbo-hélice de tomada direta, numa tradução literal.
Se por um lado muitos argumentam que o TPE-331 seja um motor melhor que o PT6, tanto em termos de robustez intervalo e custo de manutenção quanto consumo de combustível, o fato é que ele não atingiu sequer a metade de unidades produzidas pelo PT6, com a entrega, em dezembro de 2022 da 50.000ª unidade!
À guisa de curiosidade, na segunda metade da década de 1970, uma greve e redução na produção dos motores PT6 obrigou a Beechcraft a procurar alternativas para manter a produção do seu modelo King Air 100. E assim foram feitos os modelos King Air A100 com motores PT6 de 680 shp e oferecida a versão B100 com motores Garrett (atual Honeywell) TPE-331-6 de 715 shp.
Embora tenham sido produzidas apenas 137 unidades do B100 com motores TPE-331, o modelo até hoje causa discussões entre os fãs do PT6 versus os fãs do TPE-311 por ter sido a única aeronave oferecida com motorização diferente dentro da mesma faixa de potência.
Usos
O PT6 começou sua vida no King Air e depois com sua simplicidade e robustez conquistou as pranchetas de diversos fabricantes de motores de todo o mundo ocidental.
Desde sua criação na década de 1960, o PT6 se tornou a opção de motor turbo-hélice de diversas aeronaves, desde sua gênese.
Nesses 60 anos, o PT6 teve diversas melhorias tendo sua pressão de trabalho substancialmente aumentada e seu peso diminuído, melhorando muito sua relação peso-potência fornecida.
A potência no eixo do PT6, por sua vez, foi incrementada dos 550 hp originais para versões até 1.650 shp na versão PT6-67CF.
Recentemente a Pratt & Whitney colocou a versão Fadec (Full Authority Digital Engine Control) do PT6, com gerenciamento eletrônico do motor e hélice.
O intervalo de manutenção geral do motor situa-se entre 3.600 e 5.000 horas, conforme a versão.
Asas rotativas
Helicópteros também se valeram dos motores PT6, seja em novos projetos, seja na remotorização de modelos antigos.
Em 1968, a Bell Helicopter lançou o modelo 212, essencialmente um Bell 205/UH-1 Huey com dois motores PT6 de 900 hp cada, acoplados a um único eixo.
Embora não tenha sido largamente usado no conflito do Vietnã, em virtude do uso massivo dos modelos UH-1D e H, monoturbinas, esteve presente em diversos conflitos armados ao redor do mundo.
No Brasil, os modelos 212 foram largamente empregados nas décadas de 1980 e 1990 no transporte de pessoas e materiais do continente para as plataformas de petróleo, exatamente por ter dois motores, oferecendo segurança extra em voos em grandes faixas de mar.
A aeronave foi produzida por 30 anos (de 1968 a 1998) e seu sucessor, o Bell 412 (com rotor de 4 pás, de1979) encontra-se até hoje em produção.
O conjunto PT6-T também foi empregado na remotorização do Sikorsky S-58. Inicialmente equipado com um motor radial Wright R-1820 de 9 cilindros de 29,8 litros, alguns S-58 foram remotorizados com motores turboeixo PT6-T dando uma nova vida ao modelo.
Outros usos
O PT6 teve variantes usadas em locomotivas ferroviárias, mas talvez o maior destaque tenha se dado no final da década de 1960 quando a equipe STP criou o Paxton-Turbocar para disputar a corrida 500 Milhas de Indianápolis.
Tratava-se de um veículo incomum, com o motor à esquerda do carro e o habitáculo, à direita.
O motor era acoplado a um conversor de torque e este levava os 550 hp de potência do eixo as quatro rodas.
A área de admissão de ar do motor, no entanto, foi limitada para reduzir a potência gerada pelo motor. Entretanto, um acidente acabou por encerrar a carreira do Turbocar.
A Lotus também usou do PT6 em seu modelo 56, no mesmo ano de 1968, na Indy 500. O piloto era o inglês Graham Hill, que bateu na Curva 2 na 110ª volta de 200. e em 1971 tentou uma variante, o Lotus-Pratt & Whitney, no GP da Holanda de Formula 1, pilotado pelo australiano Dave Walker, sem muito sucesso. Classificou-se em 22º para largada e acidentou-se na corrida.
Emerson Fittipaldi teve a oportunidade de dirigir o veículo em testes, sendo um dos três pilotos do modelo.
A guisa de curiosidade, no caso específico do Paxton Turbocar, consta que o lag da aceleração do motor chegava a 3 segundos!
O futuro
O PT6 nasceu com 500 shp e cresceu, chegando a 1.600 shp.
A Pratt & Whitney até tentou restringir o PT6 as versões com potência inferior a 1.200 hp, colocando para as necessidades maiores, o PW100, com três eixos concêntricos (dois do gerador de gás e o terceiro, para a turbina de potência) mas o mercado acabou por exigir PT6 maiores e a empresa, atendendo aos anseios, acabou criando versões até 1600 hp.
Atualmente a empresa está concentrada nos PT6 com gerenciamento Fadec, homologando para uso de SAF (Sustentaible Aviation Fuel) e há rumores que esta em curso, um PT6 voltado para produzir até 2.000 hp, cobrindo uma lacuna entre os atuais PT6 e os PW 127 de 2.200 hp!
DA