O retorno da disputa da 24 Horas de Le Mans, após a Segunda Guerra Mundial, só ocorreu em 1949. A região oeste da França foi uma das mais castigadas no final do conflito. Segundo consta, a longa reta de Hunaudières — reta de Mulsanne, assim também conhecida —, com quase sete quilômetros de extensão e que era utilizada pela Luftwaffe, a força aérea alemã, foi bombardeada pelos aliados, juntamente com o setor dos boxes. Além disso, como grande parte do circuito é baseado em estradas, os organizadores da competição tiveram que esperar até que elas fossem recuperadas pelo governo.
Na lista de inscritos a maioria dos carros ainda eram de antes da guerra. Isto porque, conforme o regulamento da competição, equipes, carros e pilotos que participam da edição anterior, têm prioridade de inscrição na edição seguinte. Além disso, a construção de novos modelos após o fim do conflito ainda estava recomeçando. Uma das novidades eram os carros de uma marca italiana, recém-criada, que havia iniciado a fabricar em 1947. Inscritos na categoria intermediária, de 1500 a 2.000 cm³, os dois Ferrari 166 MM, com motor V-12 de 1995 cm³, eram os mais modernos no grid.
Porém, devido a cilindrada média e também por estarem ainda em início de produção não foram considerados favoritos. Dizem que até Enzo Ferrari não botou fé da proposta e, segundo consta, chegou a enviar uma carta aos organizadores da competição insinuado que era temerário aceitarem a inscrição dos modelos que ainda não tinham sido testados em uma maratona tão exigente. Tanto, que os dois carros foram inscritos por equipes independentes e o Commendatore informou ao Automobile Club de L’Ouest (ACO) que eles não teriam nenhum apoio da Scuderia Ferrari.
Por trás da empreitada estava o ítalo-americano Luigi Chinetti que, ainda jovem, começou a trabalhar como mecânico na Alfa Romeo na década de 1920. Como também sabia pilotar e, na época, o regulamento de Le Mans exigia que os próprios pilotos reparassem os carros, Chinetti passou a defender a equipe da Alfa e venceu duas edições da prova, em 1932 e 1934. Em 1940, convidado para dar apoio aos carros da Maserati que iriam disputar a 500 Milhas de Indianapolis, ele foi aos Estados Unidos e por lá ficou durante a guerra mexendo com reparo e venda de carros.
Em 1946, ao visitar Enzo Ferrari em Modena e ficar sabendo das intenções do Commendatore em fabricar esportivos, se comprometeu a vendê-los nos Estados Unidos pela sua empresa Luigi Chinetti Motors Inc. — depois virou North American Racing Team —, afirmando que seria um mercado muito interessante para a Ferrari. Quando a marca expôs os primeiros modelos no Salão de Turim de 1948, Chinetti já tinha dois ricos compradores para a Barchetta 166 MM: o aristocrata inglês Peter Mitchell-Thomson (Lord Selsdon) e o milionário francês, herói da Resistência, Pierre-Louis Dreyfus.
Com o apoio dos dois mecenas, Chinetti sentiu firmeza para a aventura em Le Mans. Em um dos carros ele se inscreveu junto com Lord Selsdon, enquanto no outro barchetta Dreyfus dividiu a pilotagem com o também francês Jean Lucas. Em uma corrida épica, Chinetti se manteve na direção do carro desde a largada até a madrugada. Finalmente ao amanhecer, ele passou o comando para o lorde, quando já tinha uma vantagem de três voltas sobre o segundo colocado, Dreyfus. A parada foi só para as necessidades básicas, trocar de roupa e comer alguma coisa antes de voltar ao volante.
O turno de Lorde Selsdon foi de apenas 72 minutos. Mas quando Chinetti reassumiu o comando do carro a embreagem estava patinando, ao mesmo tempo em que Dreyfus sofreu um acidente, sem gravidade, mas teve que abandonar a prova. Mantendo um ritmo controlado, Chinetti conseguiu vencer a prova, mas apenas com uma volta de vantagem para o Delage pilotado pelo francês Henri Louveau e pelo espanhol Juan Jover. Assim, a Ferrari vencia na sua primeira participação em Le Mans uma competição internacional de importância, mas sem apoio oficial da fábrica.
RM