O nome Reeves Callaway foi notícia recente, infelizmente, por causa de seu falecimento. Aos 75 anos, Callaway tinha construído uma enorme reputação no meio dos carros modificados, e também dentre os grandes fabricantes. A maioria conhece o nome Callaway por conta dos Corvettes que ele preparou e eram vendidos diretamente nas concessionárias Chevrolet como opcionais de fábrica.
Obviamente, não foi da noite para o dia que Ely Reeves Callaway III tornou-se fornecedor de kits de preparação para a GM montar nos Corvettes. Ele vinha de uma família que estava já estabelecida financeiramente, seu pai havia criado a Callaway Golf Company, fabricante de equipamentos e tacos de golfe nos Estados Unidos.
O gosto de Ely por carros começou cedo. Ele queria ser piloto de corrida, passando por corridas de kart quando criança até chegar a ser campeão da Fórmula V em 1973. Seu diploma em Belas Artes não foi muito utilizado na área cultural, uma vez que seu interesse por carros velozes era bem mais forte.
Em 1976, Reeves era instrutor de pilotagem na famosa escola de Bob Bondurant, já vendo que sua carreira como piloto profissional não iria muito longe. Isto não significava que seu interesse por carros velozes estava acabando. Um pouco diferente do padrão local, ele tinha grande interesse em carros europeus, até mesmo porque alguns BMW faziam parte da frota de carros da escola de pilotagem, vindos de concessionários locais.
Por que não fazer algumas modificações para tornar um belo BMW mais rápido? Deve ter passado algo assim na cabeça de Reeves, pois foi exatamente no que ele focou nos próximos meses. Em 1977, na sua garagem em Connecticut, ele criou a Callaway Cars para vender kits de preparação para motores, com foco em turbocarregadores.
Um dos primeiros projetos de turbocarregadores era para o BMW 320i, geração E21, a primeira Série 3, emprestado pela BMW através de Bob Bondurant. Os 320i americanos utilizavam o motor de quatro cilindros em linha 2-litros com injeção de combustível Bosch K-Jetronic. Entregava pouco mais de 110 cv.
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Com a instalação do turboccarregador no BMW, era notória a diferença de desempenho. Como uma boa forma de propaganda, talvez ainda prematura, Reeves convidou o amigo Don Sherman da revista Car and Driver para dar uma volta com o 320i “Turbo”. Sherman ficou impressionado como o BMW tornara-se outro animal com as alterações de Callaway. Suas impressões foram para as páginas da revista, uma das mais conhecidas do mercado.
Por um lado, Callaway ficou conhecido entre os americanos donos de BMW que teriam algum interesse em aumentar a potência de seus motores, que, para a época, não eram tantos assim. Mas foi o suficiente para ele arrumar um novo problema. Não havia capacidade de produção na sua garagem, não haviam equipamentos para confecção de tubos do sistema de admissão e escapamento em maior escala. E alguns pedidos começaram a chegar. Ele também sabia que teria que aprimorar o kit, pois o primeiro BMW foi feito pontualmente, com ajustes exclusivos para o carro, e, muito importante, usando gasolina de alta octanagem que era disponível em postos de combustível da época, necessária para bom funcionamento do conjunto.
Callaway sabia que precisava expandir seu negócio e dedicar muito, se não todo, seu tempo no novo empreendimento. Seu tempo como piloto e instrutor de pilotagem havia acabado.
O 320i foi o primeiro projeto de Reeves que ficou conhecido, e dele vieram outros kit de turbocarregador para carros europeus, como Volkswagen, Audi e até Mercedes-Benz diesel. Estes kits ficaram conhecidos como Callaway Turbo Systems.
Depois do BMW, outro carro que passou pelas mãos de Reeves Callaway foi seu próprio Mercedes 240D dotado de motor Diesel de quatro cilindros. Com o turbo, a potência aumentou de 70 cv para 100 cv. Mais uma vez, Callaway colocou seu carro nas mãos de um jornalista, desta vez, Ro McGonegal, editor da Motor Trend em 1983.
O relativo sucesso do preparador que montava kits para carros europeus em sua garagem desde 1977, já com uma matéria publicada em uma das maiores revistas do país, atraiu a atenção de muitos, inclusive de um certo fabricante.
A Alfa Romeo via o mercado norte-americano como uma grande fonte de novos clientes. De fato, modelos europeus estavam conseguindo boa penetração no mercado comandado pelos grandes sedãs e picapes V-8. Um dos modelos que estava nos EUA era o GTV6, uma evolução do Alfetta GT de quatro cilindros, à venda no país desde 1975 e disponível na versão V-6 desde 1981.
Em 1983, as vendas do GTV6 não iam muito bem. O sucesso que o carro fez no seu lançamento foi ofuscado por fortes novos concorrentes como o Porsche 944, Nissan 300 ZX e o revolucionário Mazda RX-7, a versão definitiva do esportivo acessível com motor Wankel. Mesmo o GTV tendo recursos como transeixo traseiro, suspensão traseira tipo De Dion e um dos melhores V-6 já feitos, ainda era um carro já ao ponto de ser um modelo desatualizado perante os demais.
Vendo a repercussão dos kits Callaway Turbo Systems e a matéria da Car and Driver, a Alfa contatou Callaway para que ele fornecesse kits para o GTV6. Como não havia planos para um novo GTV vindo da Itália, uma possível solução para o mercado seria a adoção dos turbocarregadores no carro existente.
Haviam condições pelo lado da Alfa. O projeto deveria ser feito e entregue em apenas um ano, o carro não poderia ter nenhuma grande alteração estética que descaracterizasse o modelo, e deveria ser rápido o suficiente para deixar para trás um Maserati.
E assim foi feito. Em 1983 os primeiros Alfa Romeo GTV6 biturbo estavam sendo entregues aos revendedores americanos. Reeves criou um conjunto completo de admissão e escapamento para montar dois turbocarregadores da marca IHI, um para cada bancada de três cilindros, com o ar admitido passando por um resfriador ar-ar (interresfriador) duplo montado sobre o motor. Callaway modificou o sistema de injeção de combustível da Bosch para controlar melhor a quantidade de combustível injetado. A potência passou de 155 para 230 cv, a aceleração acima de 3.000 rpm, quando as turbinas estão carregadas, era nitidamente brusca se comparada com o motor original.
Os números de desempenho não negavam os ganhos. De zero a 100 km/h, o GTV6 passou dos 8,5 segundos para ótimos 6,2 segundos. De zero a 160 km/h, o tempo baixou de 24 segundos para ótimos 15 segundos. Para os padrões americanos, no quarto de milha o carro passou de 16,4 segundos para 14,5 segundos, com a velocidade aferida na marca do ¼ de milha passando de 137 para 157 km/h. Era rápido o suficiente para brigar com os Corvette V-8 da época.
Por fora, o carro era identificado com novas rodas BBS e pneus Goodyear Eagle 205/55R16 de 16 polegadas, uma nova entrada de ar no capô feita de compósito de fibra de vidro para captar ar externo para o resfriador do ar de admissão, um pequeno defletor traseiro e um discreto adesivo no vidro escrito Callaway Twin Turbo.
A suspensão também podia receber melhorias, como molas e amortecedores mais firmes. A caixa de direção original e a geometria bem construída já dava ao GTV uma boa dirigibilidade, que era um pouco perturbada com o motor bem mais potente e com o famoso turbo-lag do começo desta era.
Assim como o BMW gerou a primeira imagem da Callaway, um dos Alfa Romeo foi para outra publicação americana de grande alcance, a Road & Track. Comentários positivos reforçaram a qualidade do trabalho que estava sendo feito por Reeves e sua empresa, cada vez mais estruturada e pronta a encarar desafios maiores.
Um total de aproximadamente 36 carros receberam os kits de Callaway, até que em 1986 a Alfa cortou o projeto, junto com boa parte de sua operação nos Estados Unidos.
Mais uma vez, a publicidade falou mais alto e levou o nome da Callaway para dentro de um dos Três Grandes (Big Three, como os americanos chamam o trio formado por Ford, GM e Chrysler). Um dos GVT6 foi levado para o campo de provas da GM, em Black Lake, no estado de Michigan.
O chefe de desenvolvimento do Corvette, Dave McClellan, viu o carro em Black Lake e se interessou bastante. “Se estes caras conseguem fazer isso com um Alfa Romeo, o que poderiam fazer com o Corvette?”. O contato foi rápido, e Reeves não pestanejou em fechar negócio com McClellan e a GM.
A proposta foi rapidamente transformada em um kit de turbinas, assim como no GTV6, para ser oferecido aos clientes do Corvette. Desta vez, entretanto, os Corvettes turbo podiam ser encomendados diretamente nos concessionários Chevrolet.
Como é comum no mercado americano, os inúmeros opcionais disponíveis para os carros novos eram identificados por códigos, os chamados RPO (Regular Production Option, opcionais de produção normal), que juntos geram uma lista de configurações para o carro completo. O kit da Callaway foi identificado como o código B2K, Twin Turbo Corvette, e foi oferecido de 1987 a 1991 em alguns concessionários selecionados.
Os Corvettes encomendados com o B2K eram enviados diretamente da fábrica da GM para a Callaway em Connecticut. O V-8 de 350 pol³ (5,7 litros) passava de 245 cv para 390 cv, um salto e tanto no desempenho do esportivo americano. O mais famoso Corvette desta leva foi o protótipo chamado Sledgehammer (marreta, em inglês), que quebrou o recorde de velocidade para carros homologados para andar na rua, com incríveis 410 km/h.
O Alfa Romeo biturbo foi a porta de entrada com a qual Reeves chegou aos Corvettes do fim dos anos 80, e estes abriram o caminho para diversos outros projetos da Callaways com grandes fabricantes ao redor do mundo, mas sempre com uma forte ligação com a GM e o Corvette.
MB